domingo, 14 de fevereiro de 2016

Angola. DO LIXO AO RESGATE DE VALORES EM LUANDA



Filomeno Manaças, Jornal de Angola, opinião

A situação do saneamento básico em Luanda abeirava-se do insustentável. As montanhas de lixo que se formavam em vários bairros da cidade capital já deixavam pairar a ameaça de uma epidemia.

Inconformados, os luandenses acompanhavam com preocupação o estado de inacção que tomou de assalto as entidades que tinham por obrigação cuidar de um sector vital para a saúde da capital.

As iniciativas de alguns munícipes e as campanhas de limpeza, levadas a cabo por cidadãos conscientes do perigo que o lixo representa para a qualidade de vida em sociedade, revelaram-se manifestamente insuficientes para as toneladas de desafios que os resíduos sólidos produzidos por Luanda em si encerram.

Era preciso sacudir esse estado de coisas! A nomeação do general Higino Carneiro para governador de Luanda trouxe a esperança que estava a ser perdida, numa batalha de desinteligências em que o lixo e as doenças estavam a ganhar terreno.

A sua entrada em cena, marcada pela capacidade de inversão, em pouco tempo, do quadro de crise na recolha do lixo urbano, pela recusa que o poder esteja na rua e pela defesa do seu exercício efectivo e pleno pelas administrações municipais, responsabilizando os agentes do Estado que não cumpram com o que lhes está legalmente incumbido ou que exorbitem nas suas competências, abre expectativas quanto ao início de um período de gestão de Luanda pautado pela introdução de mudanças firmes, assentes em bases seguras, susceptíveis de impedir a repetição de erros.

Luanda não pode regredir nos seus propósitos de ser uma capital moderna e funcional, ao nível das melhores práticas e padrões internacionais.

Critique-se o governador por anunciar publicamente a demissão de alguns dos seus inferiores hierárquicos antes de traduzida em acto administrativo a sua intenção, mas a verdade é que isso parece ter um efeito moralizador, tendo em conta as razões que são avançadas como justificação, numa Luanda de múltiplos e complexos problemas, onde o resgate de valores perdidos é uma tarefa urgente. E quando se fala de resgate de valores não se pense apenas no dançar o Carnaval fazendo recurso à tradição, aos estilos de dança que se celebrizaram e fizeram da capital um centro de irradiação de cultura nacional. A constatação, o diálogo directo com a população, o levantamento das situações, a resolução pontual e imediata dos problemas que se arrastavam como se não houvesse solução para os mesmos - como é o caso da munícipe da Quiçama, que teve de esperar pela presença do governador para ver a sua questão resolvida, pois os administradores furtavam-se a fazê-lo, passando a bola uns aos outros -, permitem descortinar um estilo de governação que Luanda precisa que seja posto em prática de modo transversal. E isso também é resgatar valores.

De facto, houvesse incursões frequentes do género a várias áreas de serviço e talvez tivéssemos uma melhor prestação em muitas delas, até mesmo para incentivar uma outra dinâmica e induzir uma atitude mais responsável, evitando-se assim situações em que, quando a imprensa aparece a denunciá-las, o primeiro pensamento que ocorre ao titular do cargo é o de que há uma “perseguição” e alguém quer apeá-lo das funções. Essa forma de pensar tem também estado a contribuir, e grandemente, para entravar o normal funcionamento de alguns sectores de actividade, não apenas da administração pública, até mesmo ali onde sabemos que pode haver soluções sem grandes recursos, sem qualquer recurso extraordinário, bastando apenas que se melhore a organização do trabalho e o atendimento ao público.

E a verdade é que a inércia e a falta de solução para alguns problemas dos cidadãos, que felizmente não são um traço generalizado, mas que podemos observar em alguns sectores da administração local, são muitas vezes passadas, em termos gerais, como uma imagem negativa que acaba por ser imputada ao Executivo e, por arrasto, ao partido que o sustenta, a quem é atribuído o ônus pelo mau funcionamento dos serviços. Diga-se de passagem que incorrectamente, primeiro porque nenhum partido se propõe governar mal, segundo porque nem todos os funcionários públicos são militantes dessa formação política e terceiro porque exige-se - e a administração pública prima para que seja sempre assim - que a competência técnica seja o critério para o ingresso de quadros nos seus serviços.

Mas é o lixo que deu o mote a esta prosa. A recolha de lixo é negócio rentável. O seu tratamento e aproveitamento não o é menos. A tecnologia e os conhecimentos evoluíram de tal modo que o lixo é hoje um segmento de mercado. Emprega milhares de pessoas, envolve recursos humanos e meios habilitados. É um dos sectores onde os investimentos em know how e pesquisas permanentes permitiram fazer surgir do nada uma indústria promissora e amiga do ambiente.

Os conceitos evoluíram e hoje, para nossa felicidade e da humanidade em geral, pode-se dizer que “nem tudo é lixo”. Bem gerido e de acordo com as técnicas mais modernas, o lixo pode ser hoje reaproveitado para os mais diversos fins e benefícios, permitindo reutilizar e reintroduzir na actividade produtiva e no comércio bens e serviços que antes eram pura e simplesmente ignorados, desperdiçados. Por essa via muitos países conseguem economizar na aquisição de matéria-prima, por um lado, e, por outro, fecham, assim, o ciclo da sua máxima exploração.

É tanta coisa que se pode fazer hoje com o lixo que não passa pela cabeça de muita gente que o seu reaproveitamento pode ir desde a produção de plástico, de papel, até ao fabrico de fertilizantes.

Temos, também nós, de pensar e agir nesses termos, porque assim estaremos, de igual modo, a contribuir para a diversificação da economia.

É óbvio que isso requer da sociedade substanciais mudanças de comportamento, do cidadão e munícipe, sobretudo, uma outra postura, e do Governo os meios adequados à prossecução desses fins, sem descurar o indispensável papel que a imprensa, em sentido lato, é chamada a desempenhar.

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