Rui Peralta, Luanda
I - Para os curdos
que habitam na Síria, uma comunidade de dois milhões de pessoas (a principal
minoria da Síria, representando cerca de 10% da população), a situação actual
do país é dramática. A principal organização política curda na Síria, o Partido
de Unidade Democrática (PYD), organização do Partido dos Trabalhadores Curdos
(PKK) na Síria, domina grande parte das regiões curdas do norte do país e
lembra as autoridades sírias de que o principal inimigo dos curdos não é
Damasco, mas sim o regime de Ancara, o que provocou uma situação de relativa
neutralidade nas relações entre o PYD e o governo sírio.
Devido a um acordo
assinado em 1952 entre as autoridades turcas e sírias, não existiam armas
pesadas, nem tropas, numa faixa de 25 quilómetros entre a fronteira turca e
síria, sendo a responsabilidade dessa área entregue aos turcos. A presença
síria nessa zona limitava-se a forças policiais e dos serviços de inteligência
e contrainteligência. Toda esta faixa, hoje, encontra-se sob controlo curdo. O
governo sírio sabe que os curdos nunca se irão apoiar nos turcos e por outro
lado não quer arriscar a abrir mais uma frente, o que aconteceria se atacasse
as milícias curdas, pelo que optou por um processo de negociação com as
comunidades curdas.
II - Em Efrin e
Kobaneh, regiões curdas no norte da Síria, as Unidades de Protecção Popular
Curdas, chegaram a confrontar-se com o exército sírio, mas tanto os comandos
militares sírios, como o PYD / PKK, chegaram rapidamente a um acordo, que levou
á retirada das autoridades sírias, que entregaram dessa forma, a região
fronteiriça ao controlo das milícias curdas. Como contrapartida de segurança
para o exército sírio, os curdos concordaram na criação de milícias árabes,
controladas por Damasco, nas zonas fronteiriças entre as comunidades curdas com
a Síria.
Dessa forma a
confrontação entre os curdos e o exército sírio ou as milícias árabes que
apoiam Damasco, é evitada. Ambos entendem que a abertura de mais uma frente
seria insuportável, tanto para os curdos como para o Damasco e que apenas iria
beneficiar os turcos e os yaddistas.
Nas zonas
libertadas as milícias curdas, as Unidades de protecção Popular, não derrubam
ou ocupam os edifícios oficiais sírios. A sua preocupação é eliminar a presença
dos grupos yaddistas, financiados pela Turquia, Arábia Saudita e os estados do
golfo: Koweit, Qatar e Emirados Árabes Unidos.
III - A região de
Tallddes foi a única excepção a esta regra de relativa neutralidade entre os
curdos e Damasco. Em Tallddes, as milícias curdas e as milícias árabes do
Partido Comunista dos Trabalhadores Sírios (PCT) e da Coordenadora Democrática
para a Mudança Síria, atacaram o exército Sírio, numa acção conjunta, obrigando
os sírios a abandonar a região. Curdos e árabes ocuparam a refinaria de Gir
Ziro, controlada actualmente por comités conjuntos entre árabes e curdos.
As relações com
grupos armados da oposição síria foram iniciados pelo PYD em Julho de 2012,
coisa que não agradou á Turquia, pois através dos grupos armados o PYD ficou
informado de toda a rede logística turca na região e das formas pelo qual esse
apoio logístico é dispensado. Os turcos iniciaram, através de grupos armados
por si financiados, uma forte ofensiva nas zonas curdas dominadas pelo PYD /
PKK, rechaçada pelos curdos e que lhes abriu portas no interior do Conselho
Nacional Sírio (CNS), ou pelo menos em alguns sectores do CNS.
Durante o Verão de
2012 efectuaram-se grandes combates entre os curdos e as milícias salafistas e
yaddistas sírias, na cidade de Aleppo. Mas esta cidade tem uma particularidade:
Enquanto os combates que opunham o PYD / PKK e as milícias árabes
oposicionistas a Damasco decorriam, o exército sírio e as milícias
pró-governamentais bombardearam os bairros curdos. Para o PYD / PKK a
especificidade de Aleppo é o facto da existência de uma aliança entre Damasco e
os salafistas, com o objectivo de escorraçarem os curdos da cidade.
IV - As relações
entre o PYD / PKK e as organizações oposicionistas sírias são escassas. As
relações com o CNS limitam-se a contactos esporádicos, devido ao peso que a
Turquia tem nesta organização. É com a oposição de esquerda que existe um maior
contacto, principalmente com o já referido PCT.
Para o PYD a luta
deve centrar-se em torno da autogestão comunitária dos curdos na Síria. Lutar
por garantias constitucionais sobre os direitos sociais, políticos, económicos
e culturais e o direito á autodefesa dos curdos, para que os curdos que residem
em Damasco tenham os mesmos direitos dos curdos que residem no norte do país.
Existem dois blocos
curdos, para além do PYD / PKK: o Conselho Popular do Curdistão Oeste e o
Conselho Nacional Curdo da Síria. As três organizações formaram o Comité
Supremo dos Curdos na Síria. Este entendimento foi resultado de prolongadas
negociações entre as diversas organizações curdas na Síria.
A comunidade curda
na Síria é extremamente pobre, factor que é aproveitado pelo Exercito de
Libertação da Síria (financiado pela Turquia, OTAN e pelos estados do golfe)
para comprar curdos que combatam nas suas fileiras. Estas e outras questões
inerentes aos curdos são factores de apreensão para o PYD / PKK, que
desenvolveu células em todos os meios curdos, no sentido de estabelecer uma
ampla rede de informação, agitação e propaganda dos seus objectivos, em
simultâneo com o desenvolvimento de projectos comunitários nas áreas
libertadas, no âmbito da saúde, educação e habitação.
V - A permanência
de Bashar al Assad no poder é indiferente para os curdos. O PYD / PKK considera
que a guerra em curso na Síria é uma guerra entre bandos armados financiados
pelo imperialismo, com a participação directa da Turquia e dos estados do
golfe, que tentam estabelecer as suas influências no interior da Síria. Por
outro lado os burocratas do BAAS sírio, ao não ouvirem e recusarem-se levar em
conta as reivindicações populares frustraram as aspirações das populações
sírias e cederam á tentação de transformar a sua enorme camada burocrata em
burguesia nacional, o que não agradou nem á burguesia síria (que via com bons
olhos as medidas de liberalização económica em curso, mas não a concorrência
desleal dos burocratas) nem às grandes camadas proletárias sírias, que sentiam
cada vez mais na pele o deslumbramento dos burocratas pelo capitalismo.
Ao lutarem pela
garantia da sua autonomia e pelo direito a autogerirem as suas comunidades os
curdos estabelecem uma linha de combate aos interesses externos do ocidente, da
Turquia e dos estados do golfo na Síria e também aos interesses dos seus
agentes no interior. Por outro lado as forças mais progressistas da síria,
reconhecem que não existe uma solução autêntica para a Síria sem a resolução da
questão curda.
A guerra na Síria
tem como objectivo destruir o país, mergulhando-o numa espiral de violência.
Nem aos curdos, nem às restantes etnias árabes e muito menos aos sectores mais
avançados da sociedade síria esta situação é vantajosa. A busca de consensos
entre as camadas proletarizadas da sociedade síria é a única forma de impedir a
espiral de violência que o imperialismo pretende para a região.
Uma alternativa que
está para alem da OTAN, da Turquia e dos estados do golfo e que se encontra a
anos-luz de distancia dos burocratas de Bashar e dos interesses da burguesia
nacional síria, eis a barricada que barrará a estrada de Damasco aos que
pretendem utiliza-la para chegar a Teerão e aos que pretendem impor a
continuação do seu domínio, espezinhando e vivendo do trabalho dos que
efectivamente dão importância ao simples facto de ter uma bandeira.
Se calhar porque
não têm mais nada…