terça-feira, 19 de maio de 2020

Portugal | Ainda o Estado Multibanco


A lógica do «Estado multibanco», para citar de novo a certeira expressão de José Reis, está mesmo entranhada entre nós. Depois de a Comissão Executiva da TAP e a CIP terem proposto a injeção de dinheiro público na companhia de aviação e nas empresas em dificuldades, sem quaisquer contrapartidas, vão surgindo mais casos desta prática de socializar prejuízos mantendo o monopólio de gestão privada, como assinalou aqui o João Rodrigues.

Um dos exemplos recentes decorre da insuficiente proteção social de advogados e solicitadores inscritos na Ordem, que descontam para um fundo de previdência privado (a CPAS) e não para a Segurança Social. Com a suspensão da atividade dos tribunais, muitos destes profissionais perderam emprego e rendimentos de forma abrupta, constatando-se que os seus descontos (a rondar os 240€ por mês), para pouco mais servem que assegurar a reforma, excluindo portanto o apoio no desemprego. Ou seja, ficámos a saber que há cidadãos neste país que, apesar dos descontos que fazem (em linha, em termos de valor, com os descontos de outros cidadãos), não têm acesso a medidas elementares de proteção social.

O problema não é novo, claro, mas a crise evidenciou-o. Perante a situação, e em vez de tocar na questão de fundo - a injustificável existência de um sistema de previdência incapaz de garantir mínimos de proteção social -, o bastonário preferiu apontar o dedo ao Estado, considerando que «seria útil que pelo menos os advogados tivessem os mesmos direitos que os demais trabalhadores independentes» e acrescentando que «o facto de a advocacia ter uma caixa de previdência autónoma não é», em seu entender, «argumento para o Estado não conceder os apoios que deveriam estar a ser concedidos». Ou seja, de acordo com Menezes Leitão, nenhuma objeção a que estes profissionais não contribuam para a Segurança Social (ao contrário dos trabalhadores independentes) mas tenham acesso a prestações que esta garante. Surgindo algum problema, vai-se ao Estado multibanco, a caixa a que se recorre quando a gestão privada falha ou não é sustentável, numa estranha conceção de solidariedade e de direitos e deveres.

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