quinta-feira, 30 de abril de 2015

A XENOFOBIA SUL-AFRICANA



Notícias (mz), editorial

Moçambique responsabilizou publicamente o Governo sul-africano pelos episódios de violência xenófoba protagonizada contra cidadãos estrangeiros radicados naquele país vizinho.

Depois de uma primeira abordagem marcada por discursos dispersos de repúdio e reprovação aos actos, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Oldemiro Balói, usou, esta semana, o pódio da Conferência Ásia/África, realizada em Jakarta, na Indonésia, para apontar o dedo às autoridades sul-africanas, chamando-as à responsabilidade pela frustração a que muitos cidadãos daquele país estão votados por não sentirem melhorias na sua vida, fazendo-os desenvolver um sentimento de ódio contra aqueles que um dia lhes deram a mão na luta contra o “apartheid”.

É verdade que o Presidente da República, Filipe Nyusi, já tinha manifestado, em vários momentos, a sua repulsa ao fenómeno, mas a posição apresentada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros em Jakarta, numa cimeira em que estava em representação do Chefe do Estado, foi, em nossa opinião, o protesto que todos moçambicanos esperavam do seu Governo, no exercício do seu direito à indignação perante um fenómeno que é uma afronta ao espírito e filosofia da integração regional e livre circulação de pessoas e bens, inscritas na carta da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC).

Até podíamos considerar que o posicionamento das autoridades moçambicanas tardou a chegar, mas era necessário que ele chegasse, quanto mais não fosse para alimentar a sensação de segurança e protecção dos moçambicanos, mesmo aqueles que, da vaga de violência, perderam muito do que construíram ao longo de anos de trabalho e sacrifício, longe da sua terra, e muitas vezes longe, também, dos seus familiares.

Em menos de duas semanas, mais de mil e quinhentos moçambicanos regressaram ao país fugindo da violência xenófoba que, tendo começado na cidade de Durban, rapidamente se propagou por outras regiões da África do Sul, incluindo os populosos e pobres bairros de Joanesburgo, onde há uma grande concentração de cidadãos moçambicanos.

Parte destes cidadãos regressou ao país por meios próprios, e outra fê-lo com apoio do Governo que se tem desdobrado, é preciso reconhecer, para garantir não só que aqueles concidadãos sejam recebidos com dignidade, como também que sejam rapidamente encaminhados para as respectivas zonas de origem, junto das suas famílias.

É muita gente afectada pelo fenómeno, muitas famílias abaladas na sua estrutura, considerando que, na sua fuga precipitada, muitos não puderam levar o essencial dos seus haveres, que certamente acabaram vandalizados ou espoliados pelos atacantes.

Mesmo assumindo que não está nas nossas atribuições julgar os actos governativos das autoridades sul-africanas, não resistimos à tentação de lamentar que o Governo de Jacob Zuma não se tenha posicionado energicamente contra algumas das vozes que se levantaram contra a presença de estrangeiros na África do Sul, em discursos que, para nós, foram a gota que fez transbordar o copo de frustrações dos sul-africanos, muitos dos quais vivem em situação de pobreza degradante.

Apreciamos o facto de o Rei Zwelethini ter aceite levantar-se da cadeira para explicar-se ao mundo, o que de uma ou de outra maneira representa o reconhecimento do alcance danoso que o seu discurso teve no seio dos sul-africanos pobres, e do impacto negativo que teve na vida de muitos estrangeiros que ficarão marcados pelo resto da sua vida.

Também nos refresca, de alguma maneira, o facto de o Governo sul-africano estar a dar sinais de preocupação em limpar a sua imagem perante o mundo, sobretudo perante os países cujos cidadãos sofreram na pele os efeitos da violência xenófoba. Está claro que em muitos casos aquela violência abriu feridas profundas na história das relações entre os sul-africanos e outros povos da região, uma sequela que vai levar o seu tempo para sarar.

O que nós entendemos é que, mais do que todo o exercício diplomático que a África do Sul possa fazer junto da comunidade internacional e dos países africanos em particular, será necessário que o Governo de Jacob Zuma ponha em marcha medidas efectivas para acabar com as desigualdades sociais naquele país, que na nossa opinião são a mãe da pobreza que estimula o ódio e a violência.

Os moçambicanos continuam exasperados com a situação, mas a nossa convicção é de que rapidamente se vão refazer do susto, porque o mesmo empenho no trabalho que faz deles um povo admirado por uns e odiado por outros será o mesmo que os fará reerguer-se dos escombros da violência xenófoba e partir para novas batalhas e conquistas.

*Publicado no Notícias (mz) em 24 abril 2015

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