domingo, 7 de janeiro de 2018

Portugal | PRIORIDADE AO EMPREGO

Manuel Carvalho da Silva | Jornal de Notícias | opinião

O primeiro-ministro, António Costa, na sua mensagem de Ano Novo, colocou como prioridade para 2018 "vencer os bloqueios ao nosso desenvolvimento", relevando como fundamental para esse objetivo sermos capazes de criar "não apenas mais, mas sobretudo melhor emprego". Trata-se de um desafio oportuníssimo, mas muito exigente. A afirmação, aparentemente consensual, de que Portugal precisa de elevar a qualidade do emprego é muitas vezes repetida como forma de esconder a ausência de passos concretos nessa direção. Não se eleva a qualidade do emprego sem pôr em confronto interesses à partida antagónicos e sem, a partir daí, se trabalharem com persistência novos compromissos. Quero acreditar que o Governo está determinado em tratar a sério a prioridade que enunciou. O debate primordial a fazer implicará, pois, uma abordagem consistente sobre o emprego que temos e o que queremos. Daí vai emergir a necessidade de se discutirem, de forma articulada, os caminhos para reequilibrar e dinamizar as relações laborais, o diálogo e a negociação a todos os níveis e, ainda, o modelo de crescimento propiciador de desenvolvimento.

O contexto internacional e, acima de tudo, as políticas seguidas pelo Governo, no cumprimento dos compromissos estabelecidos entre a maioria parlamentar que o suporta, têm permitido retoma económica. Contudo, esta continua com um "lastro chamado precariedade", facto bem confirmado no recente Barómetro do Observatório Sobre Crises e Alternativas1. Como aí é expresso, vai aumentando o "risco de cristalização de um padrão de especialização da nossa economia que retira vantagens do trabalho precário e mal remunerado e que é muito vulnerável a alterações da conjuntura externa".

A retoma económica continua a assentar bastante no turismo e em atividades em que a produtividade, as condições de trabalho e as remunerações são baixas. A prática de baixos salários nesses setores, associada à implementação de redução salarial que vem da imposição de políticas de austeridade, ao efeito negativo da fragilização da negociação coletiva e à perda de direitos e de poder dos trabalhadores, reduziram o valor médio dos salários à entrada no mercado de trabalho e constituem pressão negativa sobre todos os salários. É doloroso ver quanto a sociedade portuguesa está vulnerável à ideia de que salários e direitos acima dos mínimos são privilégios.

O desemprego diminuiu, mas temos ainda uma taxa elevada que favorece políticas de baixos salários. A saída para o estrangeiro de muitos milhares de trabalhadores jovens e qualificados empobreceu o "mercado de trabalho" e a capacidade reivindicativa dos trabalhadores e da sociedade. O pequeníssimo aumento de contratos permanentes nos novos contratos celebrados não chega para travar a predominância do trabalho em formas atípicas e a prazo. O aumento do salário mínimo nacional (SMN) tem sido um impulsionador muito positivo dos salários dos novos trabalhadores em situação de precariedade, e em particular dos menos qualificados, mas o SMN transforma-se, cada vez mais, em salário nacional para todos os jovens e não só.

Para se atingir o desiderato colocado pelo primeiro-ministro, muito há a fazer pela ação política em geral e pelos atores sociais e económicos, mas existem dois eixos das políticas públicas que têm sido negligenciados pelo Governo. O primeiro diz respeito a imprescindíveis reequilíbrios cirúrgicos na legislação do trabalho, a reacertos no enquadramento do diálogo social e à melhoria da ação fiscalizadora no trabalho. Uma economia mais próspera e equitativa necessita de uma estrutura de emprego que proteja os trabalhadores e os seus justos rendimentos e que privilegie o reforço da sua formação e competências. O segundo eixo diz respeito à estrutura produtiva. Precisamos de políticas públicas, nomeadamente fiscal e orçamental, que através de incentivos e investimento público permitam uma diversificação da economia e aumentem a sua imunização face às "gripes" que podem vir do exterior.
O crescimento económico pode ser, simultaneamente, sustentação de uma mais justa distribuição da riqueza, de combate às desigualdades e à pobreza, de desenvolvimento harmonioso do país.

1 Barómetro das Crises n.º 18, disponível em: http://www.ces.uc.pt/observatorios/crisalt

*Investigador e professor universitário

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