Alteração
do valor dos créditos de empresas de Duarte Lima, Fernando Fantasia e outros,
feita por e-mail imediatamente antes da venda do BPN ao BIC, provocou
rombo no défice de 2012 e uma queixa de Maria Luís Albuquerque à PGR.
É
um truque contabilístico, mas custou dinheiro real. Os auditores não repararam,
o Governo só assumiu a falha um ano depois, e a Procuradoria-geral da República
(PGR) ainda está a investigar o que se passou. No fundo, não há nada de muito
complicado neste novo “buraco” de 107 milhões de euros que o Estado teve de
cobrir no BPN. Basta seguir o dinheiro…
O
fundo imobiliário Homeland, de que Duarte Lima era o mais notório accionista,
devia ao BPN 47.149.123 euros. No balanço do BPN de Dezembro de 2011, calculava-se
que metade desse valor, 23.574.561, fosse irrecuperável. Por isso, o banco
estimava perder metade do que emprestou, declarando 50% de “perda por
imparidade”. As contas foram fechadas, auditadas, aprovadas. Porém, um mês
antes da venda ao BIC, este e outros créditos foram alvo de uma mudança
substancial. O fundo Homeland passou a ter uma “taxa de perda” de apenas 25%. E
foi com base neste valor que uma empresa pública, a Parvalorem, criada em
Fevereiro desse ano para “absorver” os valores mais complicados de cobrar,
comprou o crédito ao BPN. Mais caro. Exactamente 11.787.281 euros mais caro do
que previam as contas oficiais.
Tudo
isto aconteceu quando o BPN já era, na prática, do BIC. Funcionários incluídos.
Quer o administrador, quer o técnico que fizeram esta reavaliação já sabiam,
desde Janeiro, que iriam ser contratados pelo banco privado. A mudança de
valores ocorreu imediatamente antes da venda do banco ao grupo luso-angolano,
em 30 de Março de
2012. Mais exactamente, no mês anterior à assinatura do contrato de venda,
no dia 9 de Fevereiro.
Há
vários exemplos como o do fundo de Duarte Lima. As diferentes empresas do universo de
Fernando Fantasia (amigo de infância do Presidente Cavaco Silva) como a
Domurbanis, a Paprefu e a Opi 92, também viram as perdas previstas dos seus
créditos reduzidas em sete milhões de euros (exactamente: 7.008.038 €). Foram
sete milhões que o Estado pagou a mais ao BIC. Tal como os 13 milhões que pagou
a mais pelos créditos devidos pela Aprigius, de Aprígio Santos, empresário do
sector imobiliário da Figueira da Foz. Neste caso concreto, a “imparidade”
baixou de 50% para 30%. Mas esse valor é apenas a ponta do icebergue. A última
avaliação conhecida, de 2015, garante que, afinal, o risco de incumprimento
deste crédito é de 85% - a Parvalorem comprou um crédito que vale menos de 10
milhões de euros por 46 milhões.
O
total destas “imparidades” recalculadas ascende a 107 milhões de euros. O BIC
pagou quando comprou o BPN menos de metade deste valor: 40 milhões de euros.
Pelo banco todo… O movimento no valor das “imparidades” não mexeu apenas no
valor pago pela Parvalorem ao BIC. Houve acertos também nos créditos do BPN que
o BIC manteve na sua carteira – de sentido contrário. Créditos que tinham taxas
de imparidade de 50% e passaram a ter de 75%, isto é, passaram a ser mais
baratos. Tudo isto tem implicações no valor real dos activos, quer do BIC, quer
da Parvalorem. Além do valor nominal de cada crédito há ainda a considerar o
efeito que este cálculo tem na negociação futura com os devedores. “A
negociação ficou muito mais difícil para a Parvalorem, que adquiriu os créditos
com imparidades sobreavaliadas, optimistas, que em muitos casos, como o
Homeland eram perfeitamente impossíveis de atingir”, explica fonte da
Parvalorem.
"Devia
ser do conhecimento da tutela"
Até agora, ninguém sabia explicar o que aconteceu. A ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque enviou uma queixa para a procuradoria-geral da República para que “investigasse como lhe parecesse adequado”.
O
Governo parece ter demorado um ano a perceber que havia qualquer coisa de
errado. Em Maio de 2012, durante a sua audição na comissão de inquérito à venda
do BPN, a então secretária de Estado do Tesouro garantia que a venda ao BIC não
acarretaria custos adicionais relativos à carteira de créditos, uma vez que
esta transacção se fez “líquida de imparidades”. Porém, o Instituto Nacional de
Estatística deu pelo “buraco” no “procedimento por défice excessivo” relativo
ao Orçamento de 2012: “A rubrica de ajustamento ‘assunção de dívidas’
corresponde, em 2012, a uma estimativa dos valores de imparidades associadas à
transferência de activos do BPN para as empresas Parvalorem SA e Parups SA em
Março de 2012, com um impacto de 0,06% do PIB no défice das Administrações
Públicas.”
No
Parlamento, em Julho de 2013, Maria Luís Albuquerque admitiu ter sido mal
informada: “Tinha sido prestada informação no sentido de que a transferência
tinha sido líquida de imparidades. Foi essa a informação que transmiti em sede
de comissão de inquérito, e eu não minto em comissões de inquérito.
Precisamente porque se veio a verificar com o apuramento das contas de 2012 que
a situação não correspondia à verdade, não por minha falta, mas por falta de
informação que me foi transmitida, pedi à PGR que investigasse como lhe
parecesse adequado.”
Fonte
do BIC garante que tudo o que se passou “devia ser do conhecimento da tutela”,
uma vez que os valores recebidos pelo banco privado estavam estipulados num
acordo-quadro assinado em Dezembro de 2011 entre o banco liderado por Mira
Amaral e o ministério das Finanças.
A
queixa apresentada na PGR ainda não produziu qualquer resultado. O PÚBLICO
contactou, na sexta-feira passada, o gabinete de Joana Marques Vidal para saber
o estado actual da investigação. Até à hora de fecho desta edição não recebemos
qualquer resposta. A ministra tinha outra opção, porventura mais simples, e
rápida, de esclarecer o assunto: uma auditoria interna.
O
PÚBLICO começou por contactar o antigo responsável pelo cálculo de imparidades
no BPN, que afirmou desconhecer qualquer alteração ao valor de perdas após o
fecho das contas auditadas de 2011. Ou seja, o anterior responsável não teve
qualquer papel na avaliação que ditou a perda de 107 milhões. Desconhecia-a.
A
única prova de que houve um novo cálculo está num e-mail enviado por
um funcionário do gabinete de imparidades para o contabilista do banco, com a
“versão actualizada da imparidade de crédito do BPN”. O mail foi enviado com
conhecimento do administrador do BPN Rui Pedras e de um auditor externo,
indicado pelo Governo, da Rolland Berger. O contabilista creditou o novo valor
que lhe foi transmitido, no dia 9 de Fevereiro de 2012. Até porque o mail era
imperativo, “para registo contabilístico”, e vinha caucionado pelo
administrador.
Rui
Pedras e o técnico que realizou o novo cálculo foram contratados pelo BIC. Já o
anterior responsável pela área das imparidades ficou na Parvalorem, onde acabou
por ser despedido. O Estado pagou ao BIC pela tal tabela “actualizada” 107
milhões a mais. E o défice subiu, em consequência disso.
O
PÚBLICO tentou contactar o administrador do BIC por telefone e mensagens para
saber quem ordenou a “reavaliação” que foi comunicada ao contabilista, mas não
obteve resposta.
"O
resultado não é o que desejaria"
Maria Luís Albuquerque precisou de justificar o “buraco”, um ano depois, e tentou perceber como o podia fazer com a administração da Parvalorem. Francisco Nogueira Leite, o Presidente do Conselho de Administração, responde-lhe, desta forma, por e-mail, no dia 21 de Fevereiro de 2013: “Compreendo e de facto temos a noção da urgência. O problema é que a reunião ocorrida com os auditores não ajudou muito porque a ideia de ‘reexpressão’ dos 107m€ em relação ao exercício anterior comporta riscos consideráveis: as contas de 2011 foram auditadas, aprovadas em AG [Assembleia-Geral] pelo Estado e apresentadas na Comissão Parlamentar… assumir aquele facto importa riscos.”
A
Parvalorem prometia “passar crédito a crédito e rever cada imparidade”. A
ministra agradeceu, também por mail. No dia seguinte, e já depois de se ter
reunido com a empresa responsável pela auditoria às contas, a Deloitte, a
administração da Parvalorem voltou a alertar Albuquerque para o risco de pôr
“em causa contas auditadas”. “Ora, assumir agora que as contas aprovadas
estavam de facto erradas é mais uma vez pôr tudo em causa”, escreve um
administrador da Parvalorem, preocupado com o efeito dessa notícia sobre “o
papel do próprio accionista Estado” uma vez que não existia “qualquer garantia
de que este valor não é considerado para o défice”. Até porque envolvia
“clientes mediáticos”, como os que descrevemos no início deste texto. Maria
Luís Albuquerque agradeceu “o trabalho efectuado” mas sublinhou: “O resultado
não é o que eu desejaria, mas isso não significa que seja possível fazer
melhor.” No final, a governante coloca uma questão fundamental: As novas contas
“foram validadas pela Deloitte?”
Resposta
no próprio dia da Parvalorem: “A venda dos créditos do BPN à Parvalorem feita
em Março de 2012 não foi auditada pela Deloitte.”
Esta
troca de correspondência termina no dia 8 de Março de 2013, quando os
responsáveis da Parvalorem tiraram uma conclusão lógica: “Apenas sabemos que o
diferencial é favorável ao BPN/BIC.”
Paulo
Pena - Público - Foto: No
Parlamento, em Julho de 2013, Maria Luís Albuquerque admitiu ter sido mal
informada MIGUEL MANSO
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