Notícias
(mz), editorial
Moçambique
responsabilizou publicamente o Governo sul-africano pelos episódios de
violência xenófoba protagonizada contra cidadãos estrangeiros radicados naquele
país vizinho.
Depois
de uma primeira abordagem marcada por discursos dispersos de repúdio e
reprovação aos actos, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Oldemiro Balói,
usou, esta semana, o pódio da Conferência Ásia/África, realizada em Jakarta, na
Indonésia, para apontar o dedo às autoridades sul-africanas, chamando-as à
responsabilidade pela frustração a que muitos cidadãos daquele país estão
votados por não sentirem melhorias na sua vida, fazendo-os desenvolver um
sentimento de ódio contra aqueles que um dia lhes deram a mão na luta contra o
“apartheid”.
É
verdade que o Presidente da República, Filipe Nyusi, já tinha manifestado, em
vários momentos, a sua repulsa ao fenómeno, mas a posição apresentada pelo
Ministro dos Negócios Estrangeiros em Jakarta, numa cimeira em que estava em
representação do Chefe do Estado, foi, em nossa opinião, o protesto que todos
moçambicanos esperavam do seu Governo, no exercício do seu direito à indignação
perante um fenómeno que é uma afronta ao espírito e filosofia da integração
regional e livre circulação de pessoas e bens, inscritas na carta da Comunidade
para o Desenvolvimento da África Austral (SADC).
Até
podíamos considerar que o posicionamento das autoridades moçambicanas tardou a
chegar, mas era necessário que ele chegasse, quanto mais não fosse para
alimentar a sensação de segurança e protecção dos moçambicanos, mesmo aqueles
que, da vaga de violência, perderam muito do que construíram ao longo de anos
de trabalho e sacrifício, longe da sua terra, e muitas vezes longe, também, dos
seus familiares.
Em
menos de duas semanas, mais de mil e quinhentos moçambicanos regressaram ao
país fugindo da violência xenófoba que, tendo começado na cidade de Durban,
rapidamente se propagou por outras regiões da África do Sul, incluindo os
populosos e pobres bairros de Joanesburgo, onde há uma grande concentração de
cidadãos moçambicanos.
Parte
destes cidadãos regressou ao país por meios próprios, e outra fê-lo com apoio
do Governo que se tem desdobrado, é preciso reconhecer, para garantir não só
que aqueles concidadãos sejam recebidos com dignidade, como também que sejam
rapidamente encaminhados para as respectivas zonas de origem, junto das suas
famílias.
É
muita gente afectada pelo fenómeno, muitas famílias abaladas na sua estrutura,
considerando que, na sua fuga precipitada, muitos não puderam levar o essencial
dos seus haveres, que certamente acabaram vandalizados ou espoliados pelos
atacantes.
Mesmo
assumindo que não está nas nossas atribuições julgar os actos governativos das
autoridades sul-africanas, não resistimos à tentação de lamentar que o Governo
de Jacob Zuma não se tenha posicionado energicamente contra algumas das vozes
que se levantaram contra a presença de estrangeiros na África do Sul, em
discursos que, para nós, foram a gota que fez transbordar o copo de frustrações
dos sul-africanos, muitos dos quais vivem em situação de pobreza degradante.
Apreciamos
o facto de o Rei Zwelethini ter aceite levantar-se da cadeira para explicar-se
ao mundo, o que de uma ou de outra maneira representa o reconhecimento do
alcance danoso que o seu discurso teve no seio dos sul-africanos pobres, e do
impacto negativo que teve na vida de muitos estrangeiros que ficarão marcados
pelo resto da sua vida.
Também
nos refresca, de alguma maneira, o facto de o Governo sul-africano estar a dar
sinais de preocupação em limpar a sua imagem perante o mundo, sobretudo perante
os países cujos cidadãos sofreram na pele os efeitos da violência xenófoba.
Está claro que em muitos casos aquela violência abriu feridas profundas na
história das relações entre os sul-africanos e outros povos da região, uma
sequela que vai levar o seu tempo para sarar.
O
que nós entendemos é que, mais do que todo o exercício diplomático que a África
do Sul possa fazer junto da comunidade internacional e dos países africanos em
particular, será necessário que o Governo de Jacob Zuma ponha em marcha medidas
efectivas para acabar com as desigualdades sociais naquele país, que na nossa
opinião são a mãe da pobreza que estimula o ódio e a violência.
Os
moçambicanos continuam exasperados com a situação, mas a nossa convicção é de
que rapidamente se vão refazer do susto, porque o mesmo empenho no trabalho que
faz deles um povo admirado por uns e odiado por outros será o mesmo que os fará
reerguer-se dos escombros da violência xenófoba e partir para novas batalhas e
conquistas.
*Publicado
no Notícias (mz) em 24 abril 2015
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