quinta-feira, 3 de março de 2016

Portugal. DE PERNAS PARA O AR...



Pedro Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião

Em dezembro de 2012 publiquei, aqui, uma crónica intitulada, "A Casa da Música é nossa!". Valeu-me tal ousadia o "saneamento político" do "Conselho de Fundadores" que até aí integrava em representação do Estado, por decisão do secretário de Estado da Cultura, apesar de o seu antecessor, Francisco José Viegas, me ter confirmado nessas funções graciosas. Nunca abordei publicamente o assunto, mas a precipitação de Barreto Xavier, em socorro do ex-diretor do CCB, lembrando que todos os anteriores diretores tinham ali cumprido os mandatos até ao fim, peca por clamorosa incoerência. Quando ele me convidou a pedir a demissão, recusei, porque entendia que a minha denúncia da quebra do compromisso por ele assumido de respeitar o paralelismo da Casa da Música com o CCB (!), nos critérios de financiamento público, correspondia à minha visão da defesa dos interesses do Estado. Mas disse-lhe que compreendia que ele tivesse outra opinião e que não reclamaria da minha demissão... caso ele assim decidisse. O que ele prontamente fez!

Com o PSD e o CDS exclusivamente concentrados nas eleições internas, o debate na especialidade do Orçamento Geral do Estado, prolonga-se penosamente em longas sessões parlamentares, de reduzido proveito. Os contributos positivos devem-se, praticamente, apenas aos partidos da Esquerda, que intervieram na preparação da proposta do Governo e o aprovaram já, na generalidade. Por seu turno, o PSD e o CDS, que se recusam a apresentar alternativas, aproveitam a oportunidade para longos exercícios retóricos que despudoradamente recuperam todos os argumentos que ouviram à Oposição nos longos quatro anos da passada legislatura, como se nunca tivessem governado o país! Exigem, agora, que se requalifiquem serviços e equipamentos que, antes, tencionavam extinguir. Reclamam, por exemplo, a eletrificação urgente da linha ferroviária do Oeste que, quando eram Governo, tinham decidido suprimir! Continuam a denunciar o "despesismo" da Esquerda mas, simultaneamente, acusam o nosso orçamento de promover mais austeridade. O PSD e o CDS dizem uma coisa para logo de seguida afirmar o contrário, ao sabor das conveniências das suas campanhas internas, numa tentativa histérica de apagamento da memória e de manipulação descarada dos seus eleitores.

Não se trata apenas de uma singularidade doméstica. Estes paradoxos são, desgraçadamente, um trágico sinal dos tempos confusos que vivemos. Os Estados Unidos da América deram uma contribuição decisiva para a vitória da liberdade e da democracia na II Guerra Mundial. Contudo, o mais verosímil, embora inesperado, candidato do Partido Republicano às eleições presidenciais deste ano - Donald Trump - atreveu-se a invocar Mussolini, o ditador fascista da Itália, em abono das suas promessas eleitorais, e até aceitou o apoio de um antigo dirigente da Ku Klux Klan - uma organização terrorista da extrema-direita americana, defensora da "segregação racial" e da supremacia "do homem branco".

Na União Europeia, inventam-se as "dívidas soberanas" para abandonar à sua sorte os povos do Sul, fustigados pela crise financeira internacional, em nome das obrigações impostas por uma leitura enviesada do "Tratado Orçamental", ao mesmo tempo que se esquece a força juridicamente vinculante da Carta dos Direitos Fundamentais que impõe elementares deveres de proteção dos cidadãos europeus e todos os seres humanos de qualquer origem ou nacionalidade. Enquanto dezenas de milhares de refugiados se continuam a acantonar junto às fronteiras da Grécia, em crescente desespero, na "União" ergueram-se muralhas, discutem-se quotas de acolhimento numa competição de cínico egoísmo ou debate-se a configuração de uma "guarda costeira" nas fronteiras externas - para intervir, se necessário, à revelia das autoridades nacionais - a pretexto do combate contra os traficantes de seres humanos.

O "ocidente" que tanto fomentou a instabilidade em nome da liberdade e da democracia - no Iraque, no Irão, na Síria ou na Ucrânia - procura agora a colaboração dos antigos "inimigos" para enfrentar a tragédia humanitária de que é cúmplice. O cessar-fogo, na Síria, não transporta ainda o anúncio da paz. Mas pode ser um pequeno passo e uma oportunidade de perdão.

*Deputado e professor de Direito Constitucional

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