Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
1.
É um facto bem conhecido que a globalização económica e as relações de
interdependência crescente - aceleradas pelas novas tecnologias e por distintas
experiências de integração regional - vieram, nas últimas décadas, impor
múltiplos condicionamentos à autonomia real dos estados. Essa autonomia,
originalmente construída por filósofos e juristas como um "poder
soberano", é ainda o fundamento do direito internacional e das democracias
modernas, onde a "soberania popular" se transformou em princípio constitucional
e fundamento da legitimidade de todo o poder político.
2.
Inversamente, os novos poderes emergentes nas áreas económicas e nos mercados
financeiros ampliaram a sua influência à margem das fronteiras territoriais e
ameaçam hoje as instituições, as garantias e os valores que arduamente tinham
logrado proteção nas instituições públicas do Estado de Direito.
Consequentemente, fica perturbado o próprio sentido da representação
democrática perante a desresponsabilização objetiva dos eleitos. As escolhas
políticas dos cidadãos tornam-se irrelevantes e destrói-se a legitimidade do
poder político, abrindo as portas ao populismo e às tentações autoritárias.
3.
Na União Europeia manifestam-se hoje perigosamente todos esses sintomas, em
consequência da crise económica e financeira, que persiste, mas também como
resultado das insuficiências do processo de integração política e da concepção
defeituosa da arquitetura da União Monetária, numa Europa tão obcecada com o
combate ao défice orçamental que se esqueceu de um outro problema muito mais
grave e premente, de que verdadeiramente depende o seu futuro: o défice
democrático!
4.
As instituições atuais da União Europeia não dispõem de autoridade política
suficiente para compensar os egoísmos nacionais, para contrapor às violações da
liberdade de circulação promovidas por alguns estados-membros, ao preconceito e
à agressividade contra os estrangeiros, cultivados por movimentos da
extrema-direita e corroborados pelas políticas prosseguidas impunemente pelos
governos da Hungria, da Polónia, da República Checa, da Eslováquia e até,
recentemente, pelo parlamento da Dinamarca! Os elevados níveis de
interdependência política que a União já atingiu, agravados pela
excepcionalidade da situação crítica que atualmente enfrenta, reclamam uma
legitimidade política que não está ao alcance da Chanceler alemã ou de outro
chefe de governo de qualquer Estado-membro.
5.
Nem o Conselho nem a Comissão Europeia gozam da legitimidade política
indispensável para exigir aos povos da periferia meridional da União,
flagelados pelos efeitos assimétricos do euro e pelas políticas de austeridade
impostas pelos credores internacionais, os mais duros sacrifícios. A Alemanha
não consegue, nem sequer pelo seu exemplo, impor aos vizinhos do Leste o respeito
devido aos tratados que subscreveram. Os burocratas da Comissão não conseguem
garantir os fundos requeridos pelo programa de estímulo ao emprego e ao
crescimento económico prometido pelo seu Presidente. O Banco Central Europeu
responde penosamente às súbitas emergências financeiras provocadas pela
ganância especulativa dos mercados internacionais.
6.
Perante a desesperada vaga de refugiados que bate à nossa porta, a Europa
propõe-se discutir a criação de uma "guarda costeira" para combater
os traficantes, pondera novas limitações à soberania territorial dos
estados-membros, para castigar os gregos, e prepara-se para implorar a
intervenção "redentora" da NATO como paliativo para a sua hipócrita
demissão.
7.
Não basta denunciar as faltas de solidariedade que quotidianamente
testemunhamos. Para conseguir a autoridade que lhe falta, a Europa precisa de
mais democracia!
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