As
constantes falhas de luz eléctrica também constam nas reclamações dos utentes
dos serviços de saúde
Borralho
Ndomba – Rede Angola
A
falta de materiais básicos nos hospitais públicos constitui uma preocupação dos
populares que beneficiam dos serviços de saúde. Os materiais gastáveis como as
luvas, compressas e seringas são os que mais estão em falta nas principais
unidades sanitárias de Luanda.
Durante
a ronda que o Rede Angola efectou pelas principais unidades de saúde
da capital do país, as queixas apresentadas pelos utentes foram quase
semelhantes. Atraso no atendimento, negligência e principalmente a falta de
fármacos.
Terça-feira,
12 de Janeiro, o sobrinho de Teresa Chaves completava três dias na sala de
internamento do Hospital do Prenda. O menino Paulo Chaves padecia de uma doença
respiratória. Eram 9h, Teresa encontrava-se entre os carros no estacionamento
do hospital, ao lado de outras pessoas que, voltadas para a sala de espera,
aguardavam pela hora das visitas.
“O
serviço prestado é bom. Mas o maior problema é que o hospital encontra-se sem
medicamentos”, afirmava.
O
serviço de saúde no país é gratuito, segundo as autoridades, mas, na prática,
os cidadãos, principalmente os que têm dificuldades financeiras, são obrigados
a pagar preços altos para se livrarem de certas doenças, até mesmo do
paludismo.
As
unidades só têm homens para prestar assistência médica. Medicamentos nem vê-los.
Os pacientes são obrigados a recorrer às farmácias, como explicava Teresa:
“Para termos acesso aos medicamentos, o médico passou-nos a receita e fomos à
farmácia”.
Julieta
Matateu também tinha o pai doente no Hospital do Prenda. Infecção pulmonar foi a
doença que os médicos diagnosticaram ao progenitor da jovem de 29 anos,
moradora do bairro Rocha Pinto.
Em
conversa com o RA, Julieta disse que quando chegou com o pai ao banco de
urgência, não tinha dinheiro para comprar medicamentos. Quando a informaram que
não havia fármacos, teve medo pelo pai e implorou a uma das enfermeiras que
procurasse no stock para lhe emprestar e que lhe devolveria no
dia seguinte. Mas a enfermeira garantiu-lhe que não havia.
“Ontem
como o meu pai estava muito aflito, pedi à enfermeira que estava a lhe
acompanhar, que verificasse no stock, se tivesse a mesma ampola
orientada pelo médico, para que nos emprestasse e que iríamos devolver noutro
dia. Mesmo assim ela disse que no stock não tinha nenhum
medicamento devido a crise económica”, contou.
O pai
de Julieta Matateu só podia ser assistido no caso de ter a ampola de
amoxicilina que o seu irmão comprou horas depois no valor de Kz 2000, numa das
farmácias que está junto do hospital.
Enquanto
conversamos, uma senhora aparentando pesar uns 90 quilos, cansada de esperar
pela hora de o irmão ser atendido, aproveita a ajuda de uma outra mulher para
carregar às costas o homem, que podia ter 45 anos, magrela e sem forças
para andar.
Ao
deixarem o hospital do Prenda, o homem lamenta-se por ser carregado em pleno
dia por uma mulher: “Um homem como eu ser levado nas costas no meio de toda a
multidão!”, exclamou. Ao que a mulher respondeu: “Não posso te deixar assim.
Sou sua irmã, tenho que fazer isso por ti”.
Hospital
Municipal da Samba
Inaugurado
em Junho de 2011, pelo ministro da Saúde, José Van-Dúnem, localizado na vila da
Gamek nas imediações da escola Comandante Pedale, o Hospital Municipal da Samba
acolhe pacientes que vêm dos bairros Golfe, Benfica, Talatona, Fubu, Dangereux,
Morro Bento e Rocha Pinto.
Nesta
unidade de saúde, as constantes falhas de luz eléctrica constam entre as
reclamações dos utentes. Para não mencionar a questão da falta de
seringas, luvas, compressas e antipalúdicos.
“Estou
aqui desde ontem, não me atenderam porque não tinham energia. Saí daqui com
fortes dores de cabeça. Já recebi a minha ficha de espera. Se não me atenderem
vou comprar medicamentos e vou tomar para aliviar a dor que estou a sentir”,
desabafou Domingos, estudante de 22 anos.
Paulino
João, de 33 anos, morador no Benfica, trabalha numa unidade hoteleira
localizada no centro da cidade Luanda. No dia 4 de Janeiro, acompanhado de uma
transferência passada pelo centro médico da comuna onde reside, dirigiu-se ao
Hospital da Samba para ver se conseguia livrar o seu filho de cinco anos da
hemorragia nasal.
Passou
o dia todo à espera de atendimento. Paulino chegou as 6h ao hospital, até às
16h seguia sem ser ter contacto com nenhum médico. Nessa altura, uma das
catalogadoras informou-o que o o médico só prestaria assistência ao filho no
dia 10 de Janeiro, data em que a nossa reportagem esteve no local.
Com
a transferência e a ficha de espera, disseram-lhe que não havia luvas no
hospital. E foram os próprios funcionários que lhe indicaram onde poderia comprá-las.
Neste caso, a um jovem no portão do hospital.
“Acho
que hoje vou ser atendido”, contou Paulino, com ânimo de desespero. “Já comprei
as luvas. disseram-me que o hospital não tem e indicaram-me um jovem que vende
o material por Kz 100 aí na entrada do hospital”, afirmou.
Um
enfermeiro que não quis ser identificado confirmou a escassez dos medicamentos.
“Na verdade o hospital está sem os matérias gastáveis porque a direcção central
não está a nos fornecer. Os principais materiais que estão em falta são as
seringas, as luvas e também as compressas”, disse.
Negligência
resulta em três mortes
No
mês de Janeiro, uma doença não identificada matou em dias seguidos três pessoas
da mesma família. Os pais das crianças que faleceram no Hospital Municipal do
Sambizanga alegaram que o atraso no atendimento e a falta de luz eléctrica
contribuíram para o triste acontecimento.
Segundo
a mãe, a unidade de saúde, inaugurada a 28 de Agosto de 2012, pelo Presidente
da República, dispõe de dois geradores industriais, embora na altura a falta de combustível
os impedisse de trabalhar.
A
progenitora das meninas de 11, 13 e 15 anos, foi obrigada a comprar uma
lanterna numa das cantinas próximas do hospital para que as filhas fossem
assistidas pelo trabalhadores de saúde.
“Um
hospital daquele com dois geradores, não tem combustível?”, questionou a mãe
que chorava ao falar aos microfones da TV Zimbo, lamentando depois a fraca
qualidade dos serviços de saúde em Angola: “A pessoa que tem paciente é que
deve comprar a lanterna para o seu parente receber o tratamento. Isso não é
justo!”
Bloco
operatório encerrado por falta de analgésicos
O
problema não afecta somente os o hospitais e centros médicos da capital do
país. Na província do Bengo, o Rede Angola constatou que devido à
falta de analgésicos, o bloco operatório do Hospital Municipal da Barra do
Dande está há mais de três meses sem funcionar.
Um
funcionário daquela a unidade, que atende pacientes de algumas localidades da
província e de alguns bairros de Luanda, contou ao RA que a falta de
medicamentos é uma situação que preocupa tanto os utentes que já nem vão ao
hospital. Normalmente, os pacientes não têm condições financeiras
para comprar nem um paracetamol.
“Até
hoje o bloco não está a funcionar porque não tem anestesias. Por conta disso os
médicos-cirurgiões foram transferidos para o hospital central do Bengo. O bloco
só vai voltar a funcionar quando tiver condições”, revelou uma fonte
do hospital.
A
mesma fonte revelou que há vezes em que os pacientes são assistidos à luz de
vela ou lanterna, tudo por causa da falha constante de energia eléctrica. Em
alguns momentos, o hospital fica sem água para lavar os materiais e também
para a ser utilizada nas casas de banho.
Em
Março de 2015, o director do hospital da Barra do Dande, João das Necessidades
Fernandes, suspendeu a realização de consultas externas devido a uma ruptura na
canalização de água, situação que impedia o funcionamento das casas de banho,
de acordo com a Angop. No entanto, de acordo com a nossa fonte, o
problema da falta de medicamentos, água e luz é constante: “Quando tinha
medicamentos dava-se de favor, agora não tem mesmo nada”.
Rupturas
de “stock” ou será sempre assim?
O
Hospital Josina Machel, também conhecido por Maria Pia, o maior do país, não
regista a falta de medicamentos por ser o regional, de acordo com um
dos enfermeiros. Porém, pela ronda que o RA fez, foi fácil observar
as irregularidades. No banco de urgência que está constantemente cheio, muitos
pacientes estavam a ser assistidos no chão, o laboratório sujo, sem ar
condicionado e, com a temperatura alta, os técnicos, alguns socorrendo-se de
lenços de papel, queixavam-se do calor.
Um
menino de 12 anos, acabado de sair da ortopedia com gesso na perna direita,
visto que o hospital não lhe deu a cadeira de rodas que pudesse transportá-lo
até a saída do hospital, precisou da ajuda do irmão que também teve
dificuldades para escalar os degraus.
O
mesmo enfermeiro, que pediu anonimato, disse que o excesso de procura faz
com que os pacientes sejam atendidos dessa forma. “Talvez seja a demanda do
pessoal. No hospital não tem problemas de macas, nem de medicamentos. Estes
problemas registam-se mais nos hospitais municipais, no Josina Machel, como é
regional, o ministério resolve de imediatos os problemas”, contou.
Os
populares que recorrem ao Hospital Geral de Luanda também se queixam dos mesmos
problemas. A reportagem RA procurou os responsáveis da unidade para
darem explicações sobre assunto mas não teve sucesso.
O
médico Carlos Van-Dúnem, que no mês de Janeiro ocupava o cargo de director
clínico do Hospital do Prenda, foi o único responsável que se disponibilizou a
falar sobre as denúncias apresentadas pelos populares sobre a falta de
medicamentos nos hospitais públicos.
Segundo
o Carlos Van-Dúnem, apesar do país estar atravessar um período difícil, as
unidades de saúde continuam a oferecer os seus serviços. A inexistência dos remédios
que os doentes apontam é resultado da má comunicação entre os funcionários e os
pacientes, além de quebras na farmácia.
“Se
eventualmente eles vieram e não houve, quer dizer que terá havido uma ligeira
quebra no stock e depois repomos. Se tivéssemos que esperar que o
paciente comprasse os medicamentos, penso que o hospital já teria parado de
funcionar”, explicou. “O que é mínimo para o atendimento do pacientes, nós
temos. Os medicamentos para o tratamento daquelas patologias que mais
recebemos, como a malária, nós temos, temos o quinino, temos os soros. Por
vezes, acontece uma ruptura quando há muitos pacientes, nomeadamente quando há
acidente, o que pode provocar um incómodo no atendimento”, acrescentou.
O
médico garantiu que não é comum indicar aos doentes e aos familiares que devem
comprar os fármacos. São os próprios pacientes, referiu, que se oferecem para
comprar, o hospital só aceita quando está sem reserva.
“Isso
porque a enfermeira ou o médico disse que não há luvas. Às vezes é porque as
pessoas não procuram as coisas dentro do hospital no sítio certo. Às vezes há
ruptura no banco de urgência e se forem ao bloco do hospital podem encontrar os
tais materiais gastáveis. De uma forma geral, os próprios familiares dos
doentes oferecem-se para comprar isto ou aquilo e quando nós já estamos no
limite dos limites, até aceitamos”, afirmou.
Funcionários
de farmácias localizadas próximas dos hospitais confirmam receberem receitas
médicas dos hospitais públicos. E há quem diga que a questão da falta dos
medicamentos também se verifica nas clínicas privadas, onde a assistência
médica custa caro. “Já recebi receitas da Multiperfil e até da clínica
Girassol” de pessoas à procura “de medicamentos baratos”, contou Joana António.
Nas
imediações do Hospital Geral de Luanda, nas três farmácias que o RA visitou,
em todas já se atenderam pacientes vindos do hospital com receitas médicas.
O
preço dos remédios variam consoante a localidade e a origem dos próprios
medicamentos. Nas farmácias que comercializam somente produtos portugueses, os
fármacos são mais caros. Já os do grupo Shalina são mais acessíveis.
A
funcionária da farmácia que está junto ao hospital geral negou-se a revelar
o preço dos produtos, mas sempre disse que a maior parte dos paciente do
hospital chegam para comprar materiais básicos que deveria ser os serviços de
saúde a fornecer. “Os pacientes vêm procurar arteméter de 80 mg, que serve para
o tratamento do paludismo, vêm procurar sistemas, soros, algodão, e
outras coisas que o hospital devia ter”, disse.
“Isso
é uma brincadeira de mau gosto”, comentou uma outra senhora que entrou na
farmácia para comprar uma lâmina de vitamina C a Kz 200. Para Paula
Martins, doméstica de 37 anos, a pergunta é muito simples: “Como é que um
hospital grande como este, construído com dinheiro do Estado não tem
medicamento? Onde vai o dinheiro disponibilizado para o serviço de saúde?”
Foto:
Sala de internamento do Hospital Municipal da Sambizanga / Ampe Rogério
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