domingo, 1 de janeiro de 2017

O PRIMEIRO DIA DE GUTERRES


Afonso Camões* - Jornal de Notícias, opinião

Os desejos e as resoluções da passagem do ano fazem-me lembrar aquela conversa do casal. Diz ele: "Querida, as coisas não têm estado a correr muito bem, seria bom cortarmos algumas despesas. Por exemplo, podíamos dispensar a cozinheira e tu aprendias a cozinhar". Ao que ela responde: "Concordo, querido. Até poderíamos prescindir do chofer se tu aprendesses a fazer amor".

Entre casais, como entre nações, convém afinar os desejos e concertar o interesse. E, mesmo assim, há resoluções possíveis, outras improváveis, muitas não passam da promessa. São para levar a sério, porém, aquelas de que se falará hoje, Dia Mundial da Paz, em todos os noticiários do Mundo, por entre os ecos do foguetório. Trata-se de duas resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ambas a marcar a agenda no primeiro dia de 2017, que é também o primeiro de António Guterres como secretário-geral da ONU. No primeiro caso, a resolução em que se exige de Israel o fim "imediato" e "completo" da política de colonatos nos territórios palestinianos, num diferendo que se arrasta há mais de 50 anos. No segundo, a proposta da Rússia e da Turquia que visa apoiar o cessar-fogo e as negociações de paz na Síria, previstas para os próximos dias, procurando pôr termo ao conflito que dura há cinco anos e já fez mais de 500 mil mortos e 12 milhões de deslocados em fuga.

Uma e outra resoluções dirigem-se, é certo, a essas partes do Mundo em carne viva, que só parecem doer-nos nos noticiários. Mas valem para todos nós, porque os estilhaços dessas guerras nos atingem por dentro, por vezes em atos de terror, ou dão todos os dias à costa de uma Europa dividida e amedrontada. E são esses assuntos, mais os assomos de populismo e xenofobia associados às desigualdades, e também a fome e a subnutrição de milhões, ou ainda o combate às alterações climáticas os principais encargos de António Guterres, naquele que é, segundo o seu antecessor como secretário-geral das Nações Unidas, "o trabalho mais difícil do Mundo".


Espera-se dele que chame à conversa as partes desavindas, que abra vias de diálogo e procure concertar interesses num condomínio de 193 nações que todos desejamos mais humano e frequentável. Num tempo em que a única certeza é a incerteza dos dias que nos esperam, honra-nos que seja um português a quem o Mundo confia tamanha empreitada. A revista Notícias Magazine, que hoje dedicamos integralmente a Guterres, é também a nossa forma de partilharmos convosco a esperança e votos de bom ano.

*Diretor

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