terça-feira, 4 de novembro de 2014

HÁ RAZÕES PARA NÃO PODERMOS?



Nuno Ramos de Almeida – jornal i, opinião

Existe uma enorme crise política em Portugal e na Europa. Essa crise faz com que a política se transforme em quase todo o lado, menos neste cantinho à beira-mar plantado
Em Espanha, Itália, França, Grécia e por todo os cantos da Europa existe um grande descontentamento: a uma crise económica e social está a corresponder uma crise política. As pessoas estão descontentes com um regime que se chama democracia, literalmente "poder do povo", mas em que as pessoas mandam cada vez menos. A capital do nosso governo de facto está em Berlim, os serviços em Bruxelas e os lacaios em Lisboa, e todos servem a mesma casta ligada aos interesses financeiros e especulativos. A nossa participação só é pedida quando é necessário pagar os buracos dos bancos feitos por essa gente. A cidadania foi limitada ao papel de fiador obrigado.

Por todo o lado, os partidos do centrão que conduziram os povos da Europa à crise e à destruição das conquistas sociais de várias gerações de pessoas estão com o pescoço no cepo. Em todo o lado? Não, em Portugal o governo que se segue vai pertencer mais uma vez à alternância do bloco central dos interesses, e em todas as sondagens PS e PSD continuam a ser de longe os partidos mais votados pelos portugueses.

Era interessante perceber quais são as razões que fazem que os partidos do sistema tenham tanta resistência apesar do enorme desastre a que nos conduziram: se calhar é porque os partidos que contestam este estado de coisas não tiveram a capacidade de os afrontar de forma eficiente. O politólogo André Freire, num interessante comentário numa notícia do i sobre a passagem do Podemos para primeira força política em Espanha, diz o seguinte: "Em Portugal é preciso que a esquerda radical deixe muito claro que quer ser governo e está disponível para fazer as alianças necessárias para o conseguir."

Acho precisamente o contrário. O problema dos partidos como o BE e o PCP não é estarem indisponíveis para patrocinar os governos da ala de centro-esquerda do bloco central, é terem sido incapazes de transformar uma maioria social contra estas políticas numa maioria política. Aliás, o que as pessoas exigem às forças políticas é uma ruptura com aquilo que existe, não que se proponham comer à mesa do sistema. O drama surge quando as alegadas novas alternativas têm como alfa e ómega da sua política o desejo de se aliarem ao partido do próximo governo, independentemente de tudo o resto.

Mas pelo menos numa coisa André Freire tem razão: quem se opõe a este estado de coisas deve ter a ambição de governar e de ocupar o lugar do poder para o tornar um espaço de todos: devolver o poder político aos cidadãos. Não há governação por telepatia. É preciso ter a ambição de vencer. Não é possível triunfar sem incorporar no processo político a maioria das pessoas que foram expulsas dele. Se um partido contesta um sistema que decide pelas pessoas, tem de colocar a democracia no centro da sua actividade.

Aquilo que o Podemos parece demonstrar é que isso é possível. O partido espanhol não se contentou em jogar nas condições existentes, alterou as coordenadas do terreno. O seu programa alicerça-se em ideias em que existe uma fortíssima hegemonia na maioria da população. Nesta fase da luta política, em vez de nos dividirmos em questões que não se levantam agora, é preciso unirmo-nos contra um estado de coisas: as pessoas não estão de acordo com um regime com uma corrupção sistémica que privilegia sempre os mesmos e aumenta cada vez mais as desigualdade sociais. O Podemos, ao pôr tudo isto em cima da mesa, criou as condições para uma ruptura populista que dê o poder ao povo. E sobretudo declarou a sua vontade de vencer. É esta a grande diferença.

Editor-executivo - Escreve à terça-feira

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