Ferreira
Fernandes – Diário de Notícias, opinião
Há
expressões feitas para nos salvar e, no entanto, não lhes damos o devido valor.
"Chega de conversa" é uma. Quando Passos Coelho, o tal do dedo em
riste para o dever dos outros, foi apanhado a não pagar à Segurança Social, deu
para uns bons serões de cavaqueira. Que não tinha consciência da obrigação, que
quando soube (2012) pagou logo (2015), que houve distração... Foi bom refrescar
a memória - ah, aquele discurso da Alta Idade Média (fevereiro de 2014,
Congresso do PSD) ouvido séculos depois (hoje), sobre o fardo dos que se
esquecem de pagar impostos...
Aprendemos
alguma coisa, mas a coisa descambou para o bater no ceguinho, como é tão
costume. Injusto, porque o que fizera Passos Coelho eram pecadilhos comparados
com os abusos que as notícias nos têm encarregado de nos pôr espantados. E era
estúpido, porque quem insistia em prolongar a conversa - para tirar dividendos
políticos - esquecia-se de que nesse terreno, o político, estava já marcada a
melhor das comissões de inquérito, as eleições legislativas, no outono. Aí,
estariam os juízes certos e já suficientemente instruídos sobre o caso. Quer
dizer, na verdade não está garantido que esses juízes venham a julgar bem, mas
a alternativa qual é: demitir o povo?
Por
isso, António Costa esteve certo ao dizer: chega de conversa. Aliás, ele
disse-o de forma mais clara, condensando os dois parágrafos que abriram esta
crónica: que "está tudo esclarecido" no caso Passos Coelho; e que,
agora, "o caso está bem entregue, nas mãos dos portugueses". Mas a
solução não livrou Costa de um sequestro desonesto da sua opinião - que ele
admitira que Passos se teria explicado bem (quando o que disse é que os
portugueses estão aptos a julgar)... E também não o livrou de uma suspeita -
que ele tem entre os seus, ou ele próprio, telhados de vidro (o que é legítimo
de se pensar de qualquer político). Se ele for pé de salsa, paciência, que
procure outra profissão que o livre da opinião pública e dos adversários.
Entretanto, fez bem em ter dito: chega de conversa.
Porque
isto de deixar arrastar conversas, e ainda por cima com o pretexto de que elas,
longas, estão ali para decidir, aborrece. É o que se passa com mais uma das
inúmeras comissões parlamentares de inquérito, a do BES, frequentadíssima (120
pessoas a ouvir). Conversas em que a avalancha dos factos só serve para
submergir um facto: o que aconteceu? Que esperar do culminar daquilo - uma
decisão que nos clarifique - quando as testemunhas e o que testemunham são
pazadas para esconder? "Não sei", "não vi"...
E
quando alguém expõe uma informação extraordinária, volta-se à conversa baça.
Nesta semana, Miguel Frasquilho, ex-deputado, ex-governante, 20 anos de diretor
no BES, disse na comissão de inquérito que vendeu as suas ações do banco com
perda de 50% em junho de 2014 (quando o banco acabava de fazer um aumento de
capital). Mas, o que parecia ser um negócio ruinoso, revelou-se, afinal, dias
depois, uma salvação: as ações do BES passaram a valer zero. "Chega de
conversa!", deveria ter dito a comissão de inquérito. "O que o
senhor, 20 anos de diretor do BES, tinha para dizer sobre o BES já disse: teve
uma premonição sobre o fim do BES. Infelizmente, milhares e milhares e milhares
de portugueses não a tiveram e não tiveram a sorte de se desfazer das suas ações.
Parabéns!" Próximo!, chamava-se pela próxima testemunha e Frasquilho, que
tão bem nos elucidara, ficava condenado a não nos fazer perder tempo com o
resto. Que não falava com Ricardo Salgado dessas coisas, etc.
Viva
o tutano, chega de conversa, deveria ser um causa nacional. Por falar em
programas nacionais, há agora um que se escreve com três letrinhas apenas, bom
sinal: VEM. O governo português inspirou-se nos (antigos) gregos e faz um canto
de sereia aliciando os nossos Ulisses que partiram. Estendemos e encolhemos o
indicador aos emigrantes e sussurramos: VEM... A curteza do VEM (Valorização do
Empreendedorismo Emigrante) é bom sinal, é pouca conversa. Sabe-se que houve um
ir (300 mil nos últimos anos) e quer--se um voltar. Mas o único número
adiantado pelo VEM são 40 projetos para começar. Desilusão, mesmo quando a
conversa é pouca, não diz nada... Se é assim, já tenho slogan: "Há mar e
pingo de torneira, há ir e voltar."
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