Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
Em
dezembro de 2012 publiquei, aqui, uma crónica intitulada, "A Casa da
Música é nossa!". Valeu-me tal ousadia o "saneamento político"
do "Conselho de Fundadores" que até aí integrava em representação do
Estado, por decisão do secretário de Estado da Cultura, apesar de o seu
antecessor, Francisco José Viegas, me ter confirmado nessas funções graciosas.
Nunca abordei publicamente o assunto, mas a precipitação de Barreto Xavier, em
socorro do ex-diretor do CCB, lembrando que todos os anteriores diretores tinham
ali cumprido os mandatos até ao fim, peca por clamorosa incoerência. Quando ele
me convidou a pedir a demissão, recusei, porque entendia que a minha denúncia
da quebra do compromisso por ele assumido de respeitar o paralelismo da Casa da
Música com o CCB (!), nos critérios de financiamento público, correspondia à
minha visão da defesa dos interesses do Estado. Mas disse-lhe que compreendia
que ele tivesse outra opinião e que não reclamaria da minha demissão... caso
ele assim decidisse. O que ele prontamente fez!
Com
o PSD e o CDS exclusivamente concentrados nas eleições internas, o debate na
especialidade do Orçamento Geral do Estado, prolonga-se penosamente em longas
sessões parlamentares, de reduzido proveito. Os contributos positivos devem-se,
praticamente, apenas aos partidos da Esquerda, que intervieram na preparação da
proposta do Governo e o aprovaram já, na generalidade. Por seu turno, o PSD e o
CDS, que se recusam a apresentar alternativas, aproveitam a oportunidade para
longos exercícios retóricos que despudoradamente recuperam todos os argumentos
que ouviram à Oposição nos longos quatro anos da passada legislatura, como se
nunca tivessem governado o país! Exigem, agora, que se requalifiquem serviços e
equipamentos que, antes, tencionavam extinguir. Reclamam, por exemplo, a
eletrificação urgente da linha ferroviária do Oeste que, quando eram Governo,
tinham decidido suprimir! Continuam a denunciar o "despesismo" da
Esquerda mas, simultaneamente, acusam o nosso orçamento de promover mais
austeridade. O PSD e o CDS dizem uma coisa para logo de seguida afirmar o
contrário, ao sabor das conveniências das suas campanhas internas, numa
tentativa histérica de apagamento da memória e de manipulação descarada dos
seus eleitores.
Não
se trata apenas de uma singularidade doméstica. Estes paradoxos são,
desgraçadamente, um trágico sinal dos tempos confusos que vivemos. Os Estados
Unidos da América deram uma contribuição decisiva para a vitória da liberdade e
da democracia na II Guerra Mundial. Contudo, o mais verosímil, embora
inesperado, candidato do Partido Republicano às eleições presidenciais deste
ano - Donald Trump - atreveu-se a invocar Mussolini, o ditador fascista da
Itália, em abono das suas promessas eleitorais, e até aceitou o apoio de um
antigo dirigente da Ku Klux Klan - uma organização terrorista da
extrema-direita americana, defensora da "segregação racial" e da
supremacia "do homem branco".
Na
União Europeia, inventam-se as "dívidas soberanas" para abandonar à
sua sorte os povos do Sul, fustigados pela crise financeira internacional, em
nome das obrigações impostas por uma leitura enviesada do "Tratado
Orçamental", ao mesmo tempo que se esquece a força juridicamente
vinculante da Carta dos Direitos Fundamentais que impõe elementares deveres de proteção
dos cidadãos europeus e todos os seres humanos de qualquer origem ou
nacionalidade. Enquanto dezenas de milhares de refugiados se continuam a
acantonar junto às fronteiras da Grécia, em crescente desespero, na
"União" ergueram-se muralhas, discutem-se quotas de acolhimento numa
competição de cínico egoísmo ou debate-se a configuração de uma "guarda
costeira" nas fronteiras externas - para intervir, se necessário, à
revelia das autoridades nacionais - a pretexto do combate contra os traficantes
de seres humanos.
O
"ocidente" que tanto fomentou a instabilidade em nome da liberdade e
da democracia - no Iraque, no Irão, na Síria ou na Ucrânia - procura agora a
colaboração dos antigos "inimigos" para enfrentar a tragédia
humanitária de que é cúmplice. O cessar-fogo, na Síria, não transporta ainda o
anúncio da paz. Mas pode ser um pequeno passo e uma oportunidade de perdão.
*Deputado
e professor de Direito Constitucional
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