domingo, 27 de setembro de 2015

Catalunha: "A INDEPENDÊNCIA É A OPORTUNIDADE PARA FAZER UMA NOVA POLÍTICA”



Maria João Morais, em Barcelona – Jornal de Notícias

Ao começar a conversa com o JN, Jordi Sànchez recorda como há alguns anos atrás, quando se debatia sobre o grau de autonomia que a Catalunha deveria ter, os defensores do Estado próprio exclamavam, em jeito de brincadeira: "Autonomia? A de Portugal", ou seja, a independência total de Espanha.

Agora, o sonho de autodeterminação catalão parece estar cada vez próximo, uma vez que as eleições regionais que hoje têm lugar poderão determinar o início de um processo de construção de um Estado próprio. Para o presidente da ANC, entidade independentista que organiza as multitudinárias manifestações da Diada e que está por trás da candidatura Junts pel Sí, a secessão irá favorecer também a regeneração das instituições.

Como explica o enorme crescimento do sentimento independentista catalão verificado nos últimos anos?

Não há um único factor, há um acumular de várias circunstâncias. Por um lado, há uma sensação de certa descriminação no que diz respeito às infraestruturas e aos investimento do Estado na Catalunha. Há uma constatação de que ao longo dos últimos 25 anos o défice de investimentos do Estado tem aumentado. É muito visível se analisarmos o número de quilómetros de autoestrada sem portagens no resto de Espanha e as que temos na Catalunha ou o número de quilómetros de alta velocidade. Por exemplo, o tratamento em relação ao aeroporto de El Prat em detrimento da sua potencialidade e em benefício de Barajas em Madrid, é inexplicável. Portanto, há um défice muito importante no que diz respeito ao que a Catalunha entrega ao Estado central e o que regressa através do investimento.

Esse défice não se explica com princípio de solidariedade que leva as comunidades mais ricas a contribuírem mais do que outras com menos capacidade para gerar riqueza?

Isso podia ser razoável de maneira excepcional. Mas de maneira continuada o que faz é castigar o tecido produtivo e industrial e desincentivar a atividade económica na Catalunha. Este fator económico fez com que o sentimento independentista chegasse a setores que não eram nacionalistas no sentido estrito.

Também o tratamento que a Catalunha recebe por parte do Governo espanhol contribui para aumentar o sentimento independentista.

Nos últimos anos, recebemos uma atitude muito hostil por parte de Madrid. Qualquer tema é rapidamente convertido num conflito e o melhor exemplo foi a sentença contra o Estatut de autonomia da Catalunha [documento chumbado pelo Tribunal Constitucional em 2010 por definir a Catalunha como uma nação]. Isso foi muito mal recebido por amplos setores da população porque veio depois de um referendo que as pessoas tinham votado e aprovado. Que um tribunal emende a opinião manifestada pela cidadania, contribuiu muito para a sensação de humilhação. Além disso detetamos uma falta de reconhecimento da identidade cultural e linguística catalã. Espanha não assumiu a plurinacionalidade mas, ao mesmo tempo, lançou medidas que tentam travar o desenvolvimento da língua catalã.

As eleições de domingo irão medir a força do movimento independentista. Poderão substituir a realização de um referendo?

É certo que estas são eleições para o Parlamento catalão, mas têm uma clara conotação de excepcionalidade. O movimento independentista desejava a realização de um referendo, mas isso não foi possível [devido à oposição do Estado espanhol]. A partir daí, o único instrumento para poder contabilizar nas urnas o apoio era a convocação de umas eleições com caráter plebiscitário. Não é a situação desejada, mas pensamos que democraticamente é um bom instrumento para medir os apoios à constituição de um Estado próprio. O facto dos partidos Convergência Democrática e Esquerda Republicana terem conseguido chegar a um acordo e estarem unidos na candidatura Junts pel sí reforça a ideia de excepcionalidade.

A ANC participou ativamente na criação desta candidatura conjunta. Porquê?

A ANC esteve muito ativa perseguindo a ideia de que, se há eleições plebiscitárias, as opções independentistas devem apresentar-se no mínimo de listas possíveis. Por isso, promovemos discussões com a CUP, ERC e Convergência. Estas duas últimas chegaram a acordo, mas a CUP acabou por se apresentar em separado, fazendo com que haja duas opções claramente independentistas. Além disso, em Junts pel Sí há um amplia representação de pessoas independentes, procedentes da sociedade civil: desportistas, ativistas e empresários, que dão a imagem de uma lista transversal. Ideologicamente é muito plural porque integra pessoas procedentes tanto da esquerda como de centro e direita. Por sua vez, a ANC dá apoio a todas as formações independentistas.

Se estas listas conseguirem maioria absoluta no domingo podemos esperar para breve uma declaração unilateral de independência?

Penso que as candidaturas independentistas terão maioria de deputados no Parlamento. Mas no dia 28 não vai haver uma declaração unilateral de independência. Uma vez composto o Parlamento, será necessário eleger um Governo estável e depois disso avançar com uma declaração solene de início do processo de independência. Será uma ação para a opinião pública espanhola e internacional.

As sondagens indicam que as candidaturas independentistas poderão alcançar maioria absoluta de deputados, mas não de votos. Se não se conseguir o apoio de pelo menos 50% dos votos, o processo terá legitimidade?

Os que não nos permitiram fazer um referendo agora exigem-nos que calculemos a vitória como se fosse um referendo. Numas eleições, em qualquer lugar do mundo, ganha quem tem maioria de deputados no Parlamento. Se agora exigem que devemos contar a totalidade de votos, nós dizemos: deixem-nos fazer um referendo. Mas não podem exigir-nos que calculemos o resultados das eleições com os votos. Estas são as regras do jogo.

Qual será então o próximo passo?

O desenrolar do processo vai implicar duas tarefas: por um lado, o governo catalão terá que preparar as estruturas de um futuro Estado, ou seja, os organismos que têm que estar preparados no dia em que se declare a independência: um Banco Central, finanças públicas, etc. A segunda tarefa será preparar os projetos de lei para a substituição da legalidade espanhola pela catalã. Chegará um momento nos próximos meses em que o Parlamento da Catalunha irá aprovar uma lei de transição que deverá durar um máximo de 18 meses.

Há pessoas que vão votar Junts pel Sí não tanto por serem independentistas, mas porque querem uma mudança. Se houvesse alterações nas políticas de Madrid, poderiam os catalães sentir-se mais confortáveis dentro do Estado espanhol e abandonar a necessidade de separação?

Razões para votar num partido pode haver muitas. Neste momento, penso que a maioria da população que vai votar Junts pel Si ou CUP é porque quer a independência. É esse o compromisso destas candidaturas. Certamente há opiniões diversas, mas o mandato que se pede nas urnas é para a independência.

Vai haver eleições gerais em Dezembro. Não espera que possa haver mudanças na relação da Catalunha com Madrid?

O única mudança que podemos esperar é que se possa votar de maneira clara num referendo. Qualquer outra mudança não seria suficiente para travar este processo.

Uma reforma constitucional que fizesse referência à singularidade da Catalunha não poderia contribuir para isso?

Depois de quatro anos com um milhão e meio de pessoas na rua manifestando-se de forma pacífica para poder votar, algo que nunca tinha ocorrido na Europa, não se pode solucionar o processo apenas com reformas.

Não é certo que uma Catalunha independente possa continuar na União Europeia (UE).

Fazemos parte da UE e não temos nenhum motivo para pensar que possamos sair. Aliás, achamos que a Europa quer que a Catalunha continue. Estamos a falar de população que é atualmente europeia. Em que artigo, que tratado, que acordo poderiam basear-se para me retirar a cidadania europeia? Como poderiam deixar 7,5 milhões de pessoas fora da UE? Acreditamos que a Europa encontrará uma solução, como encontrou por exemplo com a reunificação alemã.

Os estados que integram a União Europeia estão dependentes de instituições supranacionais: Comissão Europeia, Banco Central Europeu... Para que serve a independência num contexto de soberania limitada?

Serve para que haja uma comunicação direta com Bruxelas e não uma comunicação dependente dos organismos de Madrid.

Mas um Estado mais pequeno não terá menos capacidade para negociar do que um Estado grande como Espanha?

Sim, mas os Estado mais pequenos são também os mais eficientes e mais homogéneos. Teríamos pouco peso na Europa? Pelo menos seria mais do que agora, pois atualmente não temos nenhum.

Parte do independentismo catalão baseia-se na crítica a políticas do Estado central como a austeridade, a corrupção ou o centralismo. Mas isso também se reproduz na Catalunha presidida por Artur Mas. Como pode uma candidatura que integra o partido Convergência promover renovação e regeneração democrática?

Num Estado independente esse caminho será mais rápido e mais fácil. Quando se inicia a criação de uma nova República, é preciso definir a partir do zero como serão as instituições. Isso abre possibilidades de regeneração que uma simples reforma não dá. Sem dúvida que a independência é uma oportunidade para fazer essa nova política.

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