segunda-feira, 6 de julho de 2015

Cabo Verde. CUSTOS DA POLÍTICA DE AVESTRUZ



Expresso das Ilhas (cv), editorial

Depois de muita pressão do público na comunicação social, das intervenções de deputados pela emigração de todos os partidos políticos e de uma viva discussão na Assembleia Nacional, finalmente o governo resolveu reagir à problemática criada pela decisão da TACV em impor as novas e caras tarifas inter-ilhas e nas rotas para o exterior. Vários dias de protesto do público, de sinais claros do braço de ferro entre a TACV e autoridade reguladora, a AAC, e da realidade de imposição das novas tarifas não tinham conseguido tirar o governo da sua inércia. Ninguém conseguia que se movesse e se colocasse claramente a favor da legalidade na relação entre a entidade reguladora e a empresa regulada e se mostrasse disponível, e pronto, para dar orientação estratégica para uma empresa pública, a única que existe no sector dos transportes aéreos e por conseguinte o principal instrumento das políticas do governo nesse sector chave da economia nacional. Pelo contrário assistia-se a um espectáculo em que às vezes o governo parecia querer desviar as culpas para os outros, outras vezes mostrava-se renitente ou impotente para intervir na empresa tutelada e ainda em certos momentos até fingia que tudo isso não lhe dizia directamente respeito e que o eventual conflito entre as partes deveria ser dirimido nos tribunais.

Infelizmente o que aconteceu na semana passada no sector dos transportes aéreos não é um caso raro. Situações similares vêm acontecendo com preocupante frequência em vários outros sectores da vida nacional. Recentemente o naufrágio do navio Vicente pôs a nu o descomando que afligia o sector marítimo. Durante anos era evidente que o sistema existente de ligação marítima entre as ilhas padecia de vários males. Sem regulação adequada os operadores sentiam-se livres para escolherem as suas rotas, para determinarem a frequência das viagens e cobrar preços exorbitantes na movimentação de cargas entre as ilhas. Com a preocupação de poupar tendiam a comprar barcos velhos, alguns não se mostravam muito rigorosos na manutenção e até havia quem, na procura de lucro fácil, forçasse a tripulação a fechar os olhos a exigências de segurança. Naufrágios consecutivos de navios como Mosteru, Barlavento, Pentalina e Roterdão deviam ter constituído um alerta para as autoridades. O mesmo alerta deveria ter sido o estado em que se encontravam navios como o Praia D’Aguada e o 13 de Janeiro quando deram entrada na CABNAVE para reparações.

Só nos últimos meses é que se nota a azáfama do governo em adoptar estratégias para os transportes marítimos com a definição de rotas e aventando a possibilidade de concessões e subsídios para os transportes marítimos. Mesmo a capacidade em busca e salvamento só agora começou a merecer o devido tratamento. Foi preciso que acontecesse o acidente com o navio Vicente, com perdas de vida, para que o governo saltasse para a acção. Naufrágios anteriores não tiveram esse mesmo efeito catalisador. Mesmo assim, como aliás todo o país pôde presenciar, não há uma clara e imediata responsibilização pelo desastre e pelas perdas de vida. Pelo contrário, procuram-se bodes expiatórios e vai-se ao ponto de acusar governos de décadas passadas pelo acontecido. 

Porque não se assumem frontalmente os problemas, e no tempo certo, as soluções encontradas para os problemas pecam muitas vezes por serem desadequadas, mais caras e de sustentabilidade duvidosa. Nesse sentido é paradigmática a solução encontrada nos catamarans da Cabo Verde Fast Ferry para o transporte marítimo como se viu na análise da empresa feita neste jornal no seu número de 17 de Junho 2014. Na energia, o calvário percorrido com a Electra ao longo de vários anos só ganhou algum alívio à custa das tarifas de electricidade e água das mais caras do mundo. Nos transportes aéreos, a gestão desastrosa dos TACV ao longo de anos obriga a que se pratiquem tarifas excessivamente elevadas. A empresa até pode aliviar o seu sufoco financeiro mas a que custos: a circulação entre as ilhas diminui com grande impacto na economia e o turismo interno que podia beneficiar várias ilhas e diversificar o pacote turístico do país torna-se extremamente difícil. As pesadas tarifas nas rotas étnicas para as nossas comunidades emigradas deixam transparecer uma miopia impressionante. O emigrante, com toda a sua relação afectiva com familiares e amigos, é potencialmente um visitante ou turista dos mais valiosos e com maior impacto na economia local. São Vicente, em vários períodos do ano, é prova eloquente desse facto. Restringir o fluxo potencial de emigrantes com tarifas aéreas excessivas não pode ser boa política.

Em outros sectores como Segurança, Saúde e Educação ou em programas como o denominado “Casa para Todos” notam-se as ineficiências, o desperdício de recursos e a ineficácia. A atitude prevalecente de passar a culpa para outro, ou de negar a existência do problema ou minimiza-lo considerando-o má-fé dos outros não dá bons resultados. Pode conduzir a tragédias, como se viu, ou então paga-se em custos mais elevados, oportunidades perdidas e sonhos frustrados. Enterrar a cabeça na areia como avestruz não é sinal de liderança. Assim como não é liderança responsável proclamar que se está blindado contra a crise, fingir que se pode ficar incólume perante dívida pública muito acima dos 100% do PIB ou não se preparar para os desafios que os tráficos globais ilegais colocam ao país. Para o bem do país é preciso outra atitude tanto na cidadania como na governação.

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