Rafael
Barbosa – Jornal de Notícias, opinião
1.
O presidente da República está tranquilo. O país não tem um Governo "em
plenitude de funções", mas isso não é razão para alarme. Por um lado, e
como começou por salientar durante a sua crucial visita à Madeira, as bananas
da região estão maiores, o que não pode trazer senão riqueza para a nação. Por
outro lado, como sublinhou mais tarde, não faltam exemplos de governos de
gestão duradouros, sem que a República tenha sido abalada. O próprio Cavaco
Silva é aliás um exemplo vivo de que estar ou não em gestão é uma minudência
que só preocupa mentes frágeis. Esteve assim cinco meses, em 1987, e deu para
assinar os papéis que permitiram a devolução de Macau à China, abrindo mão da
nossa árvore das patacas. Por último, destacou a crucial questão da almofada. Ao
contrário do que sucedeu quando o PS ocupou pela última vez o poder, os cofres
estão cheios. É evidente que a Cavaco não tira o sono que a sua cabeça repouse
em cima de um travesseiro recheado com dinheiro emprestado, ou seja, num monte
de dívida (19 mil milhões de euros). Isso são detalhes. Temos almofada e já
ninguém lhe telefona, a meio da noite, "assustadíssimo" e com
palavras que lhe tiram o sono. As bananas estão maiores, perder a árvore das
patacas não fez diferença, a almofada é fofa. É o testamento de um político
visionário.
2.
Se não é ilegal, tem de passar a ser, dizem Passos Coelho e Paulo Portas. Onde
é que já se viu uma maioria de deputados servir de suporte a um Governo? Não
tarda e os portugueses ainda se convencem que vivem numa democracia
parlamentar. Um absurdo. Repor a normalidade é urgente e nada melhor do que
usar a Lei Fundamental para substituir o voto pela tradição, verdadeiro pilar
de um país decente. Para isso, PSD e CDS contam com a colaboração dos
conselheiros de Cavaco Silva. Nada mais adequado, posto que também ao
presidente desagrada o que lá está escrito. Não sendo um constitucionalista,
atrevo-me a fazer um modesto contributo, propondo que se reformulem pelo menos
dois artigos. Entre parêntesis retos está o que se acrescentaria ou alteraria à
formulação atual. Assim, no artigo 108.º, passaria a ler-se: "O poder
político pertence ao povo e é exercido nos termos da Constituição [cujo
articulado pode ser adaptado em função do resultado eleitoral]". E no
artigo 172.º: "A Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis
meses posteriores à sua eleição e no último semestre do mandato do presidente
da República [exceto em casos de emergência, como o de uma tentativa golpista
de formar um Governo apoiado apenas por partidos de Esquerda]. O articulado da
lei ficaria um pouco maior, reconheço, mas isso pode ser uma coisa boa. Como se
vê pelas bananas.
*Imagem: em Aventar
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