Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
Os programas de educação e
formação de adultos devem garantir a efetividade, embora tardia, de um direito
cultural (e social) fundamental, "o direito à igualdade de oportunidades
de acesso e êxito escolar" inscrito na Constituição da República Portuguesa
(art. 74). Ao Estado estão atribuídas múltiplas obrigações, nomeadamente a de
"Garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo". Aquele
direito, que é um pilar estruturante de uma sociedade democrática, tem
continuado nas últimas décadas a ser negado a muitos cidadãos nos seus tempos
de crianças, adolescentes e jovens.
Este défice pode e deve ser
resolvido. Parece-me prioritário considerar-se estes cinco desafios: i)
identificar, caraterizar e assumir a amplitude e os fundamentais impactos dessa
lacuna; ii) proceder a análises objetivas sobre as incapacidades do sistema de
ensino, desde o 1.o Ciclo (onde continua a haver exclusão) e a desadequação de
políticas públicas, fatores que em grande parte estiveram na origem do
problema, com o objetivo de o estancar; iii) identificar e trabalhar novas
exigências de educação permanente e proceder à abordagem do conceito
analfabetismo no plural; iv) desenhar e aplicar programas que criem equilíbrio
entre o que se pede a cada pessoa que necessita de ir a programas de educação e
formação de adultos, as condições concretas de que cada uma parte nos planos
material, motivacional (precariedade, baixos salários e fraca qualidade do
emprego não ajudam) e da possibilidade de gestão do seu tempo; v) assegurar
ofertas com localização acessível e disponibilizar e divulgar intensamente
programas adequados e mobilizadores.
Proceda-se a um olhar rigoroso
sobre as taxas de escolaridade, o problema demográfico que nos desafia a uma
ação ainda mais premente e sobre as capacidades/incapacidades da Escola nos
diversos níveis de ensino. Contudo, haja consciência de que só teremos êxito
nas políticas de educação e formação de adultos se conseguirmos avanços noutros
direitos sociais, culturais e económicos e se fizermos evoluir o modelo de
desenvolvimento do país.
Em 2018, do total de alunos que
terminam o Ensino Secundário, apenas pouco mais de um terço passará para o
Ensino Superior. Entretanto, num contexto em que existe um amplo consenso sobre
a importância do Ensino Profissional, constatamos que dos alunos que terminam o
Secundário por esta via apenas 15% seguem para o Superior. Esta realidade tem
de nos preocupar muito, pois as mudanças societais e tecnológicas hoje em
marcha, bem como a necessidade de resposta a grandes riscos presentes no
processo de "desenvolvimento" global, exigem que os jovens, mesmo
muitos milhares que já hoje estão no "mercado" de trabalho, vão ao
Ensino Superior adquirir formação com bases o mais amplas possível. Em cada ano
que passa a situação vai-se agravando. Como se poderá responder, quando temos
fraquíssima oferta de ensino pós-laboral no Secundário e no Superior, desde
logo no setor público, e quando impera a lógica criminosa de colocar a
sociedade a apoiar a redução do número de professores ou a eliminação de cursos
que pretensamente não interessam ao mercado de trabalho?
Porque o trabalho tem e terá um
lugar central na sociedade e também porque os custos do trabalho são
apresentados, pelo pensamento económico dominante, como a variável que pode resolver
todos os problemas das empresas e serviços, as políticas de educação e formação
de adultos são desenhadas com um enfoque atrofiado em componentes de utilidade
imediata e produtivista.
A educação e formação feitas
apenas para o trabalho nem às necessidades futuras do trabalho responderão. Os
interesses imediatos das empresas ou da Administração Pública não podem
colonizar a educação e a formação. Têm de existir políticas públicas que
garantam formação plena, e não esqueçamos que as ciências sociais e humanas são
muito necessárias. E que são indispensáveis a formação em contexto de trabalho,
políticas de valorização das formações realizadas, maior cooperação das
empresas com a Escola e lugares nos quadros de pessoal para pessoas com
conhecimentos diversificados e com capacidade de análise crítica da sociedade.
* Investigador e professor
universitário
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