Pedro Cordeiro, editor da seção internacional | Expresso (curto)
Bom dia!
Começo fazendo um convite: hoje,
às 14h, “Junte-se à Conversa” com David Dinis e Eunice Lourenço, para falar
sobre as “Presidenciais: a pesquisa e o início da campanha”. Inscreva-se aqui .
Uma “Riviera no Médio Oriente”. Uma “localização fenomenal”. Um Mar-a-Lago no
Mediterrâneo? Donald Trump acrescentou ontem a Faixa de Gaza à lista de
territórios que quer dominar, adicionando parte do sempre adiado Estado
palestino à Groenlândia, ao Canadá e ao canal do Panamá. O Presidente americano
anunciou a “apropriação a longo prazo” e reabilitação dos 365 quilômetros
quadrados que a guerra arrasa desde o ataque assassino do Hamas contra Israel,a
7 de outubro de 2023. Quanto aos dois milhões de pessoas que lá moravam, não há
problema, a seu ver: Egito, Jordânia e países “com coração humanitário” que os
acolham, ainda que já alberguem milhões de palestinos.
“Não acho que as pessoas devam voltar a Gaza. Acho que Gaza lhes foi muito
pouco afortunada”, afirmou o inquilino da Casa Branca, alheio ao peso que
deslocamento forçado tem na história dos palestinos. “Eles viveram como quem
vive no Inferno. Gaza não é lugar para as pessoas viverem, e a única razão pela
qual eles querem voltar é que não têm alternativa.” Seu enviado ao Oriente
Médio, Steven Witkoff, corroborava há alguns dias: “Em qualquer cidade dos
Estados Unidos, se houvesse um centesimo dos danos que vi em Gaza, ninguém
seria autorizado a voltar para casa”. Argumenta, como o chefe, com falta de infraestrutura,
insegurança, doença. Expulsar os palestinos é fazer-lhes um favor.
Ao lado de Trump, o primeiro-ministro israelense saudou sua “capacidade de
pensar fora da caixa”. O americano não descartou o uso de tropas para colocar o
plano
Netanyahu — sobre quem pendem um mandado de captura do Tribunal Penal
Internacional por causa da chacina dos últimos 16 meses e uma investigação do
Tribunal Internacional de Justiça ao seu país por genocídio, além de acusações
de corrupção em Israel — teria na ocupação alvitrada por Trump a garantia do
fim do poder do Hamas na Faixa. Depois de ter decapitado o Hezbollah no Líbano
e assistido à queda de Assad na Síria, ambos sintomas claros de debilidade do
seu arqui-inimigo Irão, o líder israelita veria morrer, na prática, a solução
de dois Estados que continua a ser a posição oficial da comunidade
internacional, mas que os seus governos sempre fizeram por sabotar.
Satisfeitos ficariam, também, os aliados de extrema-direita de quem depende o
Executivo de “Bibi”. Avessos a quaisquer acordos com os palestinianos,
ministros como Itamar Ben-Gvir (que se demitiu em protesto pelo cessar-fogo) ou
Bezalel Smotrich querem um Israel “do rio até ao mar”, isto é, do Jordão ao
Mediterrâneo. A mesma geografia que os extremistas islâmicos reivindicam para a
Palestina, não raro suscitando justas acusações de antissemitismo. Na outra
parte do putativo futuro Estado, a Cisjordânia, que Smotrich e Bem-Gvir querem
anexar, colonos israelitas, postos de vigilância e muros vão criando um
rendilhado que dificulta qualquer contiguidade territorial. Também por ali se
morre.
Claro está que o Cairo e Amã repudiaram a ideia de Trump. Obviamente que a
Arábia Saudita não quererá, confirmando-se tais intenções, normalizar relações
com Israel, na senda dos Acordos de Abraão que o Presidente americano
patrocinou durante o seu primeiro mandato. Nada disso parece perturbar o
milionário, que fala de “criar milhares de empregos” num empreendimento “de que
o Médio Oriente poderá ficar orgulhoso”. Caso alguém pretendesse reduzir as
suas palavras a exercício de retórica, alertou: “Não quero ser engraçado, não
quero ser um espertinho”, assegurando que esta “não foi uma decisão tomada de
ânimo leve” e que tem apoios “tremendos”. Não saia do seu lugar.
Outras notícias
DESPEDIDA I Nos deixou Maria
Teresa Horta, a última das “Três Marias” que fizeram mossa no Portugal
salazarista, sendo por isso perseguidas (as outras eram Maria Velho da Costa e
Maria Isabel Barreno). Poeta e prosadora, lembrada como lutadora por Luciana Leiderfarb , a
mulher que morreu ontem disse há cinco anos para Bernardo Mendonça : “Sou uma
pessoa extremamente triste, mas não sou frágil. Sempre lutei pela liberdade,
desde os 15 anos”; e à Cristina Margato , em 2017: “A paixão pode machucar,
mas é tudo o que há de mais maravilhoso”. Recupero seu poema “Silêncio”, tão
breve quanto intenso: “Não posso meu/amor/saber a causa/daquilo que tu
calas//amor/quando te afastas”.
DESPEDIDA II Morreu em Lisboa o Aga Khan IV, título do chefe espiritual
dos muçulmanos ismaelitas, que atendia pelo nome de príncipe Karim Al-Husseini.
“Acho que o pior dos desastres é ter uma vida sem propósito. É uma ideia
horrível”, afirmou em entrevista à Alexandra Carita para o Expresso , em
2018. Não creio que esse risco alguma vez tenha pairado sobre este homem, cuja
sucessão será revelada quando for aberto o seu testamento.
ACUSAÇÕES O Ministério Público deduziu acusações contra o vereador Ângelo
Pereira, da Câmara Municipal de Lisboa, três presidentes de Junta da capital,
todos do PSD, para quem pede perda de mandato, no processo Tutti-Frutti, que
envolve ainda dezenas de políticos, parte deles do PS. Ilibados ficaram o ex-presidente socialista Fernando Medina e o seu vice, Duarte
Cordeiro (e o Daniel Oliveira tem pertinente comentário a fazer sobre isso ). Micael
Pereira e Eunice Lourenço contam tudo o que está em jogo, enquanto Paulo Baldaia conversa com Pedro Marques Lopes sobre o
caso. O vereador Pereira e o deputado Luís Newton, que encabeça a freguesia da
Estrela, pediram suspensão de mandato, escreve a Paula Caeiro Varela .
FURÕES 77 Se você não sabe quem são esses policiais, os camaradas Rui Gustavo e Hugo Franco explicam tudo para você . E
também informam que um deles admite que a faca encontrada junto do corpo de
Odair Moniz, presumivelmente morto por tiros de um agente da PSP e depois
agredido, possa lá ter sido plantada para sugerir uma sequência de
acontecimentos diferente da real.
MATANÇA Da Suécia, João Diogo Correia esclarece sobre a onda de violência que
se traduziu, ontem, no assassinato de dez pessoas em uma escola em Örebro, no
centro do país. Catarina Maldonado Vasconcelos resume o que aconteceu ali .
RESPOSTAS Já tentou comparar o discurso das diversas plataformas de inteligência
artificial? Vai achar graça. A Salomé Fernandes tentou , e obteve informações
diferentes consoante usava o ChatGPT, o DeepSeek ou o Qwen Chat. Conheça
também, pela pluma da Inês Loureiro Pinto , o nerd Liang
Wenfeng, criador do DeepSeek, que essa semana abalou os mercados.
Frases
“Enquanto o almirante projeta
integridade sem precisar de o dizer, Mendes tenta vendê-la como slogan.
Enquanto Gouveia e Melo é uma tela em branco na qual os eleitores se podem
projetar, Marques Mendes chega já carregado de décadas de televisão e política
de bastidores. O primeiro é um símbolo. O segundo, uma figura reciclada.”
Maria Castello Branco, colunista do Expresso
“A CDU, que tem sido um dos pilares da democracia alemã do pós-guerra, abriu
assim uma brecha que poderá ter consequências duradouras.”
Miguel Baumgartner, colunista do Expresso, sobre a votação em que a direita
democrática alemã aceitou a mão da extrema-direita
Podcasts a não perder
Para que serve uma internação
psiquiátrica? Helena Bento explora o assunto numa conversa com o psicólogo
e psicoterapeuta João G. Pereira e a designer Cláudia Godinho, mentores de um
modelo para evitar as hospitalizações deste tipo, que envolven a pessoa em
crise, familiares e profissionais. Ouça tudo no último episódio do Que Voz é Essa?
Fez recentemente 115 anos
que foram assassinados o rei D. Carlos e o príncipe Luís Filipe, seu filho e
herdeiro. Henrique Monteiro e Lourenço Pereira Coutinho evocam, em A História Repete-se , o reinado do penúltimo monarca
português.
Quer ganhar dinheiro? Quem não,
né? Já pensou em fazer isso com ETF? São fundos de índice e, se tal expressão
for tão opaca para você quanto é para mim, ouça o Contas Poupança , onde Pedro Andersson fala sobre uma ferramenta
financeira que, lentamente, começa a fazer parte da carteira de investimentos
dos brasileiros.
O que ando a ler, ver e ouvir
Ele tem me acompanhado nos
últimos dias “Conversas sobre a fé” , sequência de diálogos abertos
entre Martin Scorsese, um dos meus cineastas favoritos, e o teólogo jesuíta
Antonio Spadaro. Sob o pretexto do filme “Silêncio” (2016), sobre missionários
portugueses no Japão, mas também abordando os encontros do diretor com o Papa
Francisco, sua infância e outros marcos de sua obra e respectivas ressonâncias
espirituais, do polêmico “A Última Tentação de Cristo” dos anos 80 ao recente
“Assassinos da Lua das Flores”, eis um volume esguio que se lê rapidamente e
com vontade e interesse.
Nos palcos, menciono apenas as mais recentes aquisições de ingressos. De um
lado, uma peça que parte de trechos de Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge
de Sena: “Um país que é a noite” estreia amanhã e fica até 16
de março na sala estúdio do Trindade. A autoria é de Tatiana Salem Levy e
Flávia Lins da Silva, com direção de Martim Pedroso, que interpreta ao lado de
João Sá Nogueira, Maria João Falcão e Rui Melo. Entre 22 de fevereiro e 2 de
março, é hora de ir ao Liceu Camões ouvir um musical a partir de canções de
Sérgio Godinho. “Rita, põe-te em guarda” , verso que qualquer fã
identifica, é o título da história, com libreto e direção de Rita Lage e
direção musical de Ana Luísa Almeida (ingressos aqui ). A propósito de Sérgio, santo muito do meu
altar, recomendo este episódio do podcast Três Divãs , em que
o homem dos sete instrumentos conversa com as psicanalistas Patrícia Câmara e Ana
Teresa Sanganha.
Terminamos com música. Do sempre estimulante Mali vem “Héritage” , quarto e mais acústico álbum da banda de
rock Songhoy Blues. O jornal britânico “The Guardian” destaca as “harmonias
próximas e percussão delicada” de um trabalho que evidencia “fineza na escrita
das canções”. Também maliano é Sidiki Diabaté, filho de Toumani Diabaté e, como
este, mestre da kora, instrumento de cordas que quem não conhece deve
imediatamente ir escutar… e tornar-se “Kora Lover” , como o músico se declara no nome deste
seu quinto disco. Do vizinho Níger, espero para o dia 28 o lançamento de “Tears of Injustice” , de Mdou Moctar, releitura
despida de eletricidade de “Funeral for Justice” , estreado em 2024 e mostrado ao
vivo em Paredes de Coura.
Mais conhecido, mas nem por isso menos merecedor de atenção, é The Weeknd, que
nos brinda com o longo “Hurry Up Tomorrow” , último tomo de uma trilogia que
incluiu “After Hours” e “Dawn FM”. Mário Rui Vieira , na “Blitz”, ficou com mais dúvidas do que
certezas. Eu gostei. E, já aqui na pátria e para não demorar muito, duas faixas
soltas: de Capicua, a fortíssima“Making Teenage Ana Proud” , piscadela para um ersatz jovem
que pode, como outro futuro da rapper , orgulhar-se do que está
criando; de Benjamim, doce revisitação do emblemático “Volkswagen” a assinalar os dez anos do disco
“Auto Rádio”, efeméride que vai percorrer o país e para a qual, é claro, já
assegurei entrada no B.Leza , a 3 de abril.
Me despeço com a espuma desse café nada curto já transbordando da xícara,
recomendando que continuem acompanhando toda a atualidade nos sites do Expresso . Até breve e até sempre!
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