sábado, 15 de fevereiro de 2014

Portugal: Perguntas que eu gostaria de fazer a propósito do "milagre económico"

 

José Pacheco Pereira – Público, opinião
 
Como é que o Governo pode pensar que em Portugal se vai dar um “milagre” económico com a pauperização do principal sector dinâmico da sociedade, a classe média?
 
(Ao primeiro-ministro, ao vice-primeiro-ministro, à ministra das Finanças, ao ministro da Solidariedade Social e ao ministro da Economia)
 
1. Tendo em conta que dos objectivos iniciais do Memorando, considerados fundamentais (e que eram apresentados como a cartilha inexorável do governo até à demissão de Vítor Gaspar), se contava conseguir controlar o défice para os seguintes números: 5,9% em 2011, 4,5% em 2012, 3% em 2013 e se chega ao final de 2013 com o défice previsto de 5%, como é que se pode afirmar que o “cumprimento” do Memorando foi um “sucesso”?
 
2. Tendo em conta que a dívida máxima prevista no Memorando era de 114,9 % do PIB, e a dívida no final de 2013 era de perto dos 130% do PIB, como é que se pode afirmar que o “cumprimento” do Memorando foi um sucesso?
 
3. Tendo em conta que, mesmo estes resultados, muito longe dos objectivos iniciais, só foram conseguidos quer pelo aumento brutal dos impostos, fazendo a consolidação orçamental essencialmente do lado da receita e não da despesa como estava previsto, quer através do contínuo uso de receitas extraordinárias, presentes em todos os orçamentos desde 2011 (incorporação de fundos de pensões, perdões fiscais, etc.), como é que se pode afirmar que o “cumprimento” do Memorando foi um sucesso?
 
4. Tendo em conta que o objectivo do Governo era usar o Memorando “indo além da troika” para fazer uma “revolução” nos comportamentos gastadores dos portugueses e numa refundação estrutural da economia portuguesa, e que isso previa, em 2011, conseguir-se bastante depressa, onde é que existem esses novos hábitos que não resultem da maior penúria de pessoas e famílias, e onde estão os sinais das mudanças estruturais da economia portuguesa? Como é que se pode afirmar que o “cumprimento” do Memorando foi um sucesso para garantir estes objectivos?
 
5. Como o controlo da balança de pagamentos se fez essencialmente à custa da recessão da economia e da brutal quebra do consumo, como é que se pode esperar que qualquer recuperação económica, por pequena que seja, não ponha em causa esse controlo?
 
6. Que papel têm no fechar de olhos europeu e da troika a estes resultados muito longe do previsto, as circunstâncias políticas das próximas eleições europeias com um ascenso claro de forças antieuropeias para quem a permanência da crise do euro e das dívidas soberanas é um argumento central?
 
7. Ou que papel tem na fácil aceitação de resultados medíocres, e mesmo no seu elogio público por responsáveis europeus, a consciência de que não é possível prosseguir estas políticas, entre outras coisas porque não existe consenso europeu para continuar a apoiar directamente os países do Sul endividados e, por isso, ser mais fácil fazer uma cosmética do sucesso do que uma verificação do falhanço? Ou por se temer que a má fama dos “protegidos” do “protectorado” atinja a boa fama dos “protectores”?
 
8. Por que razão em 2011, quando se iniciaram políticas em nome do cumprimento do Memorando, e, supostamente por ordens da troika (o que é inverificável por não haver documentação acessível sobre a evolução das conversações, não se sabendo o que veio da troika e o que veio do Governo português), não se previa outra solução que não fosse o “regresso aos mercados” em 2014, e, a partir de 2013, se passou a discutir a possibilidade de um novo resgate, seja sob a forma de um outro empréstimo, seja de um "plano cautelar"?
 
9. Isso significa que existe a consciência de que em 2014 Portugal tem de continuar a estar sob qualquer forma de assistência internacional? Durante quanto tempo? Se se tiver em conta o chamado Pacto Orçamental, para sempre?
 
10. Se Portugal tiver uma “saída limpa”, ou à irlandesa, isso deve-se às vantagens políticas dessa solução em vésperas de eleições ou à convicção do Governo de que, no futuro imediato, aconteça o que acontecer, os juros portugueses permanecerão abaixo dos 4,5% a longo prazo? E que garantias existem para que, caso isso não aconteça depois de 2015, e terminado o “tesouro de guerra” adquirido nestas últimas emissões, não haverá necessidade de um novo resgate?
 
11. Será que o Governo espera recolher os louros de curto prazo com uma saída “limpa” e depois deixar os problemas de sustentabilidade da “limpeza” para os seus sucessores na governação? Quem vier a seguir encontrará uma espécie de bomba relógio deixada pela “saída limpa” que permanece dormente durante dois anos e depois explode nas mãos de quem estiver no Governo?
 
12. Quando é que as políticas de severa austeridade serão, no entender do Governo, primeiro mitigadas e depois terminadas? Daqui a dez anos? Vinte? Trinta? Todos estes números já foram avançados, mas convinha saber o que pensa o actual Governo.
 
13. Ou seja, quando é que os salários começam a crescer, o desemprego a diminuir, as reformas a retomar valores do passado, o poder de compra dos portugueses a aumentar? Ou seja, a haver uma recuperação social e não apenas uma recuperação económica, cujos frutos a existir podem não ser distribuídos ou ser distribuídos de forma desigual?
 
14. Tendo em conta que o Governo responderá a todas estas perguntas anteriores e às seguintes com “depende da recuperação económica”, como espera o Governo repor os canais de justiça social que tem vindo a fechar nos últimos dois anos, ao baixar salários, despedir pessoas, acentuar a taxação sobre o trabalho, ou fazer aquilo que eufemisticamente se chama “desvalorização fiscal”? Ou seja, o que é que o Governo vai fazer para que o “milagre económico”, que depende das empresas, mas também do trabalho, conheça uma mais equilibrada distribuição de riqueza na sociedade, para evitar agravar o fosso da sociedade portuguesa, entre ricos e pobres? Ou seja, quando começa a por termo às politicas actuais?
 
15. Tendo em conta que existem algumas centenas de milhares de portugueses (duas, três centenas de milhares?) que estão desempregados mas fora das estatísticas do desemprego, os chamados “desencorajados”, que já nem sequer se deslocam aos centros de emprego regularmente, que políticas tem este Governo para este número muito elevado de portugueses? Desde já.
 
16. Tendo em conta que existem mais umas largas centenas de milhares de portugueses – 525 mil desempregados de longa duração, dos quais 342 mil estão nessa situação há mais de dois anos – que não têm perspectivas de emprego provavelmente até ao fim da vida, que políticas tem este Governo para este número muito elevado de portugueses? Desde já.
 
17. Tendo em conta que cerca de 25% dos portugueses são pobres, número certamente abaixo da realidade, e em claro crescimento, sendo que 4,5 milhões de portugueses estariam na pobreza sem prestações sociais, que políticas têm este Governo para este número muito elevado de pessoas?
 
18. Tendo em conta que o Governo diz que “protege” estes pobres dos efeitos da crise (o que não inclui os custos dos aumentos de rendas, da energia, dos transportes, dos produtos e serviços básicos, mas apenas a “protecção” de pensões e prestações sociais muito baixas), significa isso que se limita a uma atitude passiva de manter a grande bolha de pobreza, mas não dá aos que estão lá dentro qualquer possibilidade de aí saírem? Ou seja, que políticas existem ou estão previstas para retirar as pessoas da pobreza? Ou a sua condição é considerada imutável apenas para manter de forma mais ou menos assistencial?
 
19. Como é que o Governo pode pensar que em Portugal se vai dar um “milagre” económico com a pauperização do principal sector dinâmico da sociedade, a classe média? Como é que, com uma classe média cada vez mais frágil, é possível manter um elevador que garanta a mobilidade social de baixo para cima, sem a qual qualquer “milagre” económico não existe a não ser como propaganda? Ou o Governo entende que uma coisa é a “recuperação económica”, que diz respeito às “empresas”; e que a “recuperação social” ou é um subproduto espúrio da actividade empresarial, ou não é uma prioridade política?
 
20. Quando o Governo fala dos portugueses, considera que está a falar destes muitos milhões de pessoas para quem não existe qualquer perspectiva de futuro e para quem o Governo não tem quaisquer políticas e aparenta não se preocupar por não ter? Afinal quem são os portugueses reais se não são estes milhões de portugueses?
 
Historiador
 

UE pede explicações a Espanha sobre uso de balas de borracha contra imigrantes

 

 
Polícia disparou contra imigrantes que tentavam chegar a Ceuta a nado. Pelo menos 15 morreram.
 
Era só preciso nadar cerca de 30 metros e o mar estava calmo. Dali, de Marrocos, a Ceuta, território espanhol, não faltava muito. A Europa já não era uma miragem. Alguns 250 imigrantes, que vinham já desde longe, de vários países de África subsariana, pensaram que poderiam ter de nadar e vinham preparados com coletes salva-vidas. Antes, alguns tentaram ir a pé por estrada mas não conseguiram. O mar parecia uma boa opção.
 
“Cerca de 150 lançaram-se à água”, contou ao diário El Mundo Joseph Nyamen, camaronês, por Skype. “Havia um grupo de bons nadadores que saiu primeiro e já estava em Espanha, nós íamos atrás.” E foi então que aconteceu: “Íamos avançando quando a Guarda Civil começou a disparar balas de borracha e gás [lacrimogéneo]. A mim atingiram-me na nuca. Nunca tínhamos vivido nada assim”. Nyamen ficou atordoado mas recuperou, e conseguiu voltar a nado para Marrocos. Pouco depois, começaram a chegar à praia os corpos dos mortos.
 
Esta é a versão dos imigrantes, e o que disse Joseph Nyamen ao El Mundo era muito semelhante ao que contaram vários outros sobreviventes ao El País.
 
Neste caso há várias afirmações contraditórias, a começar pelas próprias autoridades espanholas. O representante do Governo espanhol em Ceuta e o director da Guarda Civil desmentiram inicialmente que tivesse havido o disparo de balas de borracha pela polícia contra os imigrantes no mar naquele dia 6 de Fevereiro.
 
Mas o ministro do Interior, Jorge Fernández Díaz, acabou por admitir no Parlamento que houve disparo de balas de borracha. Negou, no entanto, que estas tivessem sido disparadas directamente para os imigrantes, que tivessem furado coletes salva-vidas de alguns deles, ou que tivessem provocado qualquer uma das mortes dos que se afogaram. Cinco dos corpos foram encontrados em águas espanholas, dez em marroquinas.
 
Womsi Desire, um camaronês que foi um dos primeiros sobreviventes a ser ouvidos pelos media espanhóis, disse que viu um dos seus companheiros de viagem perder o colete, esvaziado por uma bala de borracha.
 
A Comissão Europeia já deu mostras de inquietação. A comissária dos Assuntos Internos, Cecilia Malmström, quer ouvir uma explicação de Espanha sobre este assunto. No Twitter, Malmström afirmou estar “muito preocupada” e sublinhou que as acções dos Estados-membros devem ser “proporcionadas” e respeitar os direitos e dignidade humanas. Mais, “como guardiã dos tratados, a Comissão Europeia reserva-se o direito de dar os passos adequados se houver provas de que um Estado-membro violou a lei europeia”, disse um porta-voz de Malmström citado pelo diário El País.
 
As autoridades espanholas dizem que dispararam depois de alguns dos imigrantes terem lançado pedras contra a parte espanhola da fronteira em terra, perto da praia de onde tinham saído. Alegam que raramente viram atitudes tão violentas da parte de imigrantes. Os imigrantes dizem que o fizeram, por indignação, depois de ver os cadáveres dos companheiros mortos. Argumentam que ficaram espantados: esperavam brutalidade por parte da polícia marroquina, não da espanhola.
 
Há ainda outra discordância entre a versão dos sobreviventes e a das autoridades: os imigrantes dizem que um grupo de alguns (não mais de 20) chegou a pisar solo espanhol, e que foram mandados para trás, a pé, para território marroquino. O Governo repete que nenhum conseguiu chegar a Ceuta.
 
Várias Organizações Não Governamentais (ONG), incluindo a Human Rights Watch, pediram ao Governo espanhol para investigar a morte dos imigrantes e verificar o inventário de material anti distúrbios.
 
Mas uma coisa é certa. Muitos destes imigrantes não vão voltar a tentar chegar à Europa. "Tiraram-nos a esperança”, disse Joseph Nyamen.
 
Na foto: Imigrante protesta em Madrid contra a actuação das autoridades espanholas em Ceuta Juan Medina/Reuters
 

Moniz Bandeira aponta aliança entre ONGs ocidentais e neonazistas na Ucrânia

 


Os Estados Unidos e a União Europeia estão dispostos a se aliar não importa com quem desde que isso enfraqueça a Rússia, diz o historiador.
 
Marco Aurélio Weissheimer – Carta Maior
 
Os protestos de rua que vem sacudindo a Ucrânia nas últimas semanas são resultado, em grande medida, de uma articulação bizarra entre ongs e fundações norte-americanas e europeias e o partido neonazista Svoboda, liderado por Oleg Tiagnibog. Os Estados Unidos e a União Europeia estão dispostos a se aliar não importa com quem desde que isso enfraqueça a Rússia e permita a instalação de tropas da OTAN na Ucrânia. Esse é o pano de fundo desses protestos. A avaliação é do cientista político e historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira, autor, entre outras obras, de A Segunda Guerra Fria – Geopolítica e Dimensão Estratégica dos Estados Unidos (Editora Civilização Brasileira), onde examina o papel dos Estados Unidos na eclosão e o desenvolvimento de recentes rebeliões na Eurásia, na África do Norte e no Oriente Médio.
 
Para Moniz Bandeira, os recentes acontecimentos que convulsionaram vários países no Oriente Médio, na Eurásia e norte da África devem ser entendidos no contexto da estratégia de “full spectrum dominance” (dominação de espectro total) que os EUA continuam implementando contra a presença da Rússia e da China naquelas regiões. Em entrevista à Carta Maior, Moniz Bandeira analisa a situação da Ucrânia e identifica os grupos que, segundo ele, estão apoiando e promovendo as manifestações:

"ONGs, tais como Open Society Foundations [OSF], Vidrodzhenya (Reviver), Freedom House, Poland-America-Ukraine Cooperation Initiative e outras, finaciadas pelos Estados Unidos, através da USAID, National Endowment for Democracy e CIA, bem como fundações alemãs. Foram elas que promoveram a denominada Revolução Laranja, que derrubou o governo de Leonid Kuchma (1994-2005)".

"Os chamados ativistas, que instigam e lideram as demonstrações pro-Ocidente, pertencem, em larga medida, a comandos do Svoboda e de outras tendências neo-nazis, levados de Lviv (Lwow, Lemberg) para Kiev e manifestam claramente tendências xenófobas, racistas, anti-semitas e contra a Rússia".

A União Brasileira de Escritores e a Academia de Letras de Minas Gerais indicaram o nome de Moniz Bandeira para o prêmio Nobel de Literatura em 2014, cuja escolha será feita em outubro pela Academia Sueca.

Qual a sua avaliação sobre os recentes protestos que vem sacudindo a Ucrânia?

Moniz Bandeira - A Ucrânia nunca teve unidade étnica e daí a fragilidade do Estado nacional que lá se formou. Até o século XII, chamada Rus' Kievana ou Kyïvska Rus, era uma confederação de tribos eslavas orientais, virtualmente oa maior potência da Europa, ao abranger a atual Bielo Rússia e parte da Rússia.

Desintegrou-se, porém, e esteve envolvida em constantes guerras entre russos, poloneses, cossacos e lituanos. Em 1795, a antiga Rus's Kievna, ao oeste do rio Dnieper, que desemboca no Mar Negro, foi repartida. A Rússia anexou a maior parte da região, todo o Kanato da Criméia, e o Império Austro-Húngaro, sob a dinastia de Habsburg, dominou a outra, incluindo a Galitzia (Halychyna), na Europa Central, até 1918.

Durante a guerra civil na Rússia, após a Revolução Bolchevique (1917), lá combateram diversas facções. Após o Exército Vermelho derrotar as forças contra-revoluicionárias do general Antón Denikin e os anarquistas comandados por Nestor Makhno, a República Soviética da Ucrânia constituiu-se como Estado nacional e, em 1922, somou-se às Repúblicas Soviéticas da Rússia, Bielorrusia e Transcaucasia, na formação da União Soviética. Após o Pacto Molotv- Ribbentrop, ela reincorporou ao seu território a Galitzia e Volhnia, que integravam a Polônia, bem como recebeu da Romênia a Bessarábia, o nordeste de Bukovina e a região de Hertza. A opressão do regime stalinista, entre outros fatores históricos, gerou, no entanto, forte e profundo sentimento anti-soviético e, conseqüentemente, anti-russo. Uma parte da população não só saudou as tropas nazistas, como libertadoras, quando invadiram a Ucrânia em 22 de junho de 1942, como lutou ao seu lado. Porém, a maioria incorporou-se ao Exército soviético e a brutalidade nazista reforçou ainda mais a resistência.

Em 1945, libertada, a República Soviética da Ucrânia foi um dos países fundadores da ONU, mas Stalin não conseguiu colocá-la, como membro permanente, no Conselho de Segurança. A Grã-Bretanha opô-se. Não queria que a União Soviética com mais um voto, com direito a veto, no Conselho de Segurança. E daí que os dois países não aceitaram que o presidente Franklin D. Roosevelt, conforme prometera ao presidente Getúlio incluisse também o Brasil, porque estava então estreitamente vinculado aos Estados Unidos.

Quais são as causas e os principais protagonistas dos atuais protestos?

Moniz Bandeira - As causas das demonstrações são, sobretudo, geopolíticas e estratégicas. O que está em jogo não é, na realidade, a adesão da Ucrânia à União Européia. Não é questão de livre circulação de pessoas e de mercadorias. A União Européia muito pouco pode oferecer à Ucrânia, exceto, mediante o levantamento das barreiras alfandegárias, a importação maciça de produtos do Ocidente, a imposição de normas europeias aos produtos que ela fabrica e pode exportar para a mesma União Européia, o que lhe vai dificultar ainda mais as transações comerciais. A Ucrânia só tem a perder. O FMI vei impor medidas de contenção, dificultando ainda mais o desenvolvimento do país. Muitas indústrias fecharão ou serão assenhoreadas pelas multinacionais européias e os pequenos agricultores, arruinados pela agro-indústria.
 
Porém, o que os Estados Unidos pretendem, através da incorporação da Ucrânia à União Europeia é, sobretudo, possibilitar que as forças da OTAN sejam estacionadas na fronteira da Rússia. Conforme o economista Paul Craig Roberts, ex-secretário assistente do Tesouro no governo de Ronald Reagan (1981-1969), salientou, a respeito dos comentários de Viktoria Nuland, secretária de Estado Assistente de John Kerry, "a Ucrânia ou a parte ocidental do país está cheia de ONGs mantidas por Washington cujo objetivo é entregar a Ucrânia às garras da União Europeia, para que os bancos da União Europeia e dos Estados Unidos possam saquear o país como saquearam, por exemplo, a Latvia; e enfraquecer, simultaneamente, a Rússia, roubando-lhe uma parte tradicional e convertendo-a em área reservada para bases militares de Estados Unidos-OTAN". Com efeito, por trás das ininterruptas demonstrações, das quais dois senadores americanos -John McCain (Partido Republicano) e Christopher Murphy (Partido Democrata) abertamente participaram - estão certas ONGs, tais como Open Society Foundations [OSF], Vidrodzhenya (Reviver), Freedom House, Poland-America-Ukraine Cooperation Initiative e outras, finaciadas pelos Estados Unidos, através da USAID, National Endowment for Democracy e CIA, bem como fundações alemãs. Foram elas que promoveram a denominada Revolução Laranja, que derrubou o governo de Leonid Kuchma (1994-2005).

Essas e outras organizações não governamentais foram criadas como façade para promover a política de regime change sem golpe de Estado. Esse novo método de subversão, que os Estados Unidos desenvolveram, demonstro, com vasta documentação, em meu livro A Segunda Guerra Fria - Das rebeliões na Eurásia à África do Norte e ao Oriente Médio, lançado em 2013.

E como está a situação hoje da Ucrânia? Para onde caminha o país?

Moniz Bandeira - A Ucrânia está em uma situação econômica e social extremamente difícil. O desemprego, segundo o governo, é da ordem de 8% e parcela significativa da população - de 25%, conforme as estatísticas oficiais -, vive abaixo da linha de pobreza. O índice de desnutrição é estimado entre 2 e 3 % até 16%. O salário médio é de US$332,00, um dos mais baixos da Europa. As áreas rurais, no Ocidente, são mais pobres. E está na iminência de praticar o default. Os jovens ucranianos, porém, imaginam que a União Européia pode melhorar seu standard de vida e aumentar prosperidade do país. Os ucranianos – em primeiro lugar a juventude – têm o sonho da UE, a liberdade de viajar, as ilusões de conforto, bons salários, prosperidade, etc. Sonhos com os quais os governos ocidentais contam para derrubar o governo de Vikton Yanukovych.

Qual a importância geopolítica da Ucrânia hoje no cenário europeu e internacional?

Moniz Bandeira - Zbigniew Brzezinski, ex-assessor de Segurança Nacional do presidente Jimmy Carter, escreveu certa vez que, no novo tabuleiro do xadrez mundial, “a Ucrânia podia estar na Europa sem a Rússia, porém a Rússia não podia estar na Europa sem a Ucrânia". A equação, contudo, é muito mais complexa. A Ucrânia, chamada, tradicionalmente, de "pequena Rússia", não pode se desprender da Rússia, da qual muito depende, sobretuido para seu abastecimento de gás. E sua adesão à União Européia, permitindo o avanço da OTAN até a fronteiras da Rússia, tenderia evidentemente a romper todo o equilíbrio geopolítico da Eurásia, uma vasta região terrestre e fluvial, até o Oriente Médio, devido abranger os importantes estreitos de Bósforo e Dardanelos, que possibilitam as comunicações do Mar Negro e de importantes zonas energéticas (gás e petróleo) com o Mar Mediterrâneo, cujo controle e completo domínio os Estados Unidos buscam com a derrubada do governo de Basshar al-Assad, na Síria.

A questão da Ucrânia insere-se, assim, no mesmo contexto da guerra na Síria. A Rússia ainda mantém importante base naval na Síria, em Tartus, bem como conserva forças no porto de Latakia. E, não obstante o colapso da União Soviética, continuou a configurar, na percepção dos Estados Unidos, como seu maior rival. Ao Ocidente - Estados Unidos e União Européia - não interessa, portanto, a criação da União Econômica Eurasiana, cujo tratado o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o grande estadista da atualidade, está a negociar com as antigas repúblicas que antes integraram a extinta União Soviética, tais como Quirguistão, Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão e Ucrânia, exceto os países bálticos. Os Estados e a União Européia entendem que a Rússia voltaria, assim, a conquistar dimensão estratégica e geopolítica na mesma proporção da extinta União Soviética. O que está em jogo não é questão ideológica. É geoestratégica.

Como disse, Washington nunca deixou de perceber a Rússia como seu principal adversário, mesmo após a dissolução da União Soviética (1991). Em 1991, o general Colin Powell, então chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, no governo de George H. W. Bush (1989-1993), recomendou que os Estados Unidos impedissem que a União Europeia se tornasse uma potência militar, fora da OTAN, a remilitarização do Japão e da Rússia, bem como desencorajasse qualquer desafio à sua preponderância ou tentativa de reverter a ordem econômica e política internacionalmente estabelecida. Também Dick Cheney, então como secretário de Defesa, divulgou, em 1992, um documento no qual estabeleceu que a primeira missão política e militar dos Estados Unidos consistia em impedir o surgimento de algum poder rival na Europa, na Ásia e na extinta União Soviética.

Qual é a atual correlação de forças interna na Ucrânia no que diz respeito aos protestos?

Moniz Bandeira - O eixo da crise não está propriamente na correlação de forças domésticas, i. e., dentro da Ucrânia. Grande parte da população não apoia os que fazem demonstrações em Kiev. E o país, quer queiram ou não os manifestantes, está na órbita de gravitação da Rússia. Por outro lado, o Mar Negro é controlado, desde o reinado de Catarina, a Grande (1762 e 1796), pela frota russa, baseada na península da Crimeia, com a base naval em Sebastobol e mais um porto em Odessa. A Rússia jamais pode aceitar a incorporação da Ucrânia à OTAN, mesmo que a associação com a União Européia não implique aliança política-estratégica. O presidente Vladimir Putin, diplomaticamente, já fez a advertência de que está muito preocupado com a dívida do gás que a Rússia fornece a Ucrânia não paga. E se cortar o fornecimento o governo, que os Estados Unidos querem impor, não se sustenta. Cai.

Viktor Yushchenko, quando foi levado à presidência da Ucrânia, era a favor do Ocidente, porém, tal como seu antecessor Leonid Kuchma, que solicitara a adesão da Ucrânia à OTAN, na reunião de Raykjavia (13 de maio,2002), teve de rever sua posição, diante da realidade geopolítica. Cairia, decerto, se consumasse a adesão à OTAN. A União Europeia, outrossim, depende mais da Rússia que a Rússia da União Européia. E essa foi uma das razões pela quais se recusou a alinhar-se com os Estados Unidos para aplicar sanções contra o governo de Viktor Yushchenko.
Acabei de receber de um conhecido em Kiev essa mensagem, que bem confirma e demonstra o quanto a mídia manipula as informações sobre os acontecimentos na Ucrânia:

“Sim, efetivamente aqui está muito quente na rua (a temperatura chegou a 35 graus na semana passada). Eu fui ver as barricadas ontem à noite, na primeira linha diante dos integrantes da polícia militar. É bastante impressionante. Os opositores na rua que ocupam aquela área estão armados, muito bem organizados militarmente em companhias, fazem patrulhas em grupos de combate de dez pessoas, com capacetes e armas. Eu cruzei com dois sujeitos com uniformes da divisão SS Galicia (que lutou com os alemães contra os soviéticos em 1943-1945. Acho muito engraçado ver os políticos europeus fazendo grandes declarações sobre o “Maidan” e a democracia quando praticamente todos esses tipos que enfrentam a polícia nas ruas são fascistas. É uma grande hipocrisia. Os euro-atlânticos estão prontos a se aliar com não importa quem (como os islamistas na Síria) desde que isso contribua para enfraquecer a Rússia”.

Qual a estrutura política de fato da oposição ucraniana?

Moniz Bandeira - Na 50ª Conferência de Segurança de Munique, o secretário de Estado, John Kerry, disse que as demonstrações contra Yushchenko, em Kiev, tinham como objetivo implantar a democracia. Que democracia? Viktor Yushchenko fora democraticamente eleito em 2010. O nacionalismo ressurgente na Ucrânia e alimentado pelo Ocidente é, na realidade, um neo-nazismo. O partido que o fomenta é o Svoboda, cujo chefe é Oleg Tiagnibog, com maior influência no leste da Galitzia, antes pertencente à Polônia e onde muitos habitantes colaboraram com as tropas da Wehmarcht e formaram a 14. Waffen-Grenadier-Division der SS, sobretudo na Galitzia oriental, reduto da extrema-direita. Os chamados ativistas, que instigam e lideram as demonstrações pro-Ocidente, pertencem, em larga medida, a comandos do Svoboda e de outras tendências neo-nazis, levados de Lviv (Lwow, Lemberg) para Kiev e manifestam claramente tendências xenófobas, racistas, anti-semitas e contra a Rússia.

Os manifestantes que estão nas ruas têm o apoio da maioria da população?

Moniz Bandeira - Creio que não. O Partido das Regiões, liderado pelo presidente Viktor Yanukovich representa, provavelmente, a grande parte da população, sobretudo no oriente e no sul, bem como conta com forte apoio oeste, i. e., na Ucrânia sub-carpática. Seu suporte, portante, é grande, tanto que triunfou nas eleições em 2010. E o projeto do presidente Vladimir Putin fortalece ainda mais os vínculos da parte oriental da Ucrânia, mais industrializada, com a Rússia, mediante a cooperação industrial, modernização e integração de tecnologias, como antes se realizava com a União Soviética, nas áreas da aeronáutica, produção de satélites, armamento, construção naval e outras. Na parte ocidental o idioma que predomina é o ucraniano

Que lhe pareceu a expressão de desprezo pela União Européia (“Fuck the EU” ), dita pela secretária de Estado Assistente, Viktoria Nuland, na conversa com o enviado especial dos Estados Unidos à Ucrânia, embaixador Geoffrey Pyatt?

Moniz Bandeira - Não me surpreendeu. Viktoria Nuland apenas expressou o que sempre pensaram e pensam as autoridades de Washington com respeito não apenas à União Européia, mas também ao resto do mundo. A manifestação do extremo egoismo é nacional, a que o embaixador do Brasil, Domício da Gama, notara e escreveu ao Itamaraty, por volta de 1912. O vazamento dessa conversa, por telefone, de Viktoria Nuland com o embaixador Geoffrey Pyatt, sobre quem Washington deve escolher para assumir a presidência da Ucrânia, não vai provavelmente modificar a intenção de Washington com respeito à Ucrânia. A posição de Washington não é muito forte. Victória Nuland, irritada, demonstrou-o ao exclamar “Fuck the EU” diante da hesitação da Europa de arriscar sua existência em benefício da hegemonia dos Estados Unidos e não alinhar-se ao projeto de sanções contra o governo de Viktor Yanukovich.

A União Europeia e os Estados Unidos têm condições de enfrentar a Rússia para resgatar a Ucrânia do colapso financeiro?

Moniz Bandeira - Quase nenhuma. O povo na Alemanha, o país com mais recursos e sobre o qual recai a maior responsabilidade pelo resgate, não aguenta mais amparar financeiramente os diversos países, membros da União, a fim de que não quebrem. Continuam todos altamente endividados e praticamente não aparecem maiores sinais de recuperação econômica. A quase estagnação é um fato. E o problema da dívida pública dos Estados Unidos, a depender sempre de que o Congresso aumente o seu limite, não permite, decerto, ao governo do presidente Barack Obama atender à situação catastrófica da Ucrânia. Entretanto, a economia da Rússia, desde o ano 2000, cresceu em média 7%, tornou-se a sétima economia mundial segundo o método da paridade do poder de compra e ainda ajudou a União Europeia com a construção de oleodutos e gasodutos subterrâneos, que passam através da Ucrânia e outros países aos quais fornece grande parte da energia. Cerca de 60% do gás que a Alemanha consome provém da Rússia. E o presidente Vladimir Putin já forneceu ao governo de Viktor Yanukovich um bailout de US$17 bilhões, ademais de reduzir por algum tempo o preço do gás que fornece ao país. Mas se cobrar a dívida, a Ucrânia quebra.

Há quem veja uma conexão entre as mobilizações de rua que vêm ocorrendo em vários países nos últimos anos? O senhor vê tal conexão?

Moniz Bandeira - Diversos e complexos fatores, tais como a crise financeira mundial, iniciada em 2007/2008, a estagnação econômica, desemprego dos jovens, desencanto com os governos, bem como outros fatores domésticos e o fenômeno do contágio e mimetismo, concorreram para que agentes externos pudessem fomentar as demonstrações ocorridas em diversos países, sobretudo na Eurásia e no Oriente Médio. Como demonstro, documentadamente, em meu livro A Segunda Guerra Fria, logo após os atentados contra as torres gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, o presidente George W. Bush (2001-2009), ao mesmo tempo em que deflagrou a War on Terror, a guerra sem fim, estabeleceu a “freedom agenda” e autorizou o Departamento de Estado a criar a Middle East Partnership Initiative (MEPI) com o propósito de treinar ativistas político, com base no From Dictatorship to Democracy, do professor Gene Sharp, usado na Sérvia, na Ucrânia, na Geórgia e em outros países.

O objetivo era treinar e encorajar dissidentes e "reformistas democráticos!, sob os “regimes repressivos” no Irã, na Síria, na Coreia do Norte e na Venezuela, entre muitos outros, a solapar a estabilidade e a força econômica, política e militar de um Estado sem recorrer ao uso da insurreição armada ou de golpe militar, mas provocando violentas medidas, a serem denunciadas como emprego de força brutal, abuso dos direitos humanos etc. e provocar o descrédito do governo. A estratégia do professor Gene Sharp consiste na luta não violenta, porém complexa, travada por vários meios, como protestos, greves, não cooperação, deslealdade, boicotes, marchas, desfiles de automóveis, procissões etc., em meio à guerra psicológica, social, econômica e política, visando à subversão da ordem. Ela serviu para promover as chamadas “revoluções coloridas”, na Eurásia, e a "primavera árabe", na África do Norte e Oriente Médio. E ONGs, finaciadas pela Now Endowment for Democracia (NED), USAID e CIA e outras instituições públicas e privadas, foram e são nada menos que a mão invisível Washington.

Daí a secretária de Estado Assistente, Victoria Nuland, ter declarado na conversa com o embaixador Geoffrey Pyatt que, nas duas últimas décadas, os Estados Unidos gastaram US$ 5 bilhões para a "democratização" da Ucrânia, i. e., para subverter os regimes, cortar seus laços históricos com a Rússia e integrá-lo na sua esfera de influência, via União Européia. Victoria Nuland é esposa de Robert Kagan, líder dos neoconservadores (neo-cons) do ex-presidente George W. Bush, cujo papel como "universal soldier", o presidente Barack Obama passou a desempenhar.
 
Créditos da foto: Arquivo
 

Alemanha: Demissão de ministro alemão provoca acusações a Merkel

 


A demissão do ministro da Agricultura alemão, Hans-Peter Friedrich, por interferências na investigação de um obscuro caso de pornografia infantil, provocou uma série de acusações à coligação de Angela Merkel, com a oposição a pedir esclarecimentos à chanceler.
 
Segundo a agência de notícias Efe, a União Social-Cristã da Baviera (CSU), ligada à ala conservadora de Merkel, exigiu hoje explicações ao partido da coligação SPD sobre o caso do seu ex-deputado Sebastian Edathy, que detonou o escândalo e da demissão.
 
Friedrich apresentou na sexta-feira demissão depois de admitir que, em outubro, quando era ministro do Interior, avisou o líder do Partido Social Democrata (SPD), Sigmar Gabriel, de que um dos seus deputados, Sebastian Edathy, constava de uma lista de suspeitos numa investigação internacional sobre pornografia infantil.
 
Esta situação ocorreu algumas semanas depois da vitória eleitoral de Merkel, enquanto se realizavam as primeiras rondas de negociações para a CDU da chanceler, a CSU a que pertence Friedrich e o SPD, então na oposição.
 
O líder do partido bávaro, Horst Seehofer, advertiu hoje que, perante a demissão do seu ministro, cabe à cúpula do SPD esclarecer "as múltiplas questões em aberto" em relação a Sebastian Edathy e Sigmar Gabriel.
 
"Os três líderes das formações têm de falar sobre o assunto", disse Seehofer, em declarações ao diário Rheinischer Post, instando a uma reunião com Merkel e Grabriel.
 
O líder do SPD rejeitou que o assunto venha a ter consequências para a sua formação, apesar de as pressões em torno desta matéria estarem a crescer e enquanto a oposição exige explicações sobre se Merkel estava ao corrente das investigações.
 
Edathy, de 44 anos, demitiu-se inesperadamente, no passado fim-de-semana, dos seus cargos no parlamento federal (Bundestag), alegando motivos de saúde, a que se seguiu na segunda-feira última a uma rusga policial a sua casa em busca de material incriminatório.
 
Segundo as investigações em curso, o político social democrata tinha retirado da Internet imagens de crianças despidas, de entre os nove e treze anos, e durante um período entre 2005 e 2010.
 
Este caso surge no âmbito de uma investigação policial, com início no passado, para desmantelar uma rede de pornografia infantil na Internet que atuava desde o Canadá e, segundo a a Efe, Edathy terá retirado as imagens utilizando também o seu computador do escritório de Bundestag.
 
Esta investigação foi alargada a vários países, entre os quais a Alemanha.
 
Antes das suspeitas que pairam sobre o social democrata Sebastian Edathy, que está em paradeiro desconhecido deste que o escândalo rebentou, a sua carreira tinha sido considerada brilhante, com um papel destacado na investigação do terrorismo de ultra-direita, em especial na célula de neonazis que assassinou impunemente nove emigrantes e um polícia, durante quase uma década.
 
Lusa, em Notícias ao Minuto
 

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