quinta-feira, 30 de abril de 2015

“ONDE HÁ DINHEIRO GOVERNO DE MOÇAMBIQUE CORRE ATRÁS”, justiça ambiental



Adérito Caldeira – Verdade (mz), em Tema de Fundo

A Justiça Ambiental não se cansa de alertar, e não é de hoje: a indústria extractiva, o agro-negócio, a barragem de Mphanda Nkuwa e o REDD contribuem negativamente para as mudanças climáticas. As precipitações extremas que ocorrem no planeta, Moçambique ainda se refaz das últimas cheias, são só um dos impactos. O Governo de Filipe Nyusi nos documentos propõe-se a “garantir a gestão e uso sustentável dos recursos do ar, da terra, da água e do subsolo” mas, no Moçambique real, intensifica a exploração do carvão mineral, a agricultura intensiva ocupa cada vez mais terra dos pequenos camponeses e a segunda hidroeléctrica do rio Zambeze está mesmo para ser construída.

“A questão de Mpanda Nkuwa é uma questão sem sentido nenhum, vai destruir o rio, vai destruir o delta (…) vai produzir energia para quê e para quem?” questiona Anabela Lemos, directora da organização não-governamental Justiça Ambiental, que há mais de uma década se bate por melhorar a consciência ambiental dos moçambicanos e pela conservação e gestão sustentável dos recursos naturais.

Em entrevista ao @Verdade, a ambientalista não tem dúvidas que a hidroeléctrica, além dos problemas ambientais que vai criar, “não vai dar energia nenhuma para o povo” mas antes é para fornecer energia aos grandes projectos que continuam a ser a prioridade do Governo.

Anabela Lemos acrescenta que Moçambique não tem falta de energia, “temos Cahora Bassa da qual vendemos a maioria da energia a África do Sul, e depois vamos comprá-la! Nós temos soluções de energias renováveis, temos de pensar na descentralização da energia. Nampula podia ser uma província completamente auto-sustentável com energia solar e de vento.”

A directora da Justiça Ambiental refere que em várias partes do mundo as grandes barragens estão a ser abandonadas. “No ano passado 74 barragens foram demolidas nos Estados Unidos da América”. A nossa entrevistada afirma que Mpanda Nkuwa não é economicamente viável e alerta, mais uma vez, que as mudanças climáticas vão causar uma pressão enorme nos rios, pois “vamos construir barragens para energia quando temos outras soluções para energia, a água é muito mais importante!”

“ProSavana é que não vai produzir comida”

Relativamente à produção de comida, segundo as estatísticas oficiais, Moçambique tem tido que importar cada vez mais alimentos. Anabela Lemos acredita que o sector familiar só não produz mais porque tem receio de que os alimentos apodreçam pois não há transporte para o escoamento da produção até aos mercados. Em relação aos grandes projectos de agricultura comercial, é peremptória: “Nós podemos perfeitamente ser auto-suficientes e sermos soberanos na nossa alimentação sem necessitarmos do ProSavana”.

A posição é secundada por Vanessa Cabanelas, também da Justiça Ambiental, que acredita que existe produção de alimentos e os camponeses sabem como produzir, mesmo com o agravamento das mudanças climáticas. “Para a questão da agricultura familiar mencionam que vão usar os extensionistas rurais, mas a extensão rural é falada há anos: porque é que não funcionou até hoje? Porque não há investimento para isso, porque não há uma vontade real de desenvolver a agricultura familiar. De aproveitar aquilo que há de bom e potenciar. Eles (os agricultores familiares) podem produzir, mas para que é que vão produzir mais neste momento, se produzem mais é para apodrecer. Não há mercados, não há vias de escoamento, não há condições, não há apoio, não há créditos. Como é que esta gente vai desenvolver?”.

Vanessa Cabanelas destaca também que o “ProSavana é que não vai produzir comida, vai produzir commodities para a exportação, portanto não vai alimentar ninguém”, e acrescenta que mesmo antes de estar em operação este megaprojecto agrário, do Governo de Moçambique, apoiado pelos Governos do Japão e do Brasil, já está a causar prejuízos aos moçambicanos. “O que não estamos a ver é os custos de todos estes estudos e consultorias que estão a ser feitos, de onde vem esses consultores, estamos a dar dinheiro a quem? No fundo estamos a pedir dinheiro, a endividar-nos, para dar emprego a eles mesmos, porque não são os moçambicanos que estão a fazer estes estudos”.

“Onde há dinheiro Moçambique corre atrás”

A falta de transparência do Governo, particularmente em relação aos processos de concessões de direitos sobre a terra e licenças ambientas às grandes empresas, e a forma como são efectuadas as consultas às comunidades é outra das batalhas da Justiça Ambiental.

As nossas entrevistadas citam o exemplo da introdução em Moçambique do REDD, Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, que foi defendido pelo Governo anterior como uma forma de aliviar a pobreza dos moçambicanos através da conservação e aumento das áreas florestais. Mas, enquanto a sociedade civil procurava entender o que isso era, e procurava envolver as comunidades que estão a ser directamente enganadas com a promessa de benefícios financeiros, o Conselho de Ministros de Armando Guebuza aprovou, quase sorrateiramente, o Regulamento dos Procedimentos para a Aprovação de projectos REDD+.

Segundo a Justiça Ambiental, “o REDD foi basicamente concebido como um escape para os poluidores de países industrializados poderem continuar a poluir enquanto assumem que a poluição é compensada com florestas noutros lugares” pois não reduz as emissões e é apenas um projecto de comércio de carbono.

As ambientalistas acrescentam que “o REDD não detém o desmatamento e incentiva a conversão de florestas em plantações de monoculturas de árvores” representando “uma grande ameaça para a segurança da terra, água e alimentação em África, pois é um plano de usurpação de terra à escala continental.”

“Todo o processo do REDD foi um processo para preparação para implementação, foi um processo para dizer como vamos implementar. Nunca discutimos se queríamos implementar, mas já estamos a discutir como vamos implementar, porquê? Porque o Banco Mundial acenou com dinheiro e o nosso Governo correu para apanhá-lo. O que tem acontecido em Moçambique, com todos estes mecanismos, é que há dinheiro e onde há dinheiro Moçambique corre atrás”, afirma Vanessa Cabanelas.

Super Ministério

Relativamente à transformação do Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental em Ministério da Terra e Ambiente a ONG Justiça Ambiental considera positivo e enaltece a posição do Ministro Celso Correia que, como uma das suas primeiras decisões, públicas, mandou parar as consultas públicas em Palma, na província de Cabo Delgado onde vai ser instalado o próximo megaprojecto, para ver o que se estava a passar, mas espera para ver como é que vão ser geridas estas três áreas cheias de problemas.

“A questão da terra e ambiente estão interligadas de uma maneira, não podemos dizer que o desenvolvimento rural não esteja mas, pelo menos para nós, (Justiça Ambiental), pode criar contradições. O desenvolvimento rural pode ter impactos nas questões da terra e nas questões do ambiente”, refere Anabela Lemos que no entanto questiona como vão resolvidos os problemas que já vêm de outros ministérios. Não está claro ainda se o Ministério vai focar no desenvolvimento rural em pequena escala ou em grande escala.

Vanessa Cabanela diz que a terra junta com o ambiente era o que pretendia a ONG; contudo, “a junção da terra, ambiente e desenvolvimento rural é positivo mas fica um superministério, carregado de problemas que já vêm herdados dos anteriores”.

As dúvidas também são várias. “Como essa gestão vai ser feita? Por outro lado é uma aposta grande, é juntar muita coisa que neste momento está carregada de problemas e juntar tudo num mesmo sítio. Como vai ser essa junção? Mas depois de termos o desenvolvimento rural junto mas depois temos a segurança alimentar do outro lado com o Ministério da Agricultura. Como vai ser essa ligação? O Ministério da Agricultura já tinha outros problemas”, questiona a ambientalista.

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