Maria
João Morais, em Barcelona – Jornal de Notícias
Ao
começar a conversa com o JN, Jordi Sànchez recorda como há alguns anos atrás,
quando se debatia sobre o grau de autonomia que a Catalunha deveria ter, os
defensores do Estado próprio exclamavam, em jeito de brincadeira:
"Autonomia? A de Portugal", ou seja, a independência total de Espanha.
Agora,
o sonho de autodeterminação catalão parece estar cada vez próximo, uma vez que
as eleições regionais que hoje têm lugar poderão determinar o início de um
processo de construção de um Estado próprio. Para o presidente da ANC, entidade
independentista que organiza as multitudinárias manifestações da Diada e que
está por trás da candidatura Junts pel Sí, a secessão irá favorecer também a
regeneração das instituições.
Como
explica o enorme crescimento do sentimento independentista catalão verificado
nos últimos anos?
Não
há um único factor, há um acumular de várias circunstâncias. Por um lado, há
uma sensação de certa descriminação no que diz respeito às infraestruturas e
aos investimento do Estado na Catalunha. Há uma constatação de que ao longo dos
últimos 25 anos o défice de investimentos do Estado tem aumentado. É muito
visível se analisarmos o número de quilómetros de autoestrada sem portagens no
resto de Espanha e as que temos na Catalunha ou o número de quilómetros de alta
velocidade. Por exemplo, o tratamento em relação ao aeroporto de El Prat em
detrimento da sua potencialidade e em benefício de Barajas em Madrid, é
inexplicável. Portanto, há um défice muito importante no que diz respeito ao
que a Catalunha entrega ao Estado central e o que regressa através do
investimento.
Esse
défice não se explica com princípio de solidariedade que leva as comunidades
mais ricas a contribuírem mais do que outras com menos capacidade para gerar
riqueza?
Isso
podia ser razoável de maneira excepcional. Mas de maneira continuada o que faz
é castigar o tecido produtivo e industrial e desincentivar a atividade
económica na Catalunha. Este fator económico fez com que o sentimento
independentista chegasse a setores que não eram nacionalistas no sentido
estrito.
Também
o tratamento que a Catalunha recebe por parte do Governo espanhol contribui
para aumentar o sentimento independentista.
Nos
últimos anos, recebemos uma atitude muito hostil por parte de Madrid. Qualquer
tema é rapidamente convertido num conflito e o melhor exemplo foi a sentença
contra o Estatut de autonomia da Catalunha [documento chumbado pelo Tribunal
Constitucional em 2010 por definir a Catalunha como uma nação]. Isso foi muito
mal recebido por amplos setores da população porque veio depois de um referendo
que as pessoas tinham votado e aprovado. Que um tribunal emende a opinião
manifestada pela cidadania, contribuiu muito para a sensação de humilhação.
Além disso detetamos uma falta de reconhecimento da identidade cultural e
linguística catalã. Espanha não assumiu a plurinacionalidade mas, ao mesmo
tempo, lançou medidas que tentam travar o desenvolvimento da língua catalã.
As
eleições de domingo irão medir a força do movimento independentista. Poderão
substituir a realização de um referendo?
É
certo que estas são eleições para o Parlamento catalão, mas têm uma clara
conotação de excepcionalidade. O movimento independentista desejava a
realização de um referendo, mas isso não foi possível [devido à oposição do
Estado espanhol]. A partir daí, o único instrumento para poder contabilizar nas
urnas o apoio era a convocação de umas eleições com caráter plebiscitário. Não
é a situação desejada, mas pensamos que democraticamente é um bom instrumento
para medir os apoios à constituição de um Estado próprio. O facto dos partidos
Convergência Democrática e Esquerda Republicana terem conseguido chegar a um
acordo e estarem unidos na candidatura Junts pel sí reforça a ideia de
excepcionalidade.
A
ANC participou ativamente na criação desta candidatura conjunta. Porquê?
A
ANC esteve muito ativa perseguindo a ideia de que, se há eleições
plebiscitárias, as opções independentistas devem apresentar-se no mínimo de
listas possíveis. Por isso, promovemos discussões com a CUP, ERC e
Convergência. Estas duas últimas chegaram a acordo, mas a CUP acabou por se
apresentar em separado, fazendo com que haja duas opções claramente
independentistas. Além disso, em Junts pel Sí há um amplia representação de
pessoas independentes, procedentes da sociedade civil: desportistas, ativistas
e empresários, que dão a imagem de uma lista transversal. Ideologicamente é
muito plural porque integra pessoas procedentes tanto da esquerda como de
centro e direita. Por sua vez, a ANC dá apoio a todas as formações
independentistas.
Se
estas listas conseguirem maioria absoluta no domingo podemos esperar para breve
uma declaração unilateral de independência?
Penso
que as candidaturas independentistas terão maioria de deputados no Parlamento.
Mas no dia 28 não vai haver uma declaração unilateral de independência. Uma vez
composto o Parlamento, será necessário eleger um Governo estável e depois disso
avançar com uma declaração solene de início do processo de independência. Será
uma ação para a opinião pública espanhola e internacional.
As
sondagens indicam que as candidaturas independentistas poderão alcançar maioria
absoluta de deputados, mas não de votos. Se não se conseguir o apoio de pelo
menos 50% dos votos, o processo terá legitimidade?
Os
que não nos permitiram fazer um referendo agora exigem-nos que calculemos a
vitória como se fosse um referendo. Numas eleições, em qualquer lugar do mundo,
ganha quem tem maioria de deputados no Parlamento. Se agora exigem que devemos
contar a totalidade de votos, nós dizemos: deixem-nos fazer um referendo. Mas
não podem exigir-nos que calculemos o resultados das eleições com os votos.
Estas são as regras do jogo.
Qual
será então o próximo passo?
O
desenrolar do processo vai implicar duas tarefas: por um lado, o governo
catalão terá que preparar as estruturas de um futuro Estado, ou seja, os
organismos que têm que estar preparados no dia em que se declare a
independência: um Banco Central, finanças públicas, etc. A segunda tarefa será
preparar os projetos de lei para a substituição da legalidade espanhola pela
catalã. Chegará um momento nos próximos meses em que o Parlamento da Catalunha
irá aprovar uma lei de transição que deverá durar um máximo de 18 meses.
Há
pessoas que vão votar Junts pel Sí não tanto por serem independentistas, mas
porque querem uma mudança. Se houvesse alterações nas políticas de Madrid,
poderiam os catalães sentir-se mais confortáveis dentro do Estado espanhol e
abandonar a necessidade de separação?
Razões
para votar num partido pode haver muitas. Neste momento, penso que a maioria da
população que vai votar Junts pel Si ou CUP é porque quer a independência. É
esse o compromisso destas candidaturas. Certamente há opiniões diversas, mas o
mandato que se pede nas urnas é para a independência.
Vai
haver eleições gerais em Dezembro. Não espera que possa haver mudanças na
relação da Catalunha com Madrid?
O
única mudança que podemos esperar é que se possa votar de maneira clara num
referendo. Qualquer outra mudança não seria suficiente para travar este
processo.
Uma
reforma constitucional que fizesse referência à singularidade da Catalunha não
poderia contribuir para isso?
Depois
de quatro anos com um milhão e meio de pessoas na rua manifestando-se de forma
pacífica para poder votar, algo que nunca tinha ocorrido na Europa, não se pode
solucionar o processo apenas com reformas.
Não
é certo que uma Catalunha independente possa continuar na União Europeia (UE).
Fazemos
parte da UE e não temos nenhum motivo para pensar que possamos sair. Aliás,
achamos que a Europa quer que a Catalunha continue. Estamos a falar de
população que é atualmente europeia. Em que artigo, que tratado, que acordo
poderiam basear-se para me retirar a cidadania europeia? Como poderiam deixar
7,5 milhões de pessoas fora da UE? Acreditamos que a Europa encontrará uma
solução, como encontrou por exemplo com a reunificação alemã.
Os
estados que integram a União Europeia estão dependentes de instituições
supranacionais: Comissão Europeia, Banco Central Europeu... Para que serve a
independência num contexto de soberania limitada?
Serve
para que haja uma comunicação direta com Bruxelas e não uma comunicação
dependente dos organismos de Madrid.
Mas
um Estado mais pequeno não terá menos capacidade para negociar do que um Estado
grande como Espanha?
Sim,
mas os Estado mais pequenos são também os mais eficientes e mais homogéneos.
Teríamos pouco peso na Europa? Pelo menos seria mais do que agora, pois
atualmente não temos nenhum.
Parte
do independentismo catalão baseia-se na crítica a políticas do Estado central
como a austeridade, a corrupção ou o centralismo. Mas isso também se reproduz
na Catalunha presidida por Artur Mas. Como pode uma candidatura que integra o
partido Convergência promover renovação e regeneração democrática?
Num
Estado independente esse caminho será mais rápido e mais fácil. Quando se
inicia a criação de uma nova República, é preciso definir a partir do zero como
serão as instituições. Isso abre possibilidades de regeneração que uma simples
reforma não dá. Sem dúvida que a independência é uma oportunidade para fazer
essa nova política.
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