Adelino
Cardoso Cassandra*, opinião
Um
colega meu, perguntou-me, com um tom meio sério, meio jocoso, se eu conhecia o
Pinto da Costa. Sem pensar, questionei-o, de chofre, se ele se referia ao
presidente do Futebol Clube do Porto. Ele riu-se, deu-me uma palmadinha nas
costas e rematou: «… Não, pá! Aquele que se vai candidatar ao cargo de
presidente da república do teu país». Disparei, de seguida: «Ele é presidente
da república e, que eu saiba, não é, ainda, candidato à reeleição nem sei se o
será». Ele, meio atrapalhado, refez-se em explicações, pois não sabia que o
presidente da república do meu país era o Pinto da Costa, e remeteu as causas,
para a manifestação da referida ignorância, ao facto de ter lido ou ouvido algo
na comunicação social, relacionado com o assunto em causa, que indiciava uma
eventual recandidatura do atual presidente da república. Aproveitei a ocasião,
durante alguns minutos, para lhe informar sobre os nomes dos protagonistas dos
diversos órgãos de soberania do país bem como a arquitetura básica do nosso
ordenamento jurídico-constitucional.
Tudo
isto vem, agora, a propósito, tendo em conta a forma como os diversos líderes
partidários têm gerido a questão das eleições presidenciais que se realizarão
brevemente no país.
O
Pinto da Costa que alguns líderes partidários e respetivas claques, reclamam
não querer, mais uma vez, como candidato, ao referido cargo, transformou-se,
por paradoxal que pareça, nos órgãos de comunicação social, nacionais e
estrangeiros, na principal referência destas eleições. É dele que se fala, por
melhores e piores razões. É ele que, aparente e surpreendentemente, ainda
coordena as tropas, como um velho capitão de Danço Congo, e condiciona os
movimentos e passos alheios.
Todos
os dias aparecem notícias relacionadas com a provecta idade do senhor, eventualmente
inibidora para o cumprimento de obrigações relacionadas com a função em causa.
Outros,
pelo contrário, nas referidas notícias, defendem que ele é, provavelmente, o
adversário ideal para qualquer candidato que o ADI vier a apresentar.
Até
o líder do principal partido da oposição, Aurélio Martins, que já declarou
apoio, político e institucional, a uma candidatura forte e com peso eleitoral
específico, como a da Maria das Neves, entrou, também, nesta festa, e, sem
meias medidas, convidou, publicamente, o presidente da república, Pinto da
Costa, a apoiar a candidatura da Maria das Neves, sugerindo-o que, não se
recandidatasse para o referido cargo, tendo em conta que o mesmo não solicitou
apoio ao referido partido para tal ambição política e eleitoral, e, cumprindo
tal premissa, este facto seria uma oportunidade ímpar, para o presidente Pinto
da Costa reconciliar-se com o partido em causa.
Tenho
a impressão que todas estas notícias e declarações foram a fonte de inspiração
que estiveram na base da pergunta que o meu amigo me fez.
Eu
não consigo perceber, por mais esforço que faça, a estratégia associada a este
ato, sobretudo vindo do MLSTP/PSD e do seu líder, em total desfavor de uma
candidatura, aparentemente forte, como a da Maria das Neves. Não se pode declarar
apoio a uma candidata e depois cometer estes disparates todos revelando total
amadorismo político, estratégico e tático. Tal só se compreenderia se, o
próprio Aurélio Martins estivesse, com esta atitude tão amadora e própria de um
principiante, somente preocupado com o seu “dia seguinte” após as eleições
presidenciais.
Em
primeiro lugar, se o MLSTP e o Aurélio Martins acham que a presidência do Pinto
da Costa, nestes cinco anos, foi “desgastante” (como eu também acho)
compreende-se mal que venha pedir apoio político e institucional deste, para
uma candidatura que se quer mobilizadora e transversal como a da Maria das
Neves, verbalizando, publicamente, este mesmo sintoma de desgaste, num tom
jocoso, provocatório e humilhante, que desmobiliza mais do que mobiliza, que
divide mais do que une, reiterando a ideia de que, o Pinto da Costa, caso
candidatasse, “não estaria a desempenhar um bom papel”. Estas coisas não se
fazem publicamente nem desta forma, sobretudo porque o protagonista em causa,
ainda é, neste momento, presidente da república.
A
eleição presidencial que, no nosso contexto constitucional, é a única em que os
eleitores elegem os candidatos de forma direta e sem necessidade de utilização
de um mediador, como os partidos políticos, deveria requerer, por parte destes,
algum recato, contenção e sentido de responsabilidade. Os partidos políticos
podem e devem apoiar os candidatos que queiram, nestas eleições, mas não são
donos da nossa democracia ao ponto de condicionarem, voluntária ou involuntariamente,
a liberdade dos cidadãos, quaisquer que eles sejam.
E,
com pena minha, constato, que este condicionamento e tentativa de domínio do
poder partidário sobre as eleições presidenciais, muito comum na nossa terra, é
contraproducente, porque sendo as únicas eleições que se vota num rosto e num
nome, a possibilidade de uma candidatura, como a da Maria das Neves, crescer e
atravessar todas as franjas da nossa sociedade, pode ficar irremediavelmente
comprometida com este assalto partidário feroz, desadequado, monolítico,
excludente e radical. E isto é fatal sobretudo para um partido, momentaneamente
muito fragmentado, saído recentemente de uma disputa eleitoral interna intensa,
que contribuiu para a maximização deste processo de secessão, tendo, como líder
histórico carismático, exatamente, aquele que foi publicamente rejeitado e
humilhado.
Provavelmente,
Maria das Neves e Pinto da Costa, por razões diferentes, representam, no MLSTP,
formas ou modalidades de abordagem política e de capacidade de penetração eleitoral,
no interior e no exterior do referido partido, que não necessitavam de um
episódio insólito e radical, por parte da referida direção partidária, de
negação pública de uma destas identidades para a afirmação da outra, num
contexto eleitoral em que o papel partidário deveria ser menorizado e não há
garantias de que este processo de negação acrescente valor a uma das
candidaturas.
Aurélio
Martins acabou por fazer, voluntária ou involuntariamente, exatamente aquilo
que o Patrice Trovoada e o ADI queriam que ele fizesse, ou seja, transformar
estas eleições presidenciais, numa segunda volta das legislativas, dando-lhe
total caráter e abordagem partidária. Não é por acaso que o ADI proibiu
qualquer gesto rebelde que contribuísse para dividir o partido nestas eleições,
como habitualmente acontece no referido partido, e já inaugurou a sua principal
mensagem eleitoral para estas eleições, que não se afastará muito disto: “queremos
um presidente que trabalhe em sintonia com aquilo que o governo está a fazer e
não seja um obstáculo”.
Para
o ADI, isto é verdade, e politicamente relevante, como mensagem política, para
assunção de uma candidatura do referido partido nestas eleições bem como de
separação de águas relativamente aos candidatos da oposição. E, quanto mais
“amarrados”, de ponto de vista político-partidário, estiverem os potenciais
candidatos da oposição, às referidas eleições presidenciais, maiores serão as
dificuldades que encontrarão para contrariar esta tese e afirmarem uma
contraposição política com objetividade e assertividade.
Ao
assumir, também, publicamente, em termos de conteúdo e forma, uma abordagem
político-partidária para estas eleições presidenciais, Aurélio Martins
contribuiu para limitar as ambições de Maria das Neves, neste âmbito, tornando
mais difícil, agora, o seu esforço de distanciamento, por um lado, e
abrangência, dentro e fora do partido.
Quanto
mais o Aurélio Martins continuar a falar e a assumir a candidatura da Maria das
Neves como uma candidatura partidária excludente menores serão as capacidades
desta penetrar, de forma transversal, em determinados sectores do eleitorado
que, justamente, por razões de desilusão com os partidos políticos na nossa
terra, encaram o ato de votação nestas eleições presidenciais como uma forma de
expressão de liberdade sem condicionamentos político-partidários.
Resta-nos,
todavia, ainda, conhecer o rosto do candidato que o ADI apresentará para estas
eleições que terá, como principal encargo político, segundo o perfil traçado
pelo partido em causa, “trabalhar em sintonia com aquilo que o governo está a
fazer e não ser um obstáculo”. É obra! Temos, neste momento, um governo de um
único partido político, com uma maioria que o suporta na Assembleia Nacional
que mina, com recurso aos mais diversos expedientes, as condições de
fiscalização e controlo, por parte da oposição, dos atos do referido governo.
Temos o mesmo partido político que, estando no governo, controla quase a
totalidade das autarquias nacionais. Temos um governo que apresenta tiques
insaciáveis (como a maioria de outros governos anteriores) de controlo total e
desavergonhado da comunicação social e nega arrepiar caminho neste âmbito.
É
o mesmo governo que não abdica de uma atitude predatória e irresponsável de
governamentalização da função pública em função dos interesses partidários em
causa. Até a Região Autónoma do Príncipe não foi poupada neste expediente
predatório de governamentalização da função pública com prejuízos enormes para
o funcionamento de determinados serviços nesta região. O ADI quer juntar a tudo
isto a presidência da república.
É
legítimo que pensem assim. Todavia, tendo em conta a fragilidade das nossas
instituições, acho perigoso este caminho, tendo em conta, até, os múltiplos
acontecimentos recentes que podem contribuir, paulatinamente, para colocar em
causa o aprofundamento de uma vivência pluralista, no contexto nacional, em
detrimento de manifestação de formas encapotadas de autoritarismo.
Passaríamos
a ter, então, se tal acontecesse, tendo em conta as nossas limitações organizacionais
e fragilidades institucionais, a concentração de toda a responsabilidade do
Estado num grupo político restrito; por outro lado, a substituição da
participação e intervenção política pela obediência e, por fim, a redução do
debate à comunicação unilateral que, neste caso, só admitiria como resposta a
cumplicidade ou o silêncio. Estamos, sem dúvidas, a caminhar neste sentido.
É
com este propósito e denúncia destes factos que qualquer candidato às próximas
eleições presidenciais deveria fazer o seu caminho, criando condições para
trazer para o debate e discussão pública estes assuntos. Estariam criadas
algumas condições com a finalidade de contribuir para a rejeição de qualquer
ação política que tenha como finalidade o exercício de neutralização da
pluralidade na nossa democracia bem como a criação de mecanismos que
contribuíssem para melhorar a organização e funcionamento das nossas
instituições.
Quem
pode fazer isto, neste momento, como candidato presidencial, com legitimidade,
credibilidade e eventualmente resultados positivos, tendo em conta a desilusão
político-partidária instalada no país, tem de estar numa posição de algum
distanciamento partidário. E quando digo distanciamento partidário não quero,
com isto, dizer, que não usufrua de apoios de partidos políticos. Usufruir de
apoios de partidos políticos, nestas eleições, não deve ser sinónimo de
subordinação total aos ditames, mensagem, agenda e até liberdade para escolher
o dia, hora e oportunidade para fazer o anúncio de tal propósito ao país.
O
ADI sabe que a partidarização desta eleição presidencial serve os seus maiores
interesses e não abdica de “obrigar” os seus opositores a cometerem este mesmo
erro fatal. É o ADI que escolhe o seu candidato, o dia, a hora e a cerimónia
ideal para a sua apresentação ao povo, depois de um passeio do seu líder pelas
bases do referido partido com a finalidade de criação de um clima emocional e
político (interno e externo) com propósito supracitado.
Para
além disso, é o ADI que avisa, antecipadamente, ao seu virtual candidato,
qualquer que ele seja, que ele “deve ser próximo do ADI, deve trabalhar em
sintonia com aquilo que o governo atual está a fazer e não ser um obstáculo, em
quaisquer situações”. Que liberdade terá este virtual candidato, do ADI,
submetido a este espartilho, quadro ou guia de referências, tendo em conta o
caminho recente que o país está a trilhar, para se comportar como garante do
regular funcionamento das instituições democráticas, cumprindo e fazendo
cumprir a constituição da república?
Adelino
Cardoso Cassandra, em Téla Nón, opinião
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