segunda-feira, 18 de maio de 2020

O novo velho continente e suas contradições: O Brasil, a Europa e o fascismo


A Europa encontra-se hoje, mais uma vez, ameaçada pela sombra do seu passado. Os partidos de extrema direita tentam reeditar as crenças e os métodos do nazifascismo e têm crescido nas últimas eleições. O mesmo ocorre no Brasil, nestes dias obscuros para a saúde da sua população diante de uma pandemia. E do retrocesso político que o país está a viver neste momento mesmo

Celso Japiassu | Carta Maior

A imagem do Brasil na Europa e em todo o mundo nunca esteve em patamar tão baixo. Faz poucos anos que o país era visto como uma promessa para o futuro e todos acreditavam que o gigante latino-americano finalmente despertara para a construção de uma grande civilização nos trópicos. Mas agora a decepção ocupa o lugar da esperança de todos. Dos absurdos que têm caracterizado o atual governo à alta incidência da pandemia que aos poucos constrói o país como epicentro global da Covid-19, o noticiário veiculado na mídia europeia desconstrói o Brasil como nação de alguma importância no mundo de hoje.

A destruição da Amazónia, o genocídio que ameaça as populações indígenas, a guerra cultural, os riscos representados pelos ataques à democracia e as polêmicas internacionais que o Brasil alimenta são assuntos do quotidiano no noticiário. Com um governo, destacam os jornais, dividido entre militares, antiglobalistas e economistas, com o núcleo de poder a cada dia mais nas mãos dos militares. A respeitada revista Foreign Policy definiu a política externa brasileira: combina retórica nacionalista raivosa com submissão patética aos Estados Unidos.

Artistas, intelectuais, políticos, académicos e brasilianistas manifestam preocupação com o que acontece e revelam seu temor diante do avanço do país, em grande velocidade, na direção do fascismo. E vai perdendo todas as conquistas que havia obtido desde sua volta à democracia no final dos anos 1980.

A opinião democrática, socialista e liberal da Europa manifesta seus temores. A memória coletiva ainda não esqueceu o que foi a tragédia nazifascista que varreu o continente na primeira metade do século XX. Foi na Europa que nasceu e criou-se a concepção do mundo inspirada pelos movimentos de extrema direita: ódio às minorias, nacionalismo exacerbado, supremacia racial e a crença no surgimento do Übermensch, deturpação nazista das concepções de Nietzsche no seu poético livro “Assim falou Zaratustra” (Also sprach Zarathustra).

O fascismo

A data que marca a ascensão do fascismo é a de 22 de outubro de 1922, com a Marcha sobre Roma. Uma multidão de 40 mil pessoas vinda de várias partes da Itália dirigiu-se a Roma para exigir do rei Vitor Emanuel III a nomeação de Benito Mussolini como Primeiro Ministro. A Itália nessa época vivia uma efervescência revolucionária e os socialistas aumentavam o seu poder de mobilização popular. O Partido Nacional Fascista, fundado e dirigido por Mussolini, financiado pelo grande capital, surgiu para combater a crescente influência socialista.


O programa estratégico fascista de controle do poder pode ser resumido da seguinte forma: invocar um terrível inimigo interno e externo; criar um sistema de vigilância interna; criar bodes expiatórios; controlar a imprensa; qualquer dissidência é sinónimo de traição; colocar as garantias legais em suspenso. Junte-se a isso o desprezo pelos direitos humanos, supremacia do militarismo, a ligação entre Estado e religião, corporativismo, totalitarismo, nacionalismo e anticomunismo. Está composta a receita. Todos estes conceitos estão ou pretendem estar presentes na doutrina do atual governo brasileiro.

Alemanha

Se o receituário de poder fascista foi criado na Itália, foi no entanto na Alemanha que obteve a sua mais bem acabada representação. Com a vitória eleitoral do nazismo em 1933 e a subida de Adolf Hitler ao governo iniciou-se uma fase negra na história alemã. A ideologia que levou o país à guerra foi responsável por 85 milhões de mortos no conflito, o equivalente a 3 por cento da população mundial na época. Promoveu o genocídio de judeus e ciganos, perseguiu e matou homossexuais, artistas, intelectuais e cientistas. E deixou como herança uma terra arrasada.

Até hoje, depois de o país se ter reerguido, o regime de extrema direita liderado por Hitler está presente no país como uma má memória daqueles tempos e ainda não foi inteiramente afastado o sentimento de culpa em parte da sua população consciente dos crimes que foram cometidos em seu nome.

O contagio

Como uma metástase, o fascismo atingiu e chegou ao poder em outros países. Na Espanha, um general fascista liderou o que seria um golpe de estado mas tornou-se uma guerra civil diante da resistência que uniu republicanos, socialistas, comunistas, anarquistas e a consciência democrática daquela época. Vitorioso, com a ajuda crucial da Alemanha e da Itália nazifascistas, o General Francisco Franco governou o país de 1939 até sua morte em 1975. Foi um regime cruel e repressor que atrasou em décadas o desenvolvimento da Espanha.

Em Portugal, o regime de António de Oliveira Salazar, autodenominado Estado Novo, ocupou o poder a partir de 1933 até depois de sua morte. O país foi resgatado do fascismo na primavera de 1974, com a inspiradora Revolução dos Cravos. No Brasil, o integralismo foi uma réplica do fascismo europeu e o governo de Getúlio Vargas, chamado também de Estado Novo, importou fortes traços dos governos totalitários da Europa.

A Europa encontra-se hoje, mais uma vez, ameaçada pela sombra do seu passado. Os partidos de extrema direita tentam reeditar as crenças e os métodos do nazifascismo e têm crescido nas últimas eleições. Já controlam os governos da Hungria, Sérvia e Montenegro. E espreitam em quase todos os outros países.

O mesmo ocorre no Brasil, nestes dias obscuros para a saúde da sua população diante de uma pandemia. E do retrocesso político que o país está a viver neste momento mesmo.

O fascismo é um parasita que renasce forte das cinzas como sintoma das crises do capitalismo.

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