O vice-ministro russo dos
Negócios Estrangeiros Alexander Grushko considerou em entrevista à Lusa que a
NATO está a "regressar a 1949" e tenta contrariar a possibilidade de
a Europa assegurar uma dimensão militar e de defesa autónomas.
"Parece que a NATO está a
regressar a 1949, quando foi estabelecida para contrariar a designada ameaça da
União Soviética, que não existia", considerou Alexander Grushko, que na
quinta-feira manteve em Lisboa consultas políticas bilaterais centradas na
intensificação do comércio e investimento e no reforço da cooperação no domínio
cultural, para além da troca de pontos de vista sobre temas da agenda
internacional.
"Se observarmos o estado das
relações entre a NATO e a União Europeia, torna-se claro que a NATO está a
tentar que as ambições da UE em garantir uma dimensão militar e de defesa
autónoma fiquem sob o seu controlo", assinalou o responsável russo, 63
anos, no serviço diplomático desde 1977 e que entre 2012 e 2018 foi o
representante permanente da Rússia na NATO, em Bruxelas.
"Estamos numa situação
difícil. As relações NATO-Rússia não estão numa boa fase. Em 2014, a NATO decidiu
suspender todas as iniciativas práticas com a Rússia, e na totalidade não temos
qualquer agenda positiva", salientou, numa referência à degradação das
relações entre Moscovo e o Ocidente na sequência do "caso Skripal",
ou a anexação da Crimeia pela Rússia, que implicou a expulsão mútua de centenas
de diplomatas e o reforço das sanções económicas ocidentais.
A inexistência de uma
"agenda positiva" entre as duas partes implica a necessidade de
encontrar "formas de desanuviamento", de "redução da
escalada" ou de "não permitir que as más perceções sejam o essencial
na política e no planeamento de defesa", defendeu o vice-MNE russo,
reconduzido neste cargo em janeiro de 2018 após ter ocupado as mesmas funções
entre 2005 e 2012.
Alexander Grushko responsabiliza
a Aliança Atlântica por ter interrompido "todos os canais de comunicação
entre os militares", uma situação que prejudica o diálogo político,
incluindo no Conselho NATO-Rússia, o mecanismo de consultas, cooperação e ação
conjunta estabelecido em 2002.
"Como podemos discutir estas
questões a nível político sem envolver os militares?", interrogou-se.
"Na nossa perspetiva, os
contextos militares são extremamente importantes e esperamos que os aliados
europeus dos Estados Unidos entendam que é muito perigosa a inexistência de
canais de comunicação entre os militares", alertou.
A "demonização da
Rússia" está incluída, na perspetiva do diplomata, no planeamento militar
da NATO, que após a fim da URSS e a dissolução do Pacto de Varsóvia iniciou uma
expansão em direção ao leste europeu, que prossegue, e atingiu as fronteiras
russas, e que já engloba as três ex-repúblicas soviéticas do Báltico.
"Existem muitas histórias
sobre as nossas intenções agressivas. Não é verdade, mas o que a NATO faz nas
vizinhanças da Rússia é muito preocupante. Melhoria de infraestruturas,
deslocação de tropas adicionais, policiamento aéreo com o pretexto de proteger
os países do Báltico e que tem origem na base aérea de Amari, na Estónia, um
percurso aéreo de apenas a cinco minutos até São Petersburgo", indicou.
No início de abril, os 29
Estados-membros da NATO reuniram-se em Washington para celebrar os 70 anos da
fundação e uma "Rússia mais agressiva" foi tema em destaque nos
debates.
A relação entre as duas partes
agravou-se após os Estados Unidos anunciaram a decisão de se retirarem do
Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF, de 1987), ao
alegarem um reiterado incumprimento por parte da Rússia.
"Não sei que motivos tinham
em mente para essa decisão", sustentou, ao assinalar que a decisão de
retirada pertence a Washington, apesar de a NATO culpabilizar a Rússia.
"A NATO diz que começou a
adaptar-se a uma nova realidade pós-INF. Há planos para fazer regressar ogivas
nucleares norte-americanas para a Europa, mísseis intermédios, mas a NATO diz
ter planos para aumentar as capacidades na defesa aérea, e de defesa de
mísseis", sugeriu.
"Penso sinceramente que a
Europa deveria elevar a sua voz porque é um perigo para a Europa",
acentuou.
E recorda a resposta de Moscovo:
"O Presidente [Vladimir] Putin foi claro ao referir que vamos reagir se os
EUA iniciarem o programa de deslocação desses mísseis, e faremos o mesmo. Mas
enquanto não existirem esses mísseis, incluindo na Europa, a Rússia não
estacionará os seus mísseis".
O vice-MNE russo insistiu que a
imagem da Rússia no Ocidente é resultado da "propaganda", da
"demonização" promovida pela NATO em termos militares, e rejeita
qualquer intenção agressiva na Europa. Também recordou que a cooperação com os
países europeus tem privilegiado a "cooperação, grandes projetos,
gasodutos, espaços comuns..." e a necessidade de criar um "conselho
de segurança UE-Rússia", que incluiria a participação e cooperação em operações
de gestão em crises.
Neste cenário, acusou os Estados
Unidos de terem pressionado os países europeus a "mudar a sua
política", e alude ao caso Skripal, a tentativa de envenenamento em
Inglaterra, em março de 2008 do ex-agente duplo Serguei Skripal e de sua filha
Yulia através de agente enervante, com o mundo a parecer regressar aos tempos
da Guerra fria.
A Rússia sempre negou
envolvimento nesta ação, considerada uma "agressão" em território de
um país aliado.
"Propusemos de imediato ao
Reino Unido uma cooperação neste caso. Enviámos 70 notificações, sem resposta.
Pedimos a possibilidade de o nosso departamento consular de se encontrar com
Skripal e sua filha. Não os vimos, e isso é inacreditável. Mas na ausência de
outras explicações, a UE decidiu aplicar sanções à Rússia", afirmou.
"E isso é muito perigoso
porque, como disse, a política prática está a ser baseada em determinadas
perceções que nada têm a ver com a realidade", repetiu.
O "envolvimento da Rússia no
referendo sobre o 'Brexit', ou a interferência nas presidênciais
norte-americanas de 2016 também mereceram um comentário do diplomata, ao
recordar que a ideia da consulta à população partiu do ex-primeiro-ministro
britânico David Cameron.
"Não temos meios para
penetrar na cabeça de líderes políticos, ainda não", ironizou. E em
relação às presidenciais de 2016 nos EUA, que elegeram Donald Trump, recordou
que o designado Relatório Mueller "deu em zero, em nada".
E precisou: "Está
relacionado com a sensatez comum. E deveríamos entender que não é normal
estabelecer este género de relação com a Rússia".
Lusa | em Notícias ao Minuto
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