Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
1 Uma senhora de
apelido Espírito Santo tentando, com certeza, uma graçola, terá dito que
gostava dum determinado lugar porque era como brincar aos pobrezinhos. Presumo
que deva ser uma pessoa com bastantes meios à procura de novas experiências.
Não estou
particularmente interessado nas sensações que a senhora pretende obter no seu
período de férias, no entanto era capaz de me atrever a recomendar-lhe
experiências mais próximas da realidade, mais radicais. Talvez viver num
subúrbio ganhando o salário mínimo, passar duas horas nos transportes públicos
até ao local de trabalho e mais duas no regresso a casa. Casa essa que estaria
a pagar ao banco. Pode até convencer o marido do máximo que é brincar aos
pobrezinhos e viverem de dois salários mínimos durante uns tempos. O gozo que
não ia ser olhar para o dinheiro que receberiam ao fim do mês e perceberem que
dois terços do dinheiro ia para o empréstimos da casa e que teriam que se
vestir, alimentar, sustentar os filhos com trezentos ou quatrocentos euros, se
tanto. Mas se quiser mesmo uma coisa muito à frente, recomendo o desemprego.
Mas o desemprego como deve ser. Aquele em que já passou o período de receber o
subsídio. A experiência que cerca de 400 mil portugueses já estão a viver e que
mais umas largas centenas de milhares estão prestes a sentir. A que à sensação
de inutilidade, a que faz sentir que não se é capaz de obter o sustento pelos
seus próprios meios, atira um cidadão para a mais profunda miséria. Viver como se
já não fizesse parte da comunidade, como se comunidade ou cidadão fossem apenas
palavras sem sentido ou conteúdo.
A senhora teve um
momento infeliz, quis dizer uma laracha. Se calhar é até uma alma muito pia e
santa. Às tantas é só uma pessoa distraída. Seja como for, fora o facto de
ficar claro para todos que há gente que vive numa bolha sem qualquer tipo de
contacto com a realidade dos seus concidadãos e de não ter o mínimo sentido de
comunidade, a história não passa dum episódio da silly season - e nunca o termo
silly foi tão bem aplicado. A senhora até já veio pedir desculpa e, para não
variar, disse que as suas palavras foram tiradas do contexto. Por mim está
desculpada.
Entretanto,
continuo à espera que gente com infinitamente mais responsabilidades que a
alegre veraneante da Comporta venha também pedir desculpa por ter passado os
últimos anos a insultar os portugueses acusando-os de terem andado a viver
acima das suas possibilidades ou de serem sustentados pelos incansáveis
trabalhadores do Norte da Europa. Também aguardo, sentado, claro está, pelas
explicações dos senhores que declaram que o salário mínimo é mau para a
economia ou que o rendimento social de inserção promove a preguiça.
"Mas que terão
todas estas alarvidades a ver com a infeliz brincadeira da senhora?",
perguntará o leitor mais distendido com o calor de Agosto. Pense outra vez, meu
caro. É que têm tudo, tudo mesmo.
2 A procissão dos
swaps ainda vai no adro. Era capaz de apostar singelo contra dobrado que
durante os próximos tempos mais casos surgirão.
Pouco importa,
neste momento, saber quais foram as reais motivações das várias denúncias,
sobretudo das iniciais. Se foram guerras internas do PSD, se foi o Governo que
decidiu utilizar este dossiê como arma de arremesso político contra o anterior.
O facto é que neste momento o passa-culpas está definitivamente instalado. Com
isto nunca mais investiremos tempo a perceber porque foi feito este tipo de
contratos. Esqueceremos que na base do problema está o gigantesco endividamento
das empresas públicas, nomeadamente as de transportes, fruto da falta da devida
transferência de fundos do Orçamento Geral do Estado para estas empresas que
prestam um serviço público fundamental - que teriam problemas de gestão,
ninguém o nega. Que a dada altura o peso da dívida era tal que os gestores das
empresas estavam dispostos a tudo - não se desculpa a assunção de riscos
suicidas, bem entendido - para diminuir esse impacto nas suas contas, sendo que
se não o fizessem, em alguns caos, significaria essas companhias entrarem em
colapso.
Preferimos todos
pensar que os gestores destas empresas eram um bando de incompetentes,
irresponsáveis ou mesmo loucos. Já se arranjaram uns bodes expiatórios e outros
estarão a caminho.
Como de costume,
depois de tudo terminado, ninguém discutirá o essencial. Viva a politiquice.
Na foto: Cristina Espírito Santo,
a “Pobrezinha da Comporta”
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