Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Durante
mais de quatro anos o Governo PSD/CDS andou a "lixar-nos" sem dó nem
piedade, convencendo meio mundo que se tratava de um ato libertador dos pecados
que pretensamente havíamos cometido. Agora, neste novo concubinato PàF, fazem
todas as piruetas explicativas da sua intrínseca bondade: juram que só nos
sacrificaram porque outros os obrigaram; prometem-nos um futuro de dias
felizes, se lhes dermos de novo as rédeas do poder.
Qual
a magia do dia 4 de outubro para que seja possível o milagre da mudança, quando
as políticas que se propõem executar são as mesmas que impuseram até aqui,
quando o contexto europeu e internacional não mostra desanuviamentos de realce?
O fel passa a doce por obra e graça de quê? O sofrimento que sentimos era
apenas o amargo inevitável do óleo de fígado de bacalhau, ou da aplicação de
uma eficaz vacina? Os portugueses ensandeceram?
O
facto de o Governo chamar emprego a ocupações pontuais não faz delas emprego
verdadeiro. O que é que o crescimento dos hospitais privados significa para a
economia e para o direito dos portugueses à saúde? O aumento da despesa dos
portugueses com seguros de saúde (63% em 10 anos) significa que melhorou o
sistema de saúde, ou que as seguradoras tiveram brutais lucros?
Se
há alguma dinamização da economia é porque o Governo suspendeu a imposição de
algumas medidas austeritárias neste aproximar às eleições, teve de cumprir as
decisões do Tribunal Constitucional, começou a propagandear "o mais
difícil já passou" e deu indicações à banca para apoiar o consumo. Os
grandes problemas, internos e europeus, com que os portugueses e o país têm de
lidar não estão, infelizmente, resolvidos.
Esta
semana ficamos a saber que o buraco do Novo Banco no défice de 2014 coloca a
dimensão do défice exatamente ao nível de 2011. Acoitados em práticas de
manipulação e mentira, protegidos por pronunciamentos hipócritas de gente sem
escrúpulos instalada na Comissão Europeia e pelos senhores dos "mercados",
que vivem da subjugação dos povos, Passos Coelho, Portas e C.ª vêm dizer-nos,
com toda a candura, que não há consequências para os portugueses, que se trata
apenas de um registo contabilístico.
Um
Orçamento do Estado (OE) é, de facto, um somatório de registos contabilísticos.
Um défice é sempre um registo contabilístico que tem em conta algumas despesas
e receitas do Estado e que, com mais ou menos propósito, ignora outras. Muitas
vezes o que é registado e o que é ignorado depende tão-só de conveniências políticas
de quem faz os registos - o Governo. Assim, também podemos dizer que o défice
de 2011 é um registo contabilístico: de certa forma, podia ter sido outro.
O
facto objetivo é que o défice de 2014 regista agora recursos públicos que foram
canalizados para salvar o BES. Dizem-nos que é um empréstimo e que os fundos
estarão de volta no futuro. Virão mesmo? Não! Nem regressarão estes, nem os
outros milhares de milhões de euros resultantes de outros buracos escondidos e
das compensações a clientes individuais e a grupos empresariais que tribunais
portugueses e estrangeiros por certo decidirão.
Diz
o Governo que quem vai suportar os custos é o "Fundo de Resolução",
portanto serão os bancos e não os cidadãos a pagar. Mentira! A Caixa Geral de
Depósitos é pública e neste processo perde por várias vias. E também já sabemos
que é sempre o povo a tapar os buracos da banca privada.
Conclusão,
o que foi feito agora sobre o OE de 2014 foi um registo contabilístico, mas de
perdas futuras para todos nós. Esta fatura ser-nos-á apresentada em 2016 ou
2017 ou em mais anos. É mais sacrifício que se anuncia, não por termos andado a
viver acima das nossas possibilidades, mas porque os banqueiros tiveram
práticas ilícitas ao longo dos anos, porque os governos e partidos no poder
conviveram bem com elas, porque os governadores do Banco de Portugal não
desempenharam as funções fiscalizadoras a que deviam estar obrigados. Até o
professor de finanças Cavaco Silva foi incapaz de cheirar as maroscas e roubos
em preparação.
Pela
democracia e pela melhoria do ambiente, é preciso desacoitá-los.
Sem comentários:
Enviar um comentário