quarta-feira, 10 de junho de 2015

Portugal. CONDECORAÇÃO DE MANTEIGA



Pedro Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião

Hoje é Dia de Portugal. De Camões. E das Comunidades. Ou, para a esmagadora maioria dos portugueses, é dia de agradecer a S. Pedro a oportunidade de poder passar o feriado estendido numa toalha de praia. Neste ano, os habitantes de Lamego foram os eleitos para vivenciar de perto o espírito da portugalidade: absorvem a naftalina do regime, regalam as vistas com os aviões e helicópteros militares, acenam à passagem do presidente da República. O 10 de Junho, como outras datas com um caráter marcadamente formalista, serve sobretudo para o Poder Político dar umas palmadinhas nas costas da sociedade civil, massajar o ego aos nativos do Interior e passar recados para Lisboa, os quais, face à ausência de assuntos, ganham inusitada eficácia mediática. E especula-se: o que vai dizer o presidente? Particularmente este presidente, particularmente no último 10 de Junho deste presidente?

Faz sentido celebrar o Dia de Portugal? Sim, faz. Em particular porque a memória coletiva tende a esfumar-se na voragem do imediatismo informativo. Mas fará sentido perpetuar este tipo de encenação, pensada para o grande ecrã?

Neste ano, Cavaco Silva vai homenagear, de um rol de mais de 30 personalidades, ex-ministros, estilistas, músicos, cientistas, empresários, o chefe do Governo da Galiza e o patrão da Globo. Não é defeito deste presidente, é um vício de forma transversal aos titulares do cargo. Um bom chefe de Estado que se preze tem de condecorar como se não houvesse amanhã. É quase impossível encontrar um português que apareça amiúde na televisão que não tenha sido distinguido por Belém. Vão consultar as listas dos últimos anos.
O país deve demonstrar gratidão para com aqueles que, dentro e fora de portas, deixem algum tipo de marca distintiva (o já condecorado e desmemoriado Zeinal Bava também inscreveu o nome nesta categoria), mas do que eu gostava mesmo era que, no Dia de Portugal, houvesse um presidente da República que se lembrasse também de homenagear um desempregado, uma mãe trabalhadora da classe média com três filhos, o melhor aluno de uma escola problemática, um estoico professor de Português ou de Matemática, uma voluntária no Instituto Português de Oncologia, um jovem licenciado a recibos verdes que ganha 500 euros, uma educadora de infância, um carteiro. Gostava que o 10 de Junho fosse o dia em que se celebrasse a coragem dos que insistem em ficar e a bravura dos que partiram empurrados por um primeiro-ministro que não se lembra de o ter dito e quer que eles regressem. Porque agora é que vai ser. Gostava que o 10 de Junho fosse o dia em que o presidente da República agradecesse a todos. E não agraciasse apenas alguns. Os mesmos. Ano após ano. Apenas com nomes diferentes.

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