Pequim, 23 nov 2019 (Lusa) --
Macau celebra em dezembro 20 anos da aplicação no território da fórmula de
governo de Pequim 'um país, dois sistemas", um modelo que confere
autonomia administrativa e que é hoje posto em causa por causa de Hong Kong.
A fórmula 'um país, dois
sistemas', que garante "alto grau de autonomia" a Macau e Hong Kong,
foi originalmente proposta pelo líder chinês Deng Xiaoping, no final dos anos
1970, como solução para reunificar Taiwan.
Taipé, no entanto, continua a
operar como entidade política soberana. Em Hong Kong, uma das maiores crises
políticas de sempre ameaça a autonomia do judiciário local. Resta Macau como
exemplo de sucesso.
No final do século XX, os três
territórios, historicamente chineses, permaneciam fora do controlo do Partido
Comunista Chinês, que tomou o poder no continente, em 1949, após uma longa
guerra contra o Governo nacionalista, que se refugiou em Taiwan.
Segundo a fórmula de Deng, Taipé
poderia manter uma administração própria, o modo de vida capitalista e até o
seu exército, desde que reconhecesse o governo comunista em Pequim como o único
legítimo em toda a China.
Taiwan recusou e tornou-se,
entretanto, uma democracia, onde o seu povo se identifica cada vez mais com a
condição de "taiwanês", por oposição a uma identidade comum com os
chineses do continente.
Mas, reconhecendo que a imposição
em Macau e Hong Kong do sistema político chinês, após a transferência da
soberania por Portugal e Reino Unido, respetivamente, entraria em choque com as
sociedades e sistemas económicos locais, a China recorreu à fórmula 'um país,
dois sistemas'.
Para as duas regiões
administrativas especiais da China foi acordado um período de 50 anos, com
elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário. As
estruturas políticas mudaram pouco também, com os chefes do Executivo a
substituírem os governadores enviados pelas potências coloniais.
Em Macau e Hong Kong os
candidatos têm de ser aprovados pelo Governo chinês e são depois votados por um
colégio eleitoral. Em Macau, este colégio integra 400 elementos representativos
da sociedade, quer através de cargos como os de deputados à Assembleia Legislativa,
quer por indicação das associações e grupos profissionais do território, desde
grupos industriais, comerciais e financeiros até a setores culturais e
desportivos.
Em 2014, surgiram os primeiros
sinais de frustração em Hong Kong com aquele arranjo: durante três meses,
centenas de milhares de pessoas paralisaram quarteirões inteiros para exigir o
sufrágio universal.
Vários líderes daquele movimento
de desobediência civil foram condenados à prisão e as autoridades centrais
passaram a enfatizar a parte 'um país' da fórmula: em 2016, seis deputados pró
democracia eleitos para o Conselho Legislativo de Hong Kong foram desqualificados
por deturparem o juramento de lealdade à China durante a tomada de posse.
Este ano um projeto de lei que
permitiria extraditar criminosos para países sem acordos prévios, como é o caso
da China continental, entretanto retirado, desencadeou protestos que duram há
seis meses e estão cada vez mais violentos.
Face ao agravar da crise no
território, o Governo central tomou esta semana uma decisão que parece abalar a
independência do judiciário de Hong Kong, que à semelhança de Macau tem a sua
própria Lei Básica [miniconstituição].
O órgão máximo legislativo da
China, onde cerca de 70% dos deputados são membros do PCC, alertou que usaria a
sua autoridade para invalidar a decisão de um tribunal de Hong Kong, que anulou
a proibição do uso de máscaras faciais, que permitem aos manifestantes proteger
as suas identidades da polícia.
Em declarações à agência Lusa,
Gao Zhikai, que serviu como intérprete de Deng Xiaoping e é atualmente um dos
mais conhecidos comentadores da televisão chinesa, apontou mesmo a proeminência
de não chineses no sistema jurídico de Hong Kong, onde continuam a existir
muitos britânicos, australianos ou canadianos, como um dos motivos da crise.
"Esse arranjo, feito com
toda a boa intenção, parece agora assombrar Hong Kong, gerando uma paralisia
entre o sistema judiciário e o Executivo e o sistema eleitoral também não está
a funcionar", destacou.
"Existem muitos cozinheiros
na cozinha, o que torna toda a situação mais complicada", acrescentou.
JPI // PJA
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