segunda-feira, 6 de julho de 2015

UM BOLSO VAZIO



Inês Cardoso – Jornal de Notícias, opinião

A Grécia escreveu ontem uma nova página na história da Europa. Depois de uma semana em que os líderes europeus fizeram, em peso, campanha ativa pelo "sim", o estrondo com que o "não" ecoou deu força ao Governo de Alexis Tsipras e abriu uma brecha no caminho monolítico da austeridade.

A lição democrática e a força demonstrada pelo povo grego justificam a festa que tomou conta de Atenas, mas o futuro continua a ser feito de espinhos. "Tarde sombria como um bolso vazio", pedem-se as palavras emprestadas ao poeta Yannis Ritsos. A liquidez da banca é o drama imediato e hoje a reunião do BCE tem sobre a mesa dilemas decisivos e com impacto direto na vida de 10 milhões de pessoas.

Tudo, no plano político, são incertezas. Merkel e Hollande reúnem-se em Paris para digerir os efeitos do "oxi". Ainda com as urnas abertas, o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, alertou que a vitória do "não" obrigaria a introduzir uma nova moeda. Quase ao mesmo tempo, o ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, insistia numa mensagem europeísta.

Os líderes europeus tentaram colar o "não" à saída da Grécia da zona euro. Por mais que do lado contrário da barricada se ouça garantir que a disponibilidade para negociar é total e que apenas é preciso mudar de perspetiva. A inflexibilidade seria, nesta altura, a pior atitude possível: o que se ouviu, nas urnas, foi uma mensagem global, que toca em cada um dos parceiros europeus e tem consequências económicas e políticas.

Nas vésperas do referendo, um dos principais arquitetos da integração europeia, Jacques Delors, alertou para o peso da dívida e defendeu as linhas necessárias para dar oxigénio à Grécia. Mais do que restaurar a solvência a curto prazo, lembrou a urgência de reanimar a economia e fazê-la regressar ao crescimento. Mas Delors tocou ainda um terceiro ponto: "colocar rapidamente na agenda a análise do peso da dívida grega e das dívidas dos outros países sob programa".

Não foi a Grécia que abriu a caixa de Pandora. Fomos nós que nunca ousámos pensar que os dogmas da troika fossem questionáveis. A história que ontem começou a ganhar forma escreve-se, agora, fora das urnas. Percebendo que sinais leem Merkel, Hollande, Lagarde, Dijsselbloem. A Grécia escolheu, sem fechar portas. Resta saber se, desagradados com a escolha, os credores irão expulsar o "mau aluno" de casa. Podemos tentar invocar desculpas para uma separação. No final de contas, isolar a Grécia apenas nos enfraquecerá a todos.

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