“O Ártico abrange territórios terrestres e
oceânicos. Suas peculiaridades geográficas e ecológicas determinam que o Ártico
tenha um papel inalienável na pesquisa científica, na proteção ambiental, na
utilização de recursos naturais e na área de mudanças climáticas.”
Marcos
Françozo - Colaborador Voluntário do CEIRI | 8 de Fevereiro de 2018
Com esse posicionamento, o
Vice-Ministro de Relações Exteriores da China, Kong Xuanyou, deu o tom da
apresentação da primeira Política da China para o Ártico.
Lançada no último dia 26 de
janeiro, a Política institucionaliza
publicamente, pela primeira vez, uma posição governamental clara e abrangente
acerca da visão chinesa para esta inóspita região do globo. A divulgação desse
documento movimenta uma arena que, ao longo dos últimos anos, está ganhando
cada vez mais espaço no cenário internacional.
Ano após ano, o debate sobre o
Ártico e suas potencialidades se aprofundam. Sua evolução se dá, basicamente,
orientada por duas linhas: i. impacto da mudança
global do clima sobre as características geográficas desta área, elevando
expectativas econômicas geradas em decorrência do recuo da cobertura de gelo da
região, em especial no Oceano Ártico; ii. à medida que as mudanças no perfil
climático desta região se consolidam, as expectativas econômicas e comerciais
paraestabelecimento
de rotas marítimas comerciais e exploração
dos recursos minerais aumentam gradativamente.
Variação no volume de gelo
marítimo no Ártico entre 1970 e 2017
No entanto, nenhum ator externo
tem se destacado tanto neste processo como a China. Nos últimos anos, seu
ativismo sobre essa região do globo aumentou exponencialmente, com ações
organizadas no sentido de sinalizar claramente o interesse e a pretensão
chinesa sobre a área.
É neste contexto que se encaixa a
“Política da China para o Ártico”. Ela apresenta-se como instrumento com
diversas funcionalidades, algumas das quais serão apresentadas nos parágrafos
seguintes.
1) Incentivar a construção
da ideia do Ártico como uma região global
A política recém lançada tem como
um dos principais objetivos dar viés global para o Ártico. A releitura
defendida pelos chineses deseja fazer dela uma grande “área franca”, a qual,
devido à sua relevância ambiental e potencial econômico, pode ser acessada por
qualquer nação.
Destacam-se as reiteradas
referências a uma governança própria da região, em um esforço para demonstrar a
estruturação da coordenação política voltada para aquela área. As menções ao
Conselho do Ártico, ao Tratado de Spitsbergen, à Convenção da Nações Unidas
sobre o Direito no Mar revelam as principais balizas que Beijing leva em
consideração na sua tentativa de construir a visão de um Ártico global, sem
desrespeitar a soberania e interesses das nações árticas.
Nesta linha, a China estabeleceu
os seguintes princípios para a sua atuação: respeito, cooperação, parcerias
mutuamente construtivas e sustentabilidade.
2) Manifesto pelo direito de
a China participar ativamente na região
Depois de evidenciar o papel
global que cabe ao Ártico, os chineses defendem o seu direito de ali atuar
ativamente. O documento revela o país como um stakeholder* natural nos
assuntos relativos ao Ártico, consolidando o adjetivo near-Arctic
State como qualitativo da posição geográfica chinesa.
A China
é o 19º país mais próximo do Círculo Polar Ártico**, ficando atrás de
alguns países europeus e asiáticos. A adjetivação escolhida revela o esforço
para mostrar-se geograficamente próxima a este ambiente, do qual é separada
por, aproximadamente, 1.500 quilômetros.
Baseado neste entendimento, o
documento anuncia que as metas chinesas para a região são: a. entender o Ártico
e seu contexto; b. proteger a região do ponto de vista ambiental; c.
desenvolver o Ártico do ponto de vista tecnológico, econômico e social; d.
participar da governança regional.
3) Indicação dos desafios
chineses no Ártico
Atenta às metas citadas acima, a
nova política delineia alguns posicionamentos mais concretos da China para este
espaço. O primeiro deles é no segmento de pesquisa científica, com o objetivo
de aprofundar o conhecimento em setores como geologia, clima, ecologia e
sociedade.
Em seguida, apresenta-se como
desafio atuar levando em conta o equilíbrio entre a proteção ambiental e a
utilização racional dos recursos naturais do Ártico. Nesta linha, a China
evidencia suas intenções nas áreas de rotas marítimas comerciais, exploração de
petróleo, gás natural e recursos não-vivos em geral, pesca e outros recursos
vivos, além do desenvolvimento da indústria relacionada ao turismo.
4) Fomento da Polar
Silk Road no âmbito da Belt
and Road Initiative
O texto dá especial atenção ao
desenvolvimento do eixo marítimo polar (Polar Silk Road) da Belt and Road
Initiative, iniciativa lançada em 2013 por Beijing com o objetivo fomentar
investimentos em infraestrutura ao longo dos países que fizeram parte da antiga
Rota da Seda, que conectava a Europa à China.
Com este mote, os chineses
planejam colocar em pauta o desenvolvimento da “Rota do Norte” (no mapa
identificada como Northern Sea Route) que parte da China para a
Europa margeando principalmente as aguas árticas da costa russa e norueguesa.
Essa atitude poderia fomentar o
desenvolvimento de rotas comerciais pela região, as quais poderiam servir de
gatilho para a viabilização econômica da infraestrutura logística da área. Fato
que, por sua vez, favoreceria aspretensões
chinesas e russas relacionadas com a exploração de recursos minerais,
outros recursos não-vivos e de recursos vivos em geral.
A política dos chineses para o
Ártico traz, de modo subjacente, duas observações. A primeira está relacionada
com a pró-atividade que a sua divulgação representa, sinalizando simbolicamente
a postulação da China a ascender ao papel de forte influenciador sobre a
região. Hoje esse papel cabe essencialmente a Estados Unidos e Rússia, sendo que
esta última dá indícios tácitos de avalizar a pretensão chinesa. A segunda
trata do foco que o documento dá ao uso racional das potencialidades econômicas
projetadas para a região, pautado em uma lógica que poderia ser sintetizada
pelo lema “conhecer para proteger e explorar racionalmente”. A menção à Polar
Silk Roadcoloca tal iniciativa como dos principais eixos de desdobramentos
deste lema, sugerindo que a viabilização da “Rota do Norte” tende a ganhar
corpo nos próximos anos, o que também é de interesse da Rússia.
Nota:
* Stakeholders é um
termo empregado pela ONU, o qual se refere às principais organizações e atores
interessados e impactados diretamente pelo trabalho desenvolvido pela
Organização.
** Referência comum para se
estabelecer onde inicia o Ártico. Contudo, existem outras definições que podem
levar a ranqueamentos distintos.
Imagem: “Mapa político do Ártico”
(Fonte):
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