domingo, 22 de fevereiro de 2015

EM DEFESA DA CRIANÇA ANGOLANA – II



Martinho Júnior, Luanda (textos anteriores) 

5 – Os 11 compromissos de protecção à criança, assumidos em Fórum Nacional pelo Estado Angolano, no rescaldo aliás do respeito que internacionalmente é devido à infância por parte de organismos globais e continentais dos quais Angola faz parte, são muito claros nos seus propósitos e fazem-se constar na seguinte sequência:

A esperança de vida;

Segurança alimentar nutricional;
  
Registo de nascimento;
  
Educação da primeira infância;
  
Educação primária;

Justiça juvenil;

Prevenção e redução do VIH/SIDA nas família e nas crianças;

Prevenção e mitigação da violência contra a criança;

Competências familiares;

Criança e comunicação social;
  
Criança no Orçamento Geral do Estado.
  
6 – Tendo em conta o que está a acontecer com os compromissos face à formação, educação e ensino, julgo no entanto que faltam outros que deveriam ser também enunciados, pois a sua ausência parece ter dado azo a todo o tipo de equívocos e prejuízos em relação às crianças e aos jovens, mas também nas falências de responsabilidade por parte de alguns organismos, de algumas instituições e de muitos adultos, inclusive muitos dos progenitores!

A criança e os jovens deveriam ser protegidos da mentira, em particular da mentira persistente e deveriam ter direito a que a sociedade, os organismos e as instituições a eles vocacionados, pautassem pela pedagogia em todos os actos de relacionamento para com menores de idade!

São os próprios livros escolares que acabam por trazer uma mensagem de mentira continuada, verificada por milhões de angolanos ano após ano, perante quantas vezes a indiferença dos próprios pais ou dos professores, arrastados à situação que acaba por proteger uma prática que tende a tolher, ao fim e o cabo, os organismos e instituições de direito que tratam dos assuntos das crianças e dos jovens, os progenitores e encarregados de educação e pelos vistos a tentar tolher o próprio Ministério de Educação, que por todos nós deve ser respeitado!

A mensagem que vem na parte da frente da capa dos livros da instrução primária abrangidos pela gratuitidade, dizem sob um fundo amarelo deliberadamente contrastante: “Distribuição gratuita – Ministério da Educação – Proibida a venda”…

7 – …Seria muito mais pedagógico excluir essa mensagem, acabar com uma mentira continuada, uma mensagem tão prolífera quanto os próprios livros, que pela prática constante que está a ser seguida, se está a tornar contraproducente para com a sociedade e para com o Estado Angolano que todo e qualquer cidadão deve ter orgulho em defender!

Mais valia colocar um valor na contracapa de cada livro, pois assim ganhava-se verdade e com ela a pedagogia que todas as crianças merecem!

Logo no início de sucessivos anos escolares e muito embora a paz, os que quiserem ter livros para as crianças e os jovens, terão de comprar nas praças, mercados populares e ruas os que foram produzidos pelas gráficas privadas nacionais, a um preço que este ano está a variar entre 250,00/500,00 kwanzas, pois nas escolas, onde eles deveriam esperar os alunos, eles não existem, ou existem em escasso número.

Há notícias que revelam que provavelmente muitos livros serão produzidos pelas gráficas chinesas, chegarão mais tarde e, em alguns casos, lá para o fim do ano lectivo!... mas essa até seria uma razão para se constituírem stocks a fim de, logo no início do próximo ano lectivo, se alterar um quadro que se está a repetir, sem melhor alternativa ou solução!

O Estado Angolano está a pagar religiosamente às gráficas, às editoras e aos distribuidores, para entregar gratuitamente os livros às crianças, mas o privado angolano, que deveria ser um parceiro honesto, todos os anos prova através dos mais diversos joguinhos, jogos e jogadas, a sua voracidade, chegando ao ponto de neutralizar a vontade do Ministério da Educação, que pode ficar cada vez mais refém desse pântano…

Esse é um caminho que indicia providenciar o enriquecimento ilícito, senão criminoso de alguns que se estão a tornar milionários, sem que se constatem melhorias em prol dos benefícios que deveriam recair a favor de milhões e milhões de crianças angolanas!

A entrada na escola em cada ano lectivo, merecia efectivamente ser uma festa, coerente, transparente, clara e evidente, inclusive nas intenções pedagógicas, mas ao invés disso as crianças e os jovens deparam-se com a persistência duma mentira, que será lembrada ao longo de toda a sua vida, que ao não ser denunciada e corrigida em tempo oportuno e com o apuramento de responsabilidades, contribui para moldar de facto a psicologia de quem desponta para a vida,“promovendo” uma mentalidade perniciosa e contribuindo para inibir a formação duma efectiva personalidade, ao nível da correcta implementação do carácter e da vontade!

Aos olhos de milhões e milhões de angolanos, criam-se deliberadamente hábitos, comportamentos e atitudes de passiva resignação, numa forma nefasta de estabelecer uma mentalidade adequada ao dilema e inibe-se o fortalecimento da consciência e da formação humana em termos da superação da verticalidade do seu carácter e da orientação transparente da sua vontade!

O futuro está a ser refém desse procedimento, que deixaria de o ser se houvesse sinais de superação de ano par ano, atendendo às dificuldades que por vezes enfrenta o próprio Estado Angolano, que não são de desprezar, mas não se pode justificar quando não é visível, de acordo com as práticas com que nos deparamos, essa vontade de superação.

Assim tudo isso tende a ser feito para dar cobertura a interesses privados, que estão a demonstrar que são capazes até de manter desde logo refém um projecto tão ambicioso, como a efectiva gratuitidade dos livros, que trazem na capa essa mensagem!

Está a impor-se uma mal-parada “oportunidade”, que em alguns sectores parece assemelhar-se à imagem das “oportunidades” geradas pelas piores oligarquias latino-americanas!... 

8 – Para lembrar, a propósito, a Declaração Universal dos Direitos da Criança, em vigor desde 1959, no seu IIº, VIIº e Xº Princípios:

- Princípio II - Direito a especial protecção para o seu desenvolvimento físico, mental e social.

A criança gozará de protecção especial e disporá de oportunidade e serviços a serem estabelecidos em lei e por outros meios, de modo que possa desenvolver-se física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade.

(…)

- Princípio VII - Direito a educação gratuita e ao lazer infantil.

O interesse superior da criança deverá ser o interesse director daqueles que têm a responsabilidade por sua educação e orientação; tal responsabilidade incumbe, em primeira instância, a seus pais.

A criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras os quais deverão estar dirigidos para educação; a sociedade e as autoridades públicas se esforçarão para promover o exercício deste direito.

A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-se-á à criança uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita - em condições de igualdade de oportunidades -desenvolver suas aptidões e sua individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral. Chegando a ser um membro útil à sociedade.

(…)

- Princípio X - Direito a crescer dentro de um espírito de solidariedade, compreensão, amizade e justiça entre os povos.

A criança deve ser protegida contra as práticas que possam fomentar a discriminação racial, religiosa, ou de qualquer outra índole. Deve ser educada dentro de um espírito de compreensão, tolerância, amizade entre os povos, paz e fraternidade universais e com plena consciência de que deve consagrar suas energias e aptidões ao serviço de seus semelhantes.

A consultar:
- Convenção sobre os Direitos da Criança – http://www.unicef.pt/docs/pdf_publicacoes/convencao_direitos_crianca2004.pdf

Foto do Martinho Júnior: dois livros escolares da 4ª classe comprados na praça de São Paulo, com o seguinte rótulo na capa da frente – “Distribuição gratuita – Ministério da Educação – Proibida a venda”.

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