quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Moçambique: Governo de Filipe Nyusi é despesista como dos seus antecessores



Emildo Sambo – Verdade (mz), em Tema de Fundo

O Governo recém-formado não é prático, não responde ao desiderato de conter o despesismo na Administração Pública e foi, à semelhança dos anteriores executivos, formado “no meio de muita pressão do partido de que o Presidente da República, Filipe Nyusi, faz parte”, sem ter em conta os problemas do país. Quem o diz é Gilles Cistac, professor catedrático de Direito Constitucional e director-adjunto para a investigação e extensão na Universidade Eduardo Mondlane (UEM).

Segundo o nosso entrevistado, o actual Executivo podia ter sido reduzido ainda mais para evitar o dispêndio que um ministério acarreta, pois é “um aparato administrativo extremamente pesado”, que para além do “ministro, vice-ministro, secretário permanente, assessor do ministro, director nacional” e demais re-partições, incluem-se outras ramificações a nível local, as quais dependem de dinheiro para funcionar “que devia ser direccionado para outros sectores ainda problemáticos, tais como o da Saúde e da Educação”.

Se Filipe Nyusi deu um tiro no próprio pé no que tange à promessa de combate ao despesismo, perguntámos a Gilles Cistac qual seria, então, o número ideal de ministérios, em Moçambique, tendo este dito que a resposta não é simples como parece. É preciso que as principais dificuldades que o país enfrenta sejam bem estudadas. Aliás, o constitucionalista entende que o Chefe de Estado formou a sua máquina a pensar nos obstáculos de outras nações.

“O Estado não pode pensar que os seus problemas sejam iguais aos de outros Estados. A luta contra a pobreza, por exemplo, que é o principal objectivo, não é prioridade para os estados europeus. Não é porque temos um Ministério do Turismo em Portugal que em Moçambique vamos ter esta instituição. O erro é pensar na estrutura governativa a olhar para fora. Não é preciso replicar em Moçambique o que existe fora. É preciso saber o que é necessário para nós e construir uma estrutura necessária para a resolução dos problemas (...)”, explicou-se o constitucionalista.

Segundo Gilles Cistac, os ministérios dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, da Defesa Nacional, do Interior, da Economia e Finanças, da Educação e da Saúde, são imprescindíveis para um país e devem, obrigatoriamente, existir, mas continuam despesistas. “Temos, por exemplo, uma vice-ministra (Janete Mondlane) dos Negócios Estrangeiros e Cooperação que ninguém sabe o que vai fazer”. Ele declarou não estar a favor da existência de ministros e vice-ministros, mas, sim, de um secretário de Estado, muito técnico, especializado e prático para tratar de assuntos de desenvolvimento do país.

Em relação ao Ministério dos Combatentes, o nosso interlocutor considera que é uma despesa desnecessária, porque esta instituição só serve para pagar pensões aos antigos combatentes e tratar de algumas situações sociais das famílias deste grupo. “Será que para fazer isso é preciso ter um ministério?”, questionou Gilles Cistac, para quem a resposta é “não”. E sugeriu que a instituição podia ser uma direcção no Ministério da Defesa Nacional ou das Finanças para tratar dos mesmos assuntos e poupar-se-iam custos.

De acordo com o nosso entrevistado, o Alto Magistrado da Nação não conseguiu reduzir o despesismo de forma eficaz devido a lobbies muito fortes dos antigos combatentes na Frelimo e na Presidência da República. A par de outros governantes, Filipe Nyusi não pôde evitar a criação deste ministério que “é uma oportunidade política e não racional”.

Na óptica de Gilles Cistac, o Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos é também desnecessário, visto que o acesso à justiça é assegurado pelo Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ), que pode funcionar sem este organismo do Estado. A formação dos magistrados é feita por uma escola especializada, sita na Matola, que também podia funcionar sem a entidade chefiada por Abdurremane de Almeida. “Hoje, o Ministério da Justiça só serve como assessor do Governo e para tratar dos assuntos religiosos. Podia haver um gabinete legal a nível do Primeiro-Ministro para tratar destes assuntos”.

O Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social faz um trabalho que é assegurado pela Inspecção do Trabalho, segundo o nosso interlocutor, que acrescentou que o Ministério da Juventude e Desportos nem sequer tem um fundo para erguer infra-estruturas.

 “O jovem Alberto Nkutumula vai, tal como os seus antecessores, assistir a reuniões e eventos desportivos, mas não vai investir em nada. Quando era vice-ministro eu não sabia o que estava a fazer. Praticamente, a ministra concentrava todos os poderes e ele era, por vezes, chamado para dizer uma e outra coisa, era porta-voz do Governo, ia a alguns eventos para cortar uma fita e não mais do que isso. Não há nenhum indicador do desempenho do vice-ministro nem uma lista de competências sobre as suas actividades”, disse o constitucionalista.

No que diz respeito à instrução, Cistac entende que a área da Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional devia estar sob tutela do Ministério da Educação para esta ter uma visão consistente do Sistema Nacional da Educação e não tratar apenas do ensino primário e pré-universitário. “Foi um erro dividir estas duas instituições. E a ciência é feita pelas universidades”.

À luz do artigo 103, número 01, “na República de Moçambique a agricultura é a base do desenvolvimento nacional”. Porém, este sector ainda não é prioridade para o país, indicou Cistac, acrescentando que desde a segunda Constituição, em 1994, há ausência de uma política pública agrícola séria, consistente e com investimento necessário.

De acordo com o nosso entrevistado, este é um sector sem estratégia, que funciona com base em planos abstractos, cuja implementação é imposta a alguns distritos, o que marginaliza as potencialidades locais. E recordou que políticas como a revolução verde, produção de jatrofa e a estratégia de produção de alimentos foram um fiasco. O ProSavana é um programa sem consenso porque as populações não foram consultadas nem receberam as devidas explicações sobre o que se pretende com o mesmo.

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