Nuno Ramos de Almeida – jornal i, opinião
Existe
uma enorme crise política em Portugal e na Europa. Essa crise faz com que a
política se transforme em quase todo o lado, menos neste cantinho à beira-mar
plantado
Em
Espanha, Itália, França, Grécia e por todo os cantos da Europa existe um grande
descontentamento: a uma crise económica e social está a corresponder uma crise
política. As pessoas estão descontentes com um regime que se chama democracia,
literalmente "poder do povo", mas em que as pessoas mandam cada vez
menos. A capital do nosso governo de facto está em Berlim, os serviços em
Bruxelas e os lacaios em Lisboa, e todos servem a mesma casta ligada aos
interesses financeiros e especulativos. A nossa participação só é pedida quando
é necessário pagar os buracos dos bancos feitos por essa gente. A cidadania foi
limitada ao papel de fiador obrigado.
Por
todo o lado, os partidos do centrão que conduziram os povos da Europa à crise e
à destruição das conquistas sociais de várias gerações de pessoas estão com o
pescoço no cepo. Em todo o lado? Não, em Portugal o governo que se segue vai
pertencer mais uma vez à alternância do bloco central dos interesses, e em
todas as sondagens PS e PSD continuam a ser de longe os partidos mais votados
pelos portugueses.
Era
interessante perceber quais são as razões que fazem que os partidos do sistema
tenham tanta resistência apesar do enorme desastre a que nos conduziram: se
calhar é porque os partidos que contestam este estado de coisas não tiveram a
capacidade de os afrontar de forma eficiente. O politólogo André Freire, num
interessante comentário numa notícia do i sobre a passagem do Podemos para
primeira força política em Espanha, diz o seguinte: "Em Portugal é preciso
que a esquerda radical deixe muito claro que quer ser governo e está disponível
para fazer as alianças necessárias para o conseguir."
Acho
precisamente o contrário. O problema dos partidos como o BE e o PCP não é
estarem indisponíveis para patrocinar os governos da ala de centro-esquerda do
bloco central, é terem sido incapazes de transformar uma maioria social contra
estas políticas numa maioria política. Aliás, o que as pessoas exigem às forças
políticas é uma ruptura com aquilo que existe, não que se proponham comer à
mesa do sistema. O drama surge quando as alegadas novas alternativas têm como
alfa e ómega da sua política o desejo de se aliarem ao partido do próximo
governo, independentemente de tudo o resto.
Mas
pelo menos numa coisa André Freire tem razão: quem se opõe a este estado de
coisas deve ter a ambição de governar e de ocupar o lugar do poder para o
tornar um espaço de todos: devolver o poder político aos cidadãos. Não há
governação por telepatia. É preciso ter a ambição de vencer. Não é possível triunfar
sem incorporar no processo político a maioria das pessoas que foram expulsas
dele. Se um partido contesta um sistema que decide pelas pessoas, tem de
colocar a democracia no centro da sua actividade.
Aquilo
que o Podemos parece demonstrar é que isso é possível. O partido espanhol não
se contentou em jogar nas condições existentes, alterou as coordenadas do
terreno. O seu programa alicerça-se em ideias em que existe uma fortíssima
hegemonia na maioria da população. Nesta fase da luta política, em vez de nos
dividirmos em questões que não se levantam agora, é preciso unirmo-nos contra
um estado de coisas: as pessoas não estão de acordo com um regime com uma
corrupção sistémica que privilegia sempre os mesmos e aumenta cada vez mais as
desigualdade sociais. O Podemos, ao pôr tudo isto em cima da mesa, criou as
condições para uma ruptura populista que dê o poder ao povo. E sobretudo
declarou a sua vontade de vencer. É esta a grande diferença.
Editor-executivo
- Escreve à terça-feira
Sem comentários:
Enviar um comentário