terça-feira, 21 de agosto de 2018

A Administração Trump e o Irão


Thierry Meyssan*

Tal como o Presidente Reagan, o Presidente Trump parece anti-iraniano. Mas talvez só na aparência. Se o primeiro tinha estabelecido uma aliança secreta com o Imã Khomeiny, o segundo poderá agir da mesma forma com o partido do antigo Presidente Ahmadinejad. É a heterodoxa tese de Thierry Meyssan.

O Secretário de Estado Mike Pompeo anunciou, a 16 de Agosto de 2018, a criação de um «Grupo de Acção para o Irão» (Iran Action Group) encarregue de coordenar a política dos Estados-Unidos após a sua retirada do acordo dos 5+1 sobre o nuclear (JCPoA) [1].
Este anúncio acontece quando o Presidente Trump decidiu, por seu lado, adiar sine die a implementação do seu plano para o Médio-Oriente (the deal of the century). Ora, ninguém poderá alterar a situação na Palestina sem o apoio do Irão.
Lembremos por outro lado que o Tratado JCPoA, de Barack Obama, não foi concebido unicamente para garantir que o Irão não fabrique a bomba atómica. Isso é apenas um pretexto. O seu verdadeiro fim é o de impedir este país de dispôr de cientistas de alto nível e de conceber técnicas de ponta [2]. Aliás, ele obrigou o Irão a fechar várias faculdades de Ciências.
Para a oposição Democrata dos EUA, a Administração Trump estaria a retomar a política de mudança de regime dos neo-conservadores, como indicaria a escolha da data do anúncio: o 65º aniversário do golpe de Estado anglo-americano contra o Primeiro-ministro iraniano Mohammad Mosaddegh. No entanto, se a «Operação Ajax» de 1953 realmente inspirou os neo-conservadores, ela é anterior ao seu movimento e não tem nenhuma relação com eles. Além disso, os neo-conservadores serviram, é certo, o Partido Republicano, mas igualmente o Partido Democrata.
Durante a sua campanha eleitoral e os seus primeiros dias na Casa Branca, Donald Trump nunca deixou de estigmatizar o pensamento globalista dos neo-conservadores e de jurar que os Estados Unidos nunca mais tentariam mudar pela força regimes em países estrangeiros. A secretaria de Estado afirma, por seu lado, que a coincidência de datas é puramente fortuita.
Chama-se «neo-conservadores» a um grupo de intelectuais trotskistas (portanto opostos ao conceito de Estado-nação), militantes do Social Democrats USA, que se aproximou da CIA e do MI6 para lutar contra a União Soviética. Acabaram associados ao Poder por Ronald Reagan, depois seguiram todas as alternâncias políticas norte-americanas, ficando no Poder com Bush pai, Clinton, Bush filho e Obama. Eles conservam, hoje em dia, o controle de uma agência de Inteligência conjunta aos «Cinco Olhos» (Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido, EUA), a National Endowment for Democracy (NED) [3]. Partidários da «revolução mundial», popularizaram a ideia de «democratizar» regimes por «revoluções coloridas», ou mesmo directamente por guerras.
Em 2006, criaram um Grupo para a Política e as Operações no Irão e na Síria (Iran Syria Policy and Operations Group) no seio da Administração Bush Jr. Que foi dirigido por Elizabeth Cheney, a filha do Vice-presidente Dick Cheney. Inicialmente, ele foi alojado na Secretaria de Defesa, depois transferido para as instalações do Vice-presidente. Compreendia cinco secções.
style='font-variant-ligatures: normal;font-variant-caps: normal;orphans: 2; text-align:start;widows: 2;-webkit-text-stroke-width: 0px;word-spacing:0px' alt=- class=puce v:shapes="_x0000_i1025"> A transferência de armas para o Irão e a Síria a partir do Barein, Emirados Árabes Unidos e Omã ;
' alt=- class=puce v:shapes="_x0000_i1026">  O apoio aos trotzkistas e aliados, no Irão (os Mujahideens do Povo) e na Síria (Riad al-Türk, Georges Sabra e Michel Kilo) ;
- A espionagem das redes bancárias iranianas e sírias ;
style='font-variant-ligatures: normal;font-variant-caps: normal;orphans: 2; text-align:start;widows: 2;-webkit-text-stroke-width: 0px;word-spacing:0px' alt=- class=puce v:shapes="_x0000_i1028"> A infiltração de grupos pró-iranianos e pró-sírios no «Médio-Oriente Alargado» ;
' alt=- class=puce v:shapes="_x0000_i1029">  A penetração dos média (mídia-br) da região para aí instilar a propaganda dos EUA.
Em 2007, este grupo foi oficialmente dissolvido. Na realidade, ele acabou absorvido por uma estrutura ainda mais secreta encarregue da estratégia para a democracia global (Global Democracy Strategy). Essa, sob o comando do neo-conservador Elliott Abrams (o mesmo do «escândalo Irão-Contras») e de James Jeffrey, estendeu este tipo de acção a outras regiões do mundo.
Foi este Grupo quem supervisionou a planificação da guerra contra a Síria.
A imprensa dos EUA, que é violentamente anti-Trump, apresentara Elliott Abrams como o primeiro possível Secretário de Estado da Administração Trump, quando o novo Presidente o recebeu demoradamente na Casa Branca. Ora, não se passou evidentemente nada disso.
O que torna, no entanto, credível a acusação feita contra a Administração Trump de querer ressuscitar essa estratégia é que o Embaixador James Jeffrey acaba de ser nomeado Representante Especial para a Síria.
Jeffrey é um «diplomata» de carreira. Ele colocou em marcha a aplicação dos Acordos de Dayton, na Bósnia-Herzegovina. Estava em funções no Kuweit aquando da invasão iraquiana. Em 2004, supervisionou, sob as ordens de John Negroponte, a transição entre a Autoridade Provisória da Coligação (Coalizão-br) no Iraque (que era uma empresa privada [4]) e o governo iraquiano post-Saddam Hussein. Depois juntou-se ao gabinete de Condolleezza Rice em Washington e participou no Grupo para a Política e as Operações no Irão e na Síria. Ele foi um dos teorizadores da reorientação militar dos EUA no Iraque (the surge) posto em prática pelo General Petraeus. Foi também adjunto do Conselheiro de Segurança Nacional, Stephen Hadley, aquando da guerra na Geórgia, depois embaixador de Bush Jr na Turquia e de Obama no Iraque.
Se observarmos mais de perto, toda a sua carreira desde a dissolução da URSS gira em torno do Irão, mas não necessariamente contra ele. Por exemplo, durante a guerra na Bósnia-Herzegovina, o Irão bateu-se, sob comando do Pentágono, ao lado da Arábia Saudita. Em contraste, no Iraque, Jeffrey opôs-se à influência de Teerão. Mas quando a Geórgia atacou a Ossétia do Sul e a Abecásia, ele não defendeu o Presidente Saakashvili, sabendo que este acabara de alugar dois aeroportos a Israel para atacar o Irão.
Mike Pompeo nomeou Brian Hook para cabeça do Grupo de Ação para o Irão. É um intervencionista que foi assistente de Condoleezza Rice, encarregado de organizações internacionais. Ele estava, até agora, encarregado de elaborar as estratégias do Departamento de Estado.
Segundo Pompeo, o objectivo deste novo grupo não é mudar o regime, mas forçar o Irão a mudar de política. Esta estratégia surge quando a República Islâmica passa por uma grande crise económica e política. Enquanto o clero (duplamente representado pelo Xeque Presidente e pelo Aiatola, o Guia da Revolução) se agarra ao Poder, manifestações contra ele varrem o país. Contrariamente à visão que se tem no Ocidente, a revolução do Aiatola Khomeini não era clerical, mas, sim anti-imperialista. Os protestos podem portanto desaguar quer numa mudança de regime, quer numa continuação da Revolução khomeinista, mas sem o clero. É esta segunda opção que é representada pelo antigo Presidente Ahmadinejad (colocado actualmente em residência vigiada) e pelo seu antigo Vice-presidente Baghaie (condenado a 15 anos de prisão e mantido incomunicável).
A 21 de Maio passado, Mike Pompeo apresentava perante a Fundação Heritage [5] os seus 12 objectivos para o Irão [6]. À primeira vista, tratava-se de uma longa lista de exigências impossíveis de satisfazer. No entanto, numa observação mais atenta, os pontos de 1 a 3 relativos ao nuclear ficam aquém do JCPoA. O ponto 4 sobre os mísseis balísticos é inaceitável. Os pontos 5 a 12 visam convencer o Irão a renunciar a exportar a sua revolução pelas armas.
Em 15 de Agosto, quer dizer na véspera do anúncio de Pompeo (sobre o Grupo de Acção- ndT), o Guia da Revolução, o Aiatola Ali Khamenei, reconheceu ter-se enganado ao ter autorizado a equipe do Xeque Hassan Rohani a negociar o acordo JCPoA com a Administração Obama [7]. É preciso notar que o Guia havia autorizado estas negociações antes da eleição de Rohani e que esta —tal como o afastamento do movimento de Ahmadinejad— havia constituído matéria das negociações.
Mahmoud Ahmadinejad, que estabelece uma distinção entre as políticas dos Presidentes Obama e Trump, escrevera ao novo Presidente logo após a sua eleição [8]. Aí, ele mostrou que compartilhava a análise de Donald Trump face ao sistema global de Obama-Clinton e das suas duras consequências tanto para o resto do mundo como para os cidadãos norte-americanos.
Quando as manifestações começaram, em Dezembro de 2017, o governo Rohani acusou Ahmadinejad de ser o responsável. Em Março de 2018, o antigo Presidente consumou a sua ruptura com o Guia da Revolução, revelando que o seu gabinete tinha desviado 80 mil milhões (bilhões-br) de rials de fundações beneficentes e religiosas [9]. Duas semanas antes do anúncio de Pompeo, muito embora estando em prisão domiciliar, ele apelou à demissão do Presidente Rohani [10].
Tudo leva a pensar que, se a Administração Obama apoiava Rohani, a de Trump apoia o partido de Ahmadinejad. Da mesma maneira como no passado o Presidente Carter e o seu conselheiro Brzeziński lançavam a «Operação Eagle Claw» contra a Revolução, enquanto o Presidente Reagan apoiava o Imã Khomeini (October Surprise).
Por outras palavras, a Casa Branca poderá contentar-se com um retorno ao Poder do partido de Ahmadinejad, sob a condição de que ele se comprometa a que a exportação da Revolução prossiga unicamente através do debate de ideias.


*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

O autor passou seis meses no Irão. Ele aconselhou o Presidente Ahmadinejad aquando do seu discurso de 2010 na ONU.

Notas:
[1] “Remarks on the Creation of the Iran Action Group” (« Notas sobre a Criação do Grupo de Acção para o Irão»- ndT), by Michael R. Pompeo; “Briefing on the Creation of the Iran Action Group”, by Brian Hooks, State Department, August 16, 2018.
[2] “Quem tem medo do programa nuclear civil do Irã?”, Thierry Meyssan, Tradução Luis Nassif, Rede Voltaire, 2 de Janeiro de 2011.
[3] « La NED, nébuleuse de l’ingérence "démocratique" », “A NED, vitrina legal da CIA”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Odnako (Rússia) , Rede Voltaire, 16 de Agosto de 2016.
[4] « Qui gouverne l’Iraq ? », par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 13 mai 2004.
[5] « Le prêt-à-penser de la Fondation Heritage » ( «O pronto-a-pensar da Fundação Heritage»- ndT), Réseau Voltaire, 8 juin 2004.
[6] “Mike Pompeo at The Heritage Foundation”, by Mike Pompeo, Voltaire Network, 21 May 2018.
[7] « Le Guide de la Révolution iranienne rectifie son point de vue », Réseau Voltaire, 17 août 2018.
[8] “Letter by Mahmoud Ahmadinejad to Donald Trump” («Carta de M Ahmadinejad a D. Trump»- ndT), by Mahmoud Ahmadinejad, Voltaire Network, 26 February 2017.
[9] “Ahmadinejad acusa o Aiatolá Khamenei de desvio de fundos”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 24 de Março de 2018.
[10] “Irão: Ahmadinejad apela à demissão do Presidente Rohani”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 14 de Agosto de 2018.

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