Expresso
das Ilhas, editorial
O
Primeiro-ministro José Maria Neves anunciou que vai a Luxemburgo nos próximos
dias à procura de fundos para investir em vários projectos para as ilhas do
Norte. Promete que depois no âmbito de um Afroverde 2 será a vez de projectos
nas ilhas do Sul. Pena que esteja a organizar essas ofensivas de atracção de
investimento estrangeiro para Cabo Verde no fim dos seus 15 anos de governação.
Pena ainda que esteja a disponibilizar-se para isso quando já ficou evidente
que está-se a inverter o sentido da movimentação de capitais ao nível mundial.
No fim da semana passada o chamado banco central dos bancos centrais, o BIS,
deixou entender que se iniciava um novo ciclo em que o volume de capitais
vindos dos países emergentes em direcção aos países desenvolvidos era superior
em muitos bilhões de dólares ao que se dirigia em sentido contrário.
Quando,
em vésperas de eleições legislativas, Cabo Verde parece acordar para a
necessidade de conseguir capitais estrangeiros para financiar a sua economia, é
precisamente o momento em que o mundo dá a impressão de estar mais uma vez à
beira de uma recessão. Vários acontecimentos como, por exemplo, a brusca
travagem no crescimento da China, a queda dos preços de petróleo, as
dificuldades crescentes dos países emergentes designadamente dos BRICS com
excepção da Índia, o aumento da taxa de juros nos Estados Unidos e as
persistentes dificuldades da União Europeia com o euro e o problema das
migrações não auguram nada de bom para a economia mundial. Economistas de
renome falam de crises da dívida soberana em países que recentemente se
endividaram no processo de investimento em infraestruturas e capacidade
produtiva para responder à então demanda global e agora se vêem em dificuldades
em servir a dívida numa conjuntura de alta do dólar e de diminuição brusca da
procura de diferentes commodities.
Cabo
Verde desperta agora para atrair capitais externos depois que de um sono em que
se auto- induziu fazendo acreditar e acreditando desde a crise financeira de
2008 que o capital estrangeiro tinha desaparecido. A realidade é que só
desapareceu o capital especulativo na imobiliária turística. Muito outro
capital ficou disponível, mas naturalmente ou se dirigia para os países com
matérias-primas e outros produtos em grande procura ao nível global ou então
investia em países com uma excelente competitividade externa e com um bom
ambiente de negócios. É evidente que Cabo verde pela sua pobreza em recursos
naturais não pertence ao primeiro grupo. Mas também por não ser competitivo nem
ter um bom ambiente de negócios dificilmente podia constituir um porto seguro e
lucrativo para o investimento directo estrangeiro.
De
qualquer forma o governo não estava para aí virado. Durante anos manteve a sua
linha de governação conseguindo crédito e investindo em infraestruturas de
valor e utilidade duvidosos e em que a relação custo/benefício não trazia
qualquer conforto. Mesmo quando se tornou claro que a economia não arrancava
apesar dos milhões investidos, o crowding in de investimento nacional e
estrangeiro não acontecia e que o desemprego não caía como desejado e prometido
continuou a insistir que a culpa estava na crise financeira internacional. Lá
fora a liquidez dos mercados financeiros era enorme com as políticas dos banco
centrais de injecção de dinheiro na economia. Pouco ou nada chegava a
Cabo verde porque nas condições existentes do país não se via onde e porquê
investir cá.
Culpabilizar
o outro pelo mal ou as dificuldades da vida é um jogo que já vem custando caro
a Cabo Verde a todos os níveis. A perda de perspectiva da realidade é uma das
suas principais consequências. Nas proximidades de mais um pleito eleitoral é
crucial colocar na devida perspectivas as promessas eleitorais postas em cima
da mesa. Há quem fale agora em priorizar o emprego numa perspectiva linear como
se o desenvolvimento se fizesse em etapas pré-estabelecidas e tivessem momentos
certos para acontecer. O desenvolvimento porém é muito concreto. As pessoas
precisam ter um rendimento digno, ter possibilidade de escolha na organização
da sua vida e encontrar o ambiente certo para dar vazas à sua imaginação,
exercitar a sua iniciativa e saciar as suas ambições.
Coarta-se
tudo isso quando os agentes do Estado se colocam em posição de serem
arrecadores/distribuidores de tudo e não de facilitadores/reguladores do
progresso social e económico. A população é tornada submissa e passiva. Num
ambiente desses ninguém vê necessidade para atrair capital estrangeiro.
Exportações de bens e serviços não são vistas como prioridades. Confunde-se
deliberadamente meios com produção, produção com vendas, produtos que não são
transaccionáveis com os transaccionáveis. Enquanto durar a ajuda externa tem-se
a ilusão do desenvolvimento. Quando a realidade muda, vêem-se as consequências:
o rendimento decresce, aumentam os riscos macroeconómicos, a perspectiva de
emprego perde-se e cada vez fica mais difícil libertar-se da modorra que
contamina a todos.
Uma
outra atitude voltada para o mundo precisa-se. O país que escolhe um novo
governo para os próximos cinco anos a 20 Março tem a oportunidade de se
reconduzir para o caminho da realidade. Através do confronto democrático de
ideias e projectos certamente vai encontrar o caminho para garantir liberdade,
felicidade e progresso para todos.
Sem comentários:
Enviar um comentário