quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Clima: "alerta vermelho" da ONU é para levar a sério

Rosália Amorim | Diário de Notícias | opinião

Quase 20 anos depois, o mesmo homem que, enquanto primeiro-ministro, inaugurou a barragem de Alqueva, no Alentejo, vem agora, como secretário-geral das Nações Unidas, alertar para a gravidade das alterações climáticas. O grande lago nasceu em fevereiro de 2002, encerrando um ciclo de espera de cerca de 50 anos em resposta aos célebres cartazes "Construam-me, porra!". O empreendimento de Alqueva começou a ser imaginado ainda em pleno Estado Novo. Alimentou sonhos das populações locais, expectativas aos autarcas e preocupações aos ambientalistas. O enchimento da albufeira só pecou por ser tardio. As alterações climáticas já se adivinhavam e, sem água, o nosso imenso Alentejo já estaria mais desertificado e improdutivo.

As temperaturas vão continuar a subir e em toda a Europa esse efeito vai acontecer a um ritmo superior ao da média mundial, independentemente dos futuros níveis de aquecimento global, prevê o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). No novo relatório do painel mundial de cientistas e ativistas - que antevê que os limiares críticos para ecossistemas e seres humanos sofram um aumento de dois ou mais graus até 2100 -, a frequência de ondas de frio e dias de neve diminui na Europa, em todos os cinco cenários traçados e em todos os horizontes temporais.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, deixou claro, ontem, que o relatório sobre o clima publicado pelos especialistas da ONU é um "alerta vermelho" que deve fazer soar os alarmes sobre as energias fósseis que "destroem o planeta". O documento "deve significar o fim do uso do carvão e dos combustíveis fósseis", afirmou. Guterres pediu que nenhuma central de carvão seja construída depois de 2021. "Os países também devem acabar com novas explorações e produção de combustíveis fósseis, transferindo os recursos dos combustíveis (fósseis) para a energia renovável", acrescentou o secretário-geral da ONU.

O relatório estima que o limiar do aquecimento global (de mais 1,5 graus centígrados) em comparação com o da era pré-industrial vai ser atingido em 2030, dez anos antes do que tinha sido projetado anteriormente, "ameaçando a humanidade com novos desastres sem precedentes". Face às imagens de inundações e incêndios que têm feito, nas últimas semanas, as primeiras páginas de jornais e aberturas de telejornais, as novas previsões para o clima - anunciadas três meses antes da Conferência do Clima COP26 -, são alarmantes. Não se pode dizer que sejam surpresa, mas devem fazer-nos atuar. E já! Não é ser alarmista. Ora leia: até 2030, em todos os cenários - do mais otimista irritante até ao mais pessimista deprimente -, a temperatura global ultrapassa os 1,5 graus centígrados, em comparação com a era pré-industrial. Mais, a temperatura global subirá 2,7 graus em 2100, se se mantiver o atual ritmo de emissões de gases com efeito estufa. Como se isso não bastasse, os sorvedouros de CO2 estão a desaparecer. Não é só a Amazónia de Bolsonaro que está a ser devastada. Outras florestas, noutras geografias, têm vindo a ser cortadas e queimadas e as que ainda estão verdes começam a ficar exaustas. Desde 1960, florestas, solos e oceanos absorveram 56% do dióxido de carbono (CO2) emitido para a atmosfera pelas atividades humanas, mas essas autênticas esponjas absorventes de carbono estão a dar sinais de saturação e a percentagem de dióxido de carbono que absorvem deve diminuir ao longo do século, dizem os especialistas do mesmo painel. Sem essa ajuda da natureza, o planeta será ainda mais quente e inabitável.

O clima está a mudar mais rapidamente do que se temia e todos temos responsabilidades. Não adianta deitar as culpas na China ou na Índia, pois o exemplo - como acontece em tudo - tem de começar dentro de casa. A gestão da energia, da água e o cuidado e a preservação das florestas são determinantes para minorar os efeitos nefastos das alterações climáticas.

Para esta semana, está prevista uma onda de calor para Portugal. Qualquer novo incêndio eliminará mais sorvedouros de CO2 e comprometerá, ainda mais, as gerações futuras. As responsabilidades políticas existem (acumuladas por governos de vários partidos) e a culpa não será certamente, e uma vez mais, das condições climatéricas atípicas, como no fatídico 2017, em Pedrógão.

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