Pedro
Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião
Hoje
é Dia de Portugal. De Camões. E das Comunidades. Ou, para a esmagadora maioria
dos portugueses, é dia de agradecer a S. Pedro a oportunidade de poder passar o
feriado estendido numa toalha de praia. Neste ano, os habitantes de Lamego
foram os eleitos para vivenciar de perto o espírito da portugalidade: absorvem
a naftalina do regime, regalam as vistas com os aviões e helicópteros
militares, acenam à passagem do presidente da República. O 10 de Junho, como
outras datas com um caráter marcadamente formalista, serve sobretudo para o
Poder Político dar umas palmadinhas nas costas da sociedade civil, massajar o
ego aos nativos do Interior e passar recados para Lisboa, os quais, face à
ausência de assuntos, ganham inusitada eficácia mediática. E especula-se: o que
vai dizer o presidente? Particularmente este presidente, particularmente no
último 10 de Junho deste presidente?
Faz
sentido celebrar o Dia de Portugal? Sim, faz. Em particular porque a memória
coletiva tende a esfumar-se na voragem do imediatismo informativo. Mas fará
sentido perpetuar este tipo de encenação, pensada para o grande ecrã?
Neste
ano, Cavaco Silva vai homenagear, de um rol de mais de 30 personalidades,
ex-ministros, estilistas, músicos, cientistas, empresários, o chefe do Governo
da Galiza e o patrão da Globo. Não é defeito deste presidente, é um vício de
forma transversal aos titulares do cargo. Um bom chefe de Estado que se preze
tem de condecorar como se não houvesse amanhã. É quase impossível encontrar um
português que apareça amiúde na televisão que não tenha sido distinguido por
Belém. Vão consultar as listas dos últimos anos.
O
país deve demonstrar gratidão para com aqueles que, dentro e fora de portas,
deixem algum tipo de marca distintiva (o já condecorado e desmemoriado Zeinal
Bava também inscreveu o nome nesta categoria), mas do que eu gostava mesmo era
que, no Dia de Portugal, houvesse um presidente da República que se lembrasse
também de homenagear um desempregado, uma mãe trabalhadora da classe média com
três filhos, o melhor aluno de uma escola problemática, um estoico professor de
Português ou de Matemática, uma voluntária no Instituto Português de Oncologia,
um jovem licenciado a recibos verdes que ganha 500 euros, uma educadora de
infância, um carteiro. Gostava que o 10 de Junho fosse o dia em que se
celebrasse a coragem dos que insistem em ficar e a bravura dos que partiram
empurrados por um primeiro-ministro que não se lembra de o ter dito e quer que
eles regressem. Porque agora é que vai ser. Gostava que o 10 de Junho fosse o
dia em que o presidente da República agradecesse a todos. E não agraciasse
apenas alguns. Os mesmos. Ano após ano. Apenas com nomes diferentes.
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