quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Portugal | Se for cardíaco, tente não falecer


Pedro Ivo Carvalho | Jornal de Notícias | opinião

Não há um português sério que não esteja comprometido com o Governo, o de turno ou outro qualquer, no objetivo de melhorar os serviços públicos de saúde.

Mitigar as falhas na resposta do Estado a uma cada vez mais exigente e envelhecida população constitui porventura o maior desafio da ação política e legislativa contemporânea, não só porque todos os dias descobrimos um novo fundo sombrio do problema, mas porque se trata de uma área de vida ou de morte que envolve sofrimento.

Acresce que é na saúde que mais facilmente se desvirtua o princípio de que somos todos iguais aos olhos da Constituição, mas uns acabam por ser mais iguais do que outros. No caso, os que têm seguro de saúde ou ADSE. Não é aceitável que um doente cardíaco da Guarda tenha de esperar cinco anos por uma primeira consulta.


Não é compreensível que uma população de meio milhão de pessoas da margem sul do Tejo fique privada de uma urgência pediátrica noturna durante pelo menos seis meses. Não é admissível que o tempo máximo de espera para cirurgias oncológicas continue a derrapar. E não se entende que um doente prioritário de Ortopedia em Faro tenha de aguardar quase quatro anos por uma consulta.

É certo que a sangria dos últimos anos no Serviço Nacional de Saúde (por via dos cortes ou das cativações) não se estanca por magia ou por decreto, mas o nível de impotência na reação que temos presenciado chega a ser assustador, obrigando, por isso, a um plano de ação coletivo, sem picardias políticas estéreis, vícios corporativistas ou cegueiras ideológicas.

Governo, partidos, profissionais de saúde, setor social e gestores (públicos e privados) têm de trabalhar em conjunto para salvar o que ainda é possível salvar a médio e longo prazos. Vai demorar muitos anos a reparar o mal feito, mas não podemos compactuar com a ideia (e o risco) de termos um Serviço Nacional de Saúde só para desvalidos.

Feito o diagnóstico, a dúvida mantém-se: de quanto dinheiro vamos precisar (e, sobretudo, de quanto vamos querer dispor) para tirar das urgências os cuidados médicos públicos prestados aos cidadãos? Ou vamos acreditar no mito de que o dinheiro não traz saúde?

*Diretor-adjunto

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