José
Eduardo Agualusa – Rede Angola, opinião
Todos
aqueles que vêm acompanhando as notícias sobre a prisão de quinze jovens,
acusados de tentativa de Golpe de Estado, e as recentes manifestações a favor
da sua libertação, certamente se deram conta de como as autoridades angolanas
se confundem, baralham, atrapalham, mudando de discurso a cada dia. Não fosse o
episódio tão trágico, na medida em que envolve a prisão de inocentes, e seria
uma bela comédia.
A
questão da linguagem é particularmente interessante. No início do processo, os
servidores do regime não pareceram incomodar-se com a expressão “preso
político” – de resto, a única que faz sentido numa acusação de tentativa de
Golpe de Estado. Pouco a pouco, porém, a expressão começou a irritá-los.
Deixaram então de se referir a “presos políticos”, sugerindo que os jovens
detidos deveriam ser referenciados como “delinquentes políticos”. Há poucos
dias avançaram com outra ideia: não seriam “presos políticos” nem “delinquentes
políticos” e sim “políticos presos”. Quanto aos manifestantes presos na sequência
dos protestos, e depois soltos, foi dito que estariam “retidos”, e a seguir que
teriam sido “recolhidos”. Esperei que fosse utilizada uma outra expressão muito
popular nos anos noventa, “sob custódia do Governo”, mas isso ainda não
aconteceu.
O
recurso ao eufemismo é revelador da incomodidade do regime no que diz respeito
às suas próprias acções. José Eduardo dos Santos já não consegue olhar-se ao
espelho sem se horrorizar com o monstro em que se transformou. Manda então
fabricar espelhos que distorçam a sua imagem real e a tornem um pouco menos
pavorosa.
Queria
aproveitar o espaço desta crónica para contribuir, ainda que de forma modesta,
para a construção deste novo dicionário amoroso da ditadura. Sugiro, assim, que
ao invés da expressão “os manifestantes foram espancados pela polícia”, todos
os responsáveis angolanos, jornais, televisões, etc., passem a utilizar a
expressão, “as forças da ordem disciplinaram os manifestantes”. Ao invés de se
dizer que “os manifestantes foram perseguidos por cães”, será melhor dizer que
“os manifestantes participaram de uma prova de corrida com o generoso
incentivo de cachorros treinados para o efeito”. Ao invés de se dizer que
as autoridades proibiram ou não autorizaram uma manifestação convém dizer antes
que as autoridades “encorajaram os jovens a manifestarem as suas opiniões no
conforto dos próprios lares”. Ao invés de “protestos” passará a escrever-se
“manifestações de livre pensamento próprias da grande democracia que se vive no
país”. Ao invés de “presos políticos” sugiro “cidadãos disfuncionais abrigados
à custa do governo em instituições adequadas ao seu estado”. Ao invés de
“presos”, “retidos” ou mesmo “recolhidos”, sugiro “aconchegados”. Aconchegados
é bonito. Por exemplo, “Luaty Beirão, aconchegado no regaço do Estado há mais
de um mês, aguarda o desfecho do seu processo com tranquilidade”. Ao invés de
prisões deverá escrever-se “Centros de acolhimento de cidadãos disfuncionais”.
Ao invés de “interrogatório policial” fica melhor “bate-papo”. “Interrogatório com
tortura” passa a ser “bate-bate-papo”. O belo eufemismo “excesso de zelo”,
querendo significar “excesso de tortura”, tem já uma larga e sonora tradição
histórica no nosso país, e só por isso merece ser recuperado.
Proponho
que os leitores acrescentem o seu próprio verbete a este humilde dicionário.
Podemos depois oferecê-lo ao José Mena Abrantes, que, certamente, o utilizará
com proveito geral.
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