Em entrevista exclusiva à DW em
Lisboa, o ex-primeiro-ministro angolano Marcolino Moco considera que o combate
à corrupção em Angola tem de ser abrangente e institucional. Mas lamenta
contradições ainda existentes.
Marcolino Moco diverge da
"ideia obsessiva" de que o combate à corrupção é, na atual
conjuntura, o principal desafio para Angola. Em entrevista exclusiva à DW
África em Lisboa, o ex-primeiro-ministro angolano evita apontar nomes como
Isabel dos Santos e Manuel Vicente envolvidos em casos de corrupção, nem tão
pouco fala do escândalo "Luanda Leaks", desencadeado pelo Consórcio
Internacional de Jornalistas de Investigação.
Moco avisa que, mesmo estando
mais próximo de João Lourenço, não se sente inibido em continuar a ser uma
figura crítica do Presidente assim como o foi em relação ao regime de José
Eduardo dos Santos.
A corrupção, não só em Angola, é
uma consequência e não deve ser considerada causa dos males que afetam o
desenvolvimento do continente africano. Fica-se com a impressão, segundo
Marcolino Moco, que o combate à corrupção é o foco principal do programa dos
governos africanos, nomeadamente do Executivo dirigido pelo Presidente João
Lourenço.
"Eu penso que, na medida em
que nós resolvermos os problemas fundamentais, em demovermos as causas dos
conflitos africanos, não só angolanos, nós também aliviaremos problemas como o
da corrupção, entre outros, como o problema da fome, de uma educação
deficiente, da saúde, entre outros", diz Moco.
O antigo primeiro-ministro
angolano desmente estar em rota de colisão com o Presidente João Lourenço e
"assina por baixo" o slogan político-partidário lançado pelo chefe de
Estado de Angola, segundo o qual "é preciso corrigir o que está mal e
melhorar o que está bem”.
Mas quanto ao combate à
corrupção, Marcolino Moco afirma: "Essa prática de visar a corrupção como
o primeiro problema aí eu divirjo; não estou contra. É apenas uma divergência
que é anterior à instalação do atual Governo, sabendo-se como se sabe que tenho
uma ligação muito maior com o atual Presidente, quando com o anterior
Presidente não tinha praticamente nenhuma ligação, por culpa dele e não por
minha", esclarece.
Já durante o anterior regime de
José Eduardo dos Santos, quando escreveu o livro "Angola: a Terceira
Alternativa", os desvios de fundos do erário público era um dos dez
problemas importantes no conjunto das questões que então colocou. Em
primeiro plano, destacou o desprezo pelos direitos humanos, mas acima de tudo
alertou para o problema do sistema político montado à volta de uma só pessoa,
"que implicava o fecho de órgãos da comunicação social e que coarctava a
liberdade de expressão, que amarrava os meios de controlo como os tribunais,
transformados em braços do poder Executivo. E um Parlamento, que foi proibido
de exercer a sua função mais importante de fiscalização."
Explica que, praticamente, todo o
sistema então vigente estava contra ele devido às críticas que fazia ao regime
de José Eduardo dos Santos. Em relação ao Presidente João Lourenço, clarifica a
sua posição dizendo que "estar próximo do Presidente" não o deve
inibir de fazer as suas observações sobre "algumas questões."
"Isso é muito bom para a
sociedade e para o próprio Presidente também, porque o maior erro que José
Eduardo dos Santos cometeu era justamente o de ouvir só aqueles que o
agradavam. Ora, o atual Presidente, tanto quanto saiba até agora ainda não
entrou – e queira Deus que nunca entre – nesta ideia má de só ouvir aquilo que
é agradável", destaca o ex-primeiro-ministro angolano.
"Olhar mais para
frente"
Segundo Marcolino Moco,
"João Lourenço tem que ser ele próprio". Ou seja, o Presidente
"tem que olhar mais para a frente", mais para o futuro, sem que isso
signifique esquecer o passado.
Moco admite que o atual
Presidente da República de Angola tem em mãos uma grande oportunidade de fazer
história e de uma vez por todas fechar os ciclos do passado, particularmente no
que toca a aspetos negativos como a conflitualidade. E reconhece, por outro
lado, que para já não é altura para avaliar o Governo de João Lourenço.
"Talvez só daqui a cinco,
dez anos, estaremos em condições de dizer que o que se está a fazer agora é
errado ou não; porque há aspetos claramente positivos. João Lourenço trouxe
abertura relativa para a comunicação social, acabou com a impunidade. João
Lourenço vai avançando na consolidação da nova era, mas o verdadeiro balanço
objetivo, e se calhar justo à atividade de João Lourenço, será feito dentro de
cinco a dez anos", considera.
É desta forma que Marcolino Moco
responde àqueles que o insultam pela sua postura, afirmando que as pessoas não
devem pensar "que há homens completamente isentos de crítica."
"Todos nós somos passíveis a
crítica e o Presidente atual também é passível a críticas. E nós fazêmo-lo não
porque o odiamos, se eu nunca sequer odiei José Eduardo dos Santos, quanto mais
odiar uma pessoa muito próxima de mim em ideias. Mas há questões que nós temos
que abordar de forma crítica, positiva ou até de forma construtiva", diz.
Combate à corrupção abrangente
Marcolino Moco defende um combate
institucional abrangente da corrupção em Angola, o que passa pela abertura
da comunicação social e pela liberdade de expressão. Mas também diz que é
necessário dar ao Parlamento o poder de fiscalizar permanentemente o Executivo
e acabar com a impunidade, algo que João Lourenço desencadeou durante este seu
mandato.
No entanto, ainda existem
contradições. Sem pretender citar o nome de Manuel Vicente, que goza de
imunidade parlamentar, Moco recorda a recente condenação do ex-ministro dos
Transportes, Augusto Tomás.
"Foi condenado, não se
considerou sequer as imunidades que ele usufruiu como deputado, que tomou
posse antes de ser membro do Governo, não lhe deixaram pagar caução, não lhe
deixaram gozar um dia de liberdade condicional. Entretanto, há outros que estão
a ser protegidos justamente porque usufruem de imunidades. A sua prisão tem que
ser autorizada pela Assembleia Nacional. Quer dizer, há um aspeto genérico
positivo, que é o acabar com a impunidade, mas ao acabar-se com a impunidade
temos esses problemas, esse aspeto seletivo que estamos a viver em que alguns
são considerados marimbondos no sentido mais pejorativo e outros gozam do facto
de serem dirigentes."
Este é um dos aspetos negativos
da nova era de João Lourenço. A propósito dos desvios dos bens públicos
por figuras da elite angolana, nomeadamente do Comité Central do MPLA, o
académico defende uma justiça restaurativa, baseada na ideia de julgamento simbólico
de casos de corrupção.
Entretanto, Moco recusa-se a
comentar a recente polémica à volta da rejeição por parte da oposição angolana
do novo Presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), Manuel
Pereira da Silva, investigado por crime de corrupção, e manifesta-se contra
as nomeações e exonerações constantes do chefe do Executivo angolano.
"Agora a responsabilidade direta é da Assembleia Nacional, que
provavelmente está a cometer um erro, porque se já há indícios."
Desafios e prioridades
Entre os muitos desafios que
Angola tem pela frente, Marcolino Moco não considera prioritária a revisão da
atual Constituição, uma vez que o país atravessa um período de transição.
"As pessoas deviam entender, por exemplo a oposição, que está a
coincidir com o interesse deles, que é criar primeiro condições para que não
seja mais o MPLA a decidir quase que unicamente a revisão constitucional. Vão
se repetir os mesmos erros".
Moco espera que "agora a
preocupação seja: como vamos fazer a revisão constitucional? Com um Governo de
Unidade Nacional, que eu por acaso proponho também aqui? Nós agora devíamos dar
tempo para que a próxima revisão constitucional seja bem organizada e seja mais
participada, em que se vejam corretamente, por exemplo, a questão dos próprios
símbolos que toda a gente reconhece que há uma promiscuidade entre os símbolos
nacionais e os símbolos de um partido".
Neste chamado "período
transicional", o ex-primeiro-ministro afirma ser prioritário o incremento
de políticas de estabilização da economia e de respostas ao problema da fome.
A DW África entrevistou Marcolino
Moco no sábado, 29 de fevereiro, dia da apresentação, em Lisboa, do seu livro
"Angola - Por uma nova partida", que traz à tona questões políticas
candentes da atualidade africana, e em particular, a angolana. O livro,
traduzido para inglês e francês, apresenta ideias sob o ponto de vista de teses
teóricas para a solução dos conflitos que afligem a África subsaariana.
"São conflitos permanentes, que nos prejudicam e estrangulam a
harmonização dos nossos países, para serem alvos de investimentos",
explica o autor.
João Carlos (Lisboa) | Deutsche
Welle
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