Daniel
Oliveira – Expresso, opinião*
Há
dois Cavacos. Um é político profissional há mais de três décadas. Outro fala da
atividade política com desprezo. Um participou em três eleições legislativas e
três presidenciais. Outro sente à distância, enojado, o cheiro pútrido da
campanha eleitoral. Um diz que é preciso nascer três vezes para ser mais
honesto do que ele. O outro lucrou com a venda de ações da SLN, que comprou e
vendeu fora do mercado bolsista com um lucro impossível, determinado pelo seu
amigo Oliveira Costa. Um faz o número do asceta. Outro diz que 10 mil euros não
lhe chegam para as despesas. Um queixa-se da má moeda na política. Outro teve
ao seu lado Dias Loureiro, Duarte Lima e os homens que construiriam o BPN. Um
choca-se com as “lutas político-partidárias” que não se concentram na pobreza e
na competitividade do país. Outro plantou na imprensa uma falsa acusação de
escutas à Presidência da República. Um pede menos crispação. Outro dedicou o
seu primeiro discurso depois da reeleição a pedir, na prática, a demissão de um
governo que não era da sua cor partidária. Um pede que se ponham em primeiro
plano os interesses do país. Outro defende o líder do seu partido quando nem o
partido se dá ao trabalho de o fazer. Um diz que o novo Presidente da República
deve ter uma larga experiência em política externa. Outro, como recordou Reis
Novais, achava — quando era primeiro-ministro — que a política externa era
assunto exclusivo do governo.
Quem
comprasse Cavaco pelo valor que tem e o vendesse por um valor que julga ter,
ficaria rico. Porque nunca houve tamanho desfasamento entre o que um político
pensa de si mesmo e o que realmente é. E é este desfasamento que explica que o
Presidente da República queira definir o perfil do próximo inquilino de Belém.
Arrasta-se penosamente para o fim do seu mandato como o mais impopular
Presidente da história da democracia portuguesa. Não conta para seja o que for
na política nacional, o que será um problema, caso a sua intervenção venha a
ser necessária na formação de um novo governo. Mas quer fazer o que nenhum
Presidente em exercício tentou: nomear um sucessor.
Mas
a direita portuguesa tem o líder histórico que merece. Em filinha, cada
candidato da área do PSD veio, qual Gata Borralheira, mostrar como o seu
esbelto pé cabia no sapato de cristal. Marcelo teve “a sorte de fazer política
em momentos cruciais da política externa portuguesa”. Momentos em que estava,
por azar, na oposição. Mas era vice-presidente do PPE quando a União se alargou
a leste. Upa, upa. “Aplicam-se a mim”, decretou satisfeito. Santana Lopes,
“passe a imodéstia”, recordou a larga experiência diplomática que ganhou nos
longos oito meses em que foi primeiro-ministro. Durão ficou calado. A sua
experiência internacional é inegável: foi mordomo na cimeira de onde partiu a
guerra mais estúpida das últimas décadas e assistiu de camarote à implosão da União
Europeia. E Rui Rio ficou de fora da recomendação cavaquista. O que, olhando
para a inédita impopularidade do Presidente, só pode ser visto como uma
vantagem competitiva. Sem ter a autoridade de Cavaco junto do exército de
candidatos presidenciais à direita, não preciso de um prefácio para recomendar
um perfil para o próximo Presidente. O atual definiu-o com a sua prática. É,
mais coisa menos coisa, fazer o contrário.
*em
14 março 2015
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