segunda-feira, 15 de junho de 2015

Portugal. O QUE PRETENDE O PRESIDENTE?



José Mendes – Jornal de Notícias, opinião

A insistência do Presidente da República em passar a mensagem de que não está disposto a dar posse a um governo minoritário ameaça transformar o seu final de mandato num "case study". Este protagonismo de fim de ciclo não encontra no texto constitucional premissas que o suportem, sobretudo porque antecipa e pressiona a decisão das urnas, que é aquela que conta num regime democrático.

A leitura da Constituição mostra que nada obsta a que exista um governo minoritário. E não faltam exemplos, a começar pelo governo de 1985, por ironia chefiado pelo próprio Cavaco Silva. O sistema parlamentar funcionou, já que dois anos mais tarde esse governo caiu, dando origem a eleições que consagraram uma maioria. Foi através do voto que o eleitorado viabilizou a solução governativa estável.

A zona cinzenta do pensamento do PR está, todavia, numa outra vertente da Constituição, aquela que limita os seus poderes nos últimos seis meses de mandato, retirando-lhe nomeadamente o poder de dissolver a Assembleia da República e de convocar eleições intercalares. Acresce que a nova Assembleia não pode, também ela, ser dissolvida nos primeiros seis meses, resultando assim a impossibilidade de novas eleições antes do verão de 2016.

As sondagens dos últimos tempos têm demonstrado a possibilidade de nenhum dos partidos conseguir a maioria absoluta. Neste quadro, não dar posse a um governo minoritário significa que a solução governativa imediata para o país não terá a legitimidade do voto. E é justamente aqui que faz sentido questionar o que pretende Cavaco Silva.

O cenário mais benigno atira para uma influência no jogo político-partidário. O PR acreditaria que os portugueses desejam a governabilidade e votariam num dos dois blocos (PS e PSD/CDS) que podem aspirar à maioria absoluta. Significa que o árbitro não é neutro, pela simples razão de que estaria a apelar à bipolarização, remetendo os restantes partidos para o papel de verbos de encher.

O segundo cenário seria a manutenção do atual governo em funções até novas eleições, estendendo-lhe o mandato por mais quase um ano. Uma solução sem qualquer legitimidade democrática, que agitaria as águas a um nível insuportável.

Por fim, Cavaco poderia tentar um governo de salvação de iniciativa presidencial. Este é o cenário que colocaria o PR na história com a glória que ele pensa merecer, mas seria subverter a democracia e a legitimidade do voto.

A estes três cenários, oponho um simples "por que não deixar simplesmente a democracia funcionar?". É governo quem ganha as eleições e o Parlamento cá estará para os acordos e desacordos.

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