Martinho
Júnior, Luanda (textos anteriores)
5
– Os 11 compromissos de protecção à criança, assumidos em Fórum Nacional pelo
Estado Angolano, no rescaldo aliás do respeito que internacionalmente é devido
à infância por parte de organismos globais e continentais dos quais Angola faz
parte, são muito claros nos seus propósitos e fazem-se constar na seguinte
sequência:
A
esperança de vida;
Segurança
alimentar nutricional;
Registo
de nascimento;
Educação
da primeira infância;
Educação
primária;
Justiça
juvenil;
Prevenção
e redução do VIH/SIDA nas família e nas crianças;
Prevenção
e mitigação da violência contra a criança;
Competências
familiares;
Criança
e comunicação social;
Criança
no Orçamento Geral do Estado.
6
– Tendo em conta o que está a acontecer com os compromissos face à formação,
educação e ensino, julgo no entanto que faltam outros que deveriam ser também
enunciados, pois a sua ausência parece ter dado azo a todo o tipo de equívocos
e prejuízos em relação às crianças e aos jovens, mas também nas falências de
responsabilidade por parte de alguns organismos, de algumas instituições e de
muitos adultos, inclusive muitos dos progenitores!
A
criança e os jovens deveriam ser protegidos da mentira, em particular da
mentira persistente e deveriam ter direito a que a sociedade, os organismos e
as instituições a eles vocacionados, pautassem pela pedagogia em todos os actos
de relacionamento para com menores de idade!
São
os próprios livros escolares que acabam por trazer uma mensagem de mentira
continuada, verificada por milhões de angolanos ano após ano, perante quantas
vezes a indiferença dos próprios pais ou dos professores, arrastados à situação
que acaba por proteger uma prática que tende a tolher, ao fim e o cabo, os
organismos e instituições de direito que tratam dos assuntos das crianças e dos
jovens, os progenitores e encarregados de educação e pelos vistos a tentar
tolher o próprio Ministério de Educação, que por todos nós deve ser respeitado!
A
mensagem que vem na parte da frente da capa dos livros da instrução primária
abrangidos pela gratuitidade, dizem sob um fundo amarelo deliberadamente contrastante: “Distribuição
gratuita – Ministério da Educação – Proibida a venda”…
7
– …Seria muito mais pedagógico excluir essa mensagem, acabar com uma mentira
continuada, uma mensagem tão prolífera quanto os próprios livros, que pela
prática constante que está a ser seguida, se está a tornar contraproducente
para com a sociedade e para com o Estado Angolano que todo e qualquer cidadão
deve ter orgulho em defender!
Mais
valia colocar um valor na contracapa de cada livro, pois assim ganhava-se
verdade e com ela a pedagogia que todas as crianças merecem!
Logo
no início de sucessivos anos escolares e muito embora a paz, os que quiserem
ter livros para as crianças e os jovens, terão de comprar nas praças, mercados
populares e ruas os que foram produzidos pelas gráficas privadas nacionais, a
um preço que este ano está a variar entre 250,00/500,00 kwanzas, pois nas
escolas, onde eles deveriam esperar os alunos, eles não existem, ou existem em
escasso número.
Há
notícias que revelam que provavelmente muitos livros serão produzidos pelas
gráficas chinesas, chegarão mais tarde e, em alguns casos, lá para o fim do ano
lectivo!... mas essa até seria uma razão para se constituírem stocks a fim de,
logo no início do próximo ano lectivo, se alterar um quadro que se está a
repetir, sem melhor alternativa ou solução!
O
Estado Angolano está a pagar religiosamente às gráficas, às editoras e aos
distribuidores, para entregar gratuitamente os livros às crianças, mas o
privado angolano, que deveria ser um parceiro honesto, todos os anos prova
através dos mais diversos joguinhos, jogos e jogadas, a sua voracidade,
chegando ao ponto de neutralizar a vontade do Ministério da Educação, que pode
ficar cada vez mais refém desse pântano…
Esse
é um caminho que indicia providenciar o enriquecimento ilícito, senão criminoso
de alguns que se estão a tornar milionários, sem que se constatem melhorias em
prol dos benefícios que deveriam recair a favor de milhões e milhões de
crianças angolanas!
A
entrada na escola em cada ano lectivo, merecia efectivamente ser uma festa,
coerente, transparente, clara e evidente, inclusive nas intenções pedagógicas,
mas ao invés disso as crianças e os jovens deparam-se com a persistência duma
mentira, que será lembrada ao longo de toda a sua vida, que ao não ser
denunciada e corrigida em tempo oportuno e com o apuramento de
responsabilidades, contribui para moldar de facto a psicologia de quem desponta
para a vida,“promovendo” uma mentalidade perniciosa e contribuindo para
inibir a formação duma efectiva personalidade, ao nível da correcta
implementação do carácter e da vontade!
Aos
olhos de milhões e milhões de angolanos, criam-se deliberadamente hábitos,
comportamentos e atitudes de passiva resignação, numa forma nefasta de
estabelecer uma mentalidade adequada ao dilema e inibe-se o fortalecimento da
consciência e da formação humana em termos da superação da verticalidade do seu
carácter e da orientação transparente da sua vontade!
O
futuro está a ser refém desse procedimento, que deixaria de o ser se houvesse
sinais de superação de ano par ano, atendendo às dificuldades que por vezes
enfrenta o próprio Estado Angolano, que não são de desprezar, mas não se pode
justificar quando não é visível, de acordo com as práticas com que nos
deparamos, essa vontade de superação.
Assim
tudo isso tende a ser feito para dar cobertura a interesses privados, que estão
a demonstrar que são capazes até de manter desde logo refém um projecto tão
ambicioso, como a efectiva gratuitidade dos livros, que trazem na capa essa
mensagem!
Está
a impor-se uma mal-parada “oportunidade”, que em alguns sectores parece
assemelhar-se à imagem das “oportunidades” geradas pelas piores
oligarquias latino-americanas!...
8
– Para lembrar, a propósito, a Declaração Universal dos Direitos da Criança, em
vigor desde 1959, no seu IIº, VIIº e Xº Princípios:
- Princípio
II - Direito a especial protecção para o seu desenvolvimento físico,
mental e social.
A
criança gozará de protecção especial e disporá de oportunidade e serviços a
serem estabelecidos em lei e por outros meios, de modo que possa desenvolver-se
física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal,
assim como em condições de liberdade e dignidade.
(…)
-
Princípio VII - Direito a educação gratuita e ao lazer infantil.
O
interesse superior da criança deverá ser o interesse director daqueles que têm
a responsabilidade por sua educação e orientação; tal responsabilidade incumbe,
em primeira instância, a seus pais.
A
criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras os quais deverão
estar dirigidos para educação; a sociedade e as autoridades públicas se
esforçarão para promover o exercício deste direito.
A
criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e
obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-se-á à criança uma educação
que favoreça sua cultura geral e lhe permita - em condições de igualdade de
oportunidades -desenvolver suas aptidões e sua individualidade, seu senso de
responsabilidade social e moral. Chegando a ser um membro útil à sociedade.
(…)
-
Princípio X - Direito a crescer dentro de um espírito de solidariedade,
compreensão, amizade e justiça entre os povos.
A
criança deve ser protegida contra as práticas que possam fomentar a
discriminação racial, religiosa, ou de qualquer outra índole. Deve ser educada
dentro de um espírito de compreensão, tolerância, amizade entre os povos, paz e
fraternidade universais e com plena consciência de que deve consagrar suas
energias e aptidões ao serviço de seus semelhantes.
A
consultar:
- “Os
11 compromissos com a criança angolana” – http://domboscoangola.org/db/blogs/dh/2012/05/14/os-11-compromissos-com-crian%C3%A7-angolanas
-
Declaração Universal dos Direitos da Criança – http://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_Universal_dos_Direitos_da_Crian%C3%A7a
-
Convenção sobre os Direitos da Criança – http://www.unicef.pt/docs/pdf_publicacoes/convencao_direitos_crianca2004.pdf
Foto
do Martinho Júnior: dois livros escolares da 4ª classe comprados na praça de
São Paulo, com o seguinte rótulo na capa da frente – “Distribuição
gratuita – Ministério da Educação – Proibida a venda”.
Sem comentários:
Enviar um comentário