Só
por manifesta falta de seriedade intelectual e cobardia, típica dos sucessivos
governos portugueses e respectivos presidentes da República, é que Portugal
pode dizer que Cabinda é parte integrante de Angola.
Orlando
Castro
Cabinda
– repita-se – foi comprada pelo MPLA nos saldos lançados pelos então donos do
poder em Portugal, de que são exemplos, entre outros, Melo Antunes, Rosa
Coutinho, Costa Gomes, Mário Soares, Almeida Santos.
É
claro que, tal como em Timor-Leste, até à vitória final, continuará a
indiferença (comprada com o petróleo de Cabinda), seja de Portugal, da
Comunidade de Países de Língua Portuguesa, da ONU ou de qualquer outra coisa
que tenha preço.
E
é pena, sobretudo quanto a Portugal, que à luz do Direito Internacional ainda é
a potência administrante de Cabinda. Lisboa terá um dia de perceber que Cabinda
não é, nunca foi, nunca será uma província de Angola.
Por
manifesta ignorância histórica e política, bem como por subordinação aos
interesses económicos de Angola, os governantes portugueses fingem, ao
contrário do que dizem pensar do Kosovo, que Cabinda sempre foi parte
integrante de Angola. Mas se estudarem alguma coisa sobre o assunto, verão que
nunca foi assim, mau grado o branqueamento dado à situação pelos subscritores
portugueses do Acordo de Alvor.
Embora
seja suspeito porque sou o autor do prefácio, sugiro aos responsáveis
portugueses que leiam o livro “O problema de Cabinda exposto e assumido à luz
da verdade e da justiça”, de Francisco Luemba.
Este
livro de Francisco Luemba é uma completa enciclopédia sobre este território que
tarda em ser país. Do ponto de vista histórico, documental e científico é a
melhor obra que até hoje li sobre Cabinda. Espero, por isso, que tanto os
ilustres cérebros que vagueiam nos areópagos da política internacional como os
que se passeiam nos da política angolana e portuguesa, o leiam com a atenção de
quem – no mínimo – sabe que os cabindas merecem respeito.
Francisco
Luemba mostra, com a precisão de um Mestre, exactamente isso, mau grado a
manifesta incapacidade de entendimento dos que, um pouco por todo o lado, se
julgam donos da verdade e querem mandar para campos de reeducação todos aqueles
que pensam de maneira diferente.
Vejamos
o que sobre o assunto pensa Adriano Moreira, impoluto cidadão português,
referência incontornável de credibilidade intelectual:
“Nesta
questão da globalização, em que circulam expressões como Estado-continente para
designar os de maior extensão territorial e Estado-baleia para referir os das
populações desmedidas, acrescendo o fenómeno dos grandes espaços que agregam
várias soberanias cooperativas, as atenções desviam-se facilmente das pequenas
identidades políticas, cuja autonomia de Governo não foi consagrada pela
História, e olham com displicência para as que lhes parecem uma arqueologia de
resíduos.
Casos
como os do Mónaco, São Marino, Andorra, parecem amparados por um sobrevivente
respeito dos ocidentais pela História, mas a dissolução da Jugoslávia, a
desagregação da URSS, a complexidade do Médio Oriente, destinos como o do
Tibete, encontram difícil amparo em escalas de valores participadas.
Nesta
data, Cabinda é um território cuja situação tem de ser avaliada tendo em vista
este conjunto de variáveis: um pequeno território com uma população de dimensão
correspondente; multiplicação de soberanias interessadas no seu estatuto
efectivo, num quadro internacional incerto, com todas as sedes de legitimidade
em crise, bastando lembrar os efeitos que a segunda guerra do Iraque teve na
consistência das solidariedades no Conselho de Segurança, na NATO, e na própria
União Europeia.
Em
primeiro lugar, acontece que o respeito pela identidade e vontade de ocupar um
lugar igual na comunidade internacional não depende nem da dimensão territorial
nem da expressão numérica da população: é um direito dos povos, que não foi
limitado pela regra indicativa da ONU, no sentido de as fronteiras da
independência serem as que tinham sido traçadas pela soberania colonizadora.
No
caso de Cabinda, o ordenamento constitucional português, que durou até 1976,
nunca impediu a afirmação reiterada da identidade específica de Cabinda, nem a
especificidade do título que uniu Cabinda à coroa de Portugal, o anualmente e
solenemente festejado Tratado de Simulambuco, em relação também, com expressão
única, com o facto de os bustos dos reis portugueses em exercício por vezes
assinalarem as sepulturas dos líderes políticos locais que faleciam.
A
decisão de cada povo, com sentimento de identidade, convergir para espaços
políticos mais vastos, optando por limitações de soberania, por grupos de
soberanias cooperativas ou por autonomias regionalizadas, faz parte da
liberdade com que organiza a preservação da sua identidade, não pode ser uma
imposição exógena, que contrarie os princípios e valores a que a Carta da ONU
vinculou a defesa da paz e da dignidade dos povos e dos homens.
É
finalmente certo que o petróleo, como as antigas especiarias, tende para fazer
esquecer as limitações que estavam implícitas na resposta do anónimo marinheiro
de Vasco da Gama, e que Cabinda enfrenta o risco de ser absorvida pela
percepção actual da África útil.
A
resposta firme tem de adoptar a recente advertência do PNUD (2004): «São
necessárias políticas multiculturais que reconheçam diferenças, defendam a
diversidade e promovam liberdades culturais, para que todas as pessoas possam
optar por falar a sua língua, praticar a sua religião e participar na formação
da sua cultura, para que todas as pessoas possam optar por ser quem são.»
Os
cabindas não exigem mais, e não se lhes pode pedir que exijam menos: «Optar por
ser quem são.»
Folha
8 (ao)
Sem comentários:
Enviar um comentário