segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

CONTOS POPULARES ANGOLANOS – A Menina que Encantou a Chuva

Seke La Bindo*

O céu sem uma nuvem, a terra sem gota de água, as lavras nuas e a terra retalhada pela secura. Estava assim a aldeia de Mwondo, nos confins dos areais do Cuchi. O riacho Milele deixou há muito de correr. A ventania levanta nuvens de poeira que ferem os olhos de Intumba, a menina que cantava ao Sol uma súplica: manda-nos chuva, que a fome afugentou os pássaros e matou as crias da cabra. 

As crianças deixaram de brincar, as mães choraram a última gota de água e os homens partiram à procura da abundância perdida. O soba mandou juntar os velhos dos quatro cantos da aldeia e incumbiu-lhes uma missão especial:

- Partam hoje mesmo até aos domínios do adivinho Mukuve, e implorem-lhe que chame a chuva. Pagamos-lhe tudo o que pedir.

Os velhos partiram em direcção às colinas donde se avista o Cuchi, terra de Mukuve, o homem que conhecia a casa da chuva e com ela falava, quando a secura castigava a terra e fazia desaparecer os rios no seu leito arenoso. Quando chegaram a casa do adivinhador, no céu existiam pequenos farrapos de nuvens. Mas tão depressa a vista os alcançou, eles desapareceram varridos pela brisa.

O mais velho dos velhos disse a Mukuve:

- A aldeia Mwondo está seca, morrem as crias e a massambala. As crianças não comem e as mulheres não cantam. Faz chover na nossa terra, poderoso Mukuve!

O adivinho chamou à sua presença todos os sobas falecidos e com eles falou um dia e uma noite, sem parar. Depois disse aos emissários de Mwondo:

- Quando chegarem a casa chamem o povo. Só o kulila kalunga vos pode salvar. Assim mandaram os sobas falecidos. Os caçadores que vão à caça. Os flagelados que implorem com seus cânticos, o regresso da chuva que vai lavar as doenças e as tristezas.

Os velhos regressaram a casa, todos juntos. Onde um parava, todos paravam. Onde um dormia, todos dormiam. Era preciso que todos transmitissem a mesma verdade do adivinho, para que ninguém o considerasse falso ou impostor.

A menina Intumba viu chegar os mensageiros e aproximou-se da assembleia para ouvir as novidades da chuva. O soba ordenou aos caçadores que partissem naquele instante, para que a chuva regressasse. Todos os que ficaram, começaram a cantar as ladainhas da chuva. A menina abandonou a assembleia e continuou a cantar ao Sol.

No dia seguinte regressaram os caçadores, em grande algazarra. O primeiro animal que apanharam, foi uma cabra. Era o melhor presságio! A chuva estava a caminho. Mas Intumba continuou a cantar ao Sol.

Um caçador trazia um cágado, era outro bom presságio. O adivinho estava certo.

No dia seguinte, ergueram um altar no cemitério dos sobas para chamar a chuva. O soba da aldeia Mwondo e a sua mulher ficaram por baixo, enquanto todos entoavam o cântico mágico:

Kalunga neha nema, Tala mwalkiteny a tenya

Kalunga neha nema, Tala mungongo omwo.

Depois fizeram os sinais na testa e partiram para a aldeia. Mataram uma cabra e um galo. Todos comeram vorazmente: mbunda ya minguli. É preciso comer como comem os lobos, para que a chuva regresse às terras sofridas de Mwondo.

Ao longe, a menina Intumba continuou a elevar os seus cânticos ao Sol. Depois de devorada a carne da cabra e do galo, a chuva não devia tardar. Nos olhos das mulheres já se via um brilho de esperança. Mas a poeira continuava a cobrir as lavras sequiosas.

Ao entardecer, levantou-se um vento suave que arrastou galhos e folhas secas. O céu escureceu e da direcção do Cuchi vinham lentamente nuvens negras, grávidas de chuva. A noite passou lenta e nos céus de Mwondo não existiam nuvens. Apenas se viam as estrelas.

Ao amanhecer a ventania regressou e no horizonte surgiram as nuvens negras. Mas a chuva não chegou com elas. A menina Intumba partiu em direcção ao riacho Milele e nas suas margens ressequidas entoou o seu cântico ao Sol. 

Quando se calou, ouviu-se o canto do pássaro da chuva e a menina olhou para o céu. Lá estavam as nuvens negras onde vivia a chuva. Intumba voltou a cantar ao Sol, como se fosse a sua última súplica. E de repente sentiu no seu rosto grossas pingas de chuva. Ela cantou com mais força ainda e enquanto cantava ao Sol, a chuva libertou-se das nuvens. Em breve o riacho começou a correr e a poeira desapareceu do ar.

Na aldeia todos gabaram o adivinhador Mukuve. Mas a chuva sabia que voltou, porque ficou encantada com o canto de Intumba. Ela era a alma do kulila kalunga.

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