Adelino Cardoso Cassandra | Téla
Nón | opinião
Vivemos tempos difíceis, muitos
difíceis, como tenho frequentemente alertado, neste jornal, em vários artigos
de opinião, perante a indiferença, e, até, manifestações de escárnio e ataques
pessoais, por parte das celebridades do costume, que, em nome da defesa dos
seus superiores interesses e das suas clientelas, fizeram com que o país
perdesse, definitivamente, o medo do ridículo e da chacota.
Na primeira república e após a
abertura do referido regime (basta ler o famoso livro do Gerhard Seibert – Camaradas,
Clientes e Compadres) muitos dos problemas que enfrentávamos, relacionados com
a manifestação da crença na autoridade e confiança no progresso, não eram
diferentes dos atuais, mas, todavia, naquela altura, existia algum pudor, por
parte dos representantes e instituições do Estado, na exposição pública e
impiedosa da mediocridade, da vulgaridade ou, até, da vaidade inconsequente e
pueril, voluntária ou involuntariamente, como elementos de manifestação da luta
pelo poder na nossa terra.
Para além disso, em aparente
contradição com esta constatação, o país, naquela altura, tinha muitos menos
quadros qualificados, na maior parte dos sectores de atividade e mesmo na
estrutura do Estado.
Ou seja, ao mesmo tempo que,
aparentemente, o esforço para a qualificação dos quadros nacionais foi sendo
feito e o seu enquadramento, como garantia da normalização da vida e dinâmica
das instituições do país, ao longo dos tempos, foi decorrendo, o país começou a
viver numa espécie de “Fogueira das Vaidades”, com reflexos desastrosos na
regularização da nossa vida em comunidade, cuja manifestação está relacionada
com o desejo e luta pelo exercício do poder, nas suas mais variadas formas, no
interior dos partidos políticos, nas instituições do Estado e, até, nas
relações sociais mais básicas, caracterizador do estádio embrionário de um
autêntico Estado falhado.
Esta “Fogueira das Vaidades”
reflete, a montante, a expressão dos nossos maiores problemas relacionados com:
a incapacidade do Estado providenciar a nossa segurança coletiva, a ordem e
bem-estar das nossas populações; a inexistência de estruturas sólidas e
eficazes para sustentar a nossa soberania jurídica e o nosso ciclo crónico de
pobreza e miséria que nos transformou num Estado pedinte e incapaz de existir
sem o apoio da ajuda internacional.
Para se salvar nesta autêntica
selva em que se transformou o país foi preciso, por isso, a adoção de
mecanismos de sobrevivência onde predominam a arrogância, a ganância, a soberba
e, nalguns casos, o ódio e a ignorância, mascarados de um sentimento individual
de grande valorização pessoal, que sirva para impressionar ou intimidar os
pares, os adversários políticos ou a própria comunidade.
É esta a essência da nossa
“Fogueira das Vaidades” que, cresce, todos os dias, como incêndios descontrolados,
no interior do país quando, por exemplo:
assistimos, impávidos e serenos,
às guerras resultantes da luta pelo poder, no contexto intra ou
interpartidário, que obstaculiza a ação governativa e fragiliza o papel e
funções do chefe do governo, transformando-o numa espécie de figura descartável
no domínio da ação governativa;
diariamente, constatamos a existência da insubordinação nos quartéis militares e desrespeito institucional pelas hierarquias;
assistimos, com tom de crueldade
inusual, à manifestação de fenómenos de justiça pelas próprias mãos,
posteriormente exibido nas redes sociais, perante a passividade e indiferença
das entidades estatais e júbilo popular, tendo, como pretexto, para tal, o
facto do hipotético prevaricador ter roubado uma grade de cerveja;
constatamos que os partidos
políticos se transformaram em palcos preferenciais de lutas constantes, com
cenas de agressões físicas e intimidações, tendo como objetivo a defesa dos
interesses privados, contaminando-se, posteriormente, o próprio Estado com
todos os vícios e consequências deste propósito;
assistimos, com vergonha e temor,
o Poder Judicial, cuja função é administrar a justiça, ou seja, aplicar o
Direito e apreciar os casos com equidade, transformar-se, nalguns casos, em
palcos de confrontos declarados de ódios, de iniquidades, de despotismo
militante inter e intrajudicial e, até, em entidades que estão acima da própria
lei;
vemos alguns jovens e, até
adultos, nalguns casos sem quaisquer qualificações compatíveis, técnicas e/ou
políticas, a reivindicarem cargos de Diretores de empresas, ministros ou
similares, num registo de chantagem e ameaças, só pelo facto de terem
participado na colagem de cartazes e/ou na mobilização popular em contextos
específicos de campanhas eleitorais.
O problema, contudo, é que
algumas pessoas, para não dizer a maioria das pessoas, começam a interiorizar a
ideia de que esta cultura de “Fogueira das Vaidades”, predominante
momentaneamente no exercício do poder político e nas relações sociais mais
básicas na nossa terra, é necessária, senão imprescindível, para a
transformação do país.
Temo, todavia, que tal facto,
possa significar, ao contrário daquilo que estas pessoas pensam, os primeiros
sinais ou marcas da entrada em declínio ou degenerescência do poder político na
nossa terra, tipificador da falta de autenticidade deste mesmo poder,
resultante da exposição lenta, a que todos estamos sujeitos, às labaredas de
ódios, mediocridade e vaidades inócuas, que nos vai consumindo sem qualquer
piedade.
Nunca, como agora, diariamente,
em conversas informais entre santomenses, nas ruas ou nas redes sociais, são
postas em causa, as invocações de razões históricas, que comprometeram milhares
de nacionais, no período anterior ou posterior ao 12 de julho de 1975, para a
causa da independência nacional, em detrimento de qualquer outra alternativa
política, menos radical, em associação com a administração colonial das ilhas.
Ou, ainda, nunca como agora, aqui
e acolá, se constata, por parte de algumas pessoas, a defesa e proposta de
eventual implementação de um regime político autoritário no país, como medida
para a solução dos nossos atuais problemas.
Provavelmente, estaremos a viver,
neste momento político específico da nossa história, uma grande aventura cega.
Há muita gente inconfortável com aquilo que existe ou, mesmo, desassombradamente contra aquilo que existe, e que não encontra respostas ou
possibilidades de intervenção pessoal e/ou coletiva, no interior dos
instrumentos de ação política e interventiva que existem, designadamente
partidos políticos, por inadequações destes, para dar a sua colaboração em prol
da produção de uma ordem, minimamente racional, que nos afaste desta “Fogueira
das Vaidades”.
Continuando neste caminho, nos
próximos tempos, não me admiraria nada, que, qualquer ato, mais ou menos
pensado, com consequências nefastas, fará mover a “nação” libertando forças
sobre as quais nenhum protagonista desta “Fogueira de Vaidades” terá qualquer
domínio ou controlo. Não tenho a certeza ou presunção que tal será,
necessariamente, mau!
Adelino Cardoso Cassandra
Sem comentários:
Enviar um comentário