Brasil. UM MERGULHO NO PASSADO: OS ALMANAQUES GAÚCHOS



“Assim as semanas, assim os meses, assim os anos.  E choviam almanaques, muitos deles entremeados e adornados de figuras, de versos, de contos, de anedotas, de mil coisas recreativas. E choviam. E chovem. E hão de chover almanaques  (....)”. Machado de Assis (1839-1908) – Como se inventaram os almanaques
                                                                                     

Um tipo de publicação, desde o século XX, acompanhou gerações e foi bastante apreciada pelo público leitor no Rio grande do Sul: os almanaques. Tratando das fases da Lua, dados estatísticos e curiosidades sobre os mais variados temas, esta tradicional publicação era aguardada com expectativa, ao final de cada ano, por uma grande parte da população, constituindo-se numa marca da imprensa gaúcha.

De acordo com a ensaísta, professora de literatura e comunicação social brasileira, Jerusa Pires Ferreira, o almanaque traz “por um lado a fragmentação, por outro a memória reativada. A concepção de almanaque cobre e recupera práticas e saberes dos mais antigos aos mais imediatos”.

 Origem

Os almanaques possuem uma origem remota, que antecede aos tipos móveis e metálicos de Gutenberg (1398- 1468). Trazidos do Oriente para o Ocidente, no final da Idade Média, o mais antigo foi encontrado no Egito Antigo, no século XIII a.C. De acordo com os autores Corrêia e Guerreiro (1986), foi por meio de astrólogos árabes que o almanaque chegou à Europa com  formatação e conteúdo ligados diretamente ao c calendário. Embora existam controvérsias, quanto à origem do termo, em algumas fontes deriva do árabe al-manakh, referindo-se ao local onde os árabes nômades se reuniam para orar e relatar as experiências de viagens ou notícias de outras terras.

Segundo o historiador Jacques Le Goff (1996), o primeiro almanaque surgido na Europa foi por volta do ano de 1455. No ano de 1464, circulou o Almanaque da Corporação dos Barbeiros, e, em 1471, o Almanaque Anual.  Em relação à França, o Le Grand Calendrier Compost dês Bergers, de 1471, foi o mais importante e popular almanaque francês. O primeiro almanaque em Portugal data de 1496: Almanach Perpetuum de Abraão Zacuto, Impresso em Leiria, fornecia tábuas logarítmicas e outras informações relacionadas ao curso solar para cada dia do ano.  Os dados eram para ser utilizados junto com os instrumentos de medição astronômicos.

Nos séculos XVI e XVII, os almanaques começaram a circular de forma ampla na Europa, fazendo parte de seu conteúdo: o calendário, a astrologia, utilidades e entretenimento. Porém a partir do século XVIII, eles foram adquirindo uma nova roupagem diferente da anterior, cujo padrão era in-quarto, oito paginas de um papel de baixa qualidade e ilustrações grosseiras. A nova apresentação os transformara em publicações mais elaboradas, com mais páginas e  conteúdo diverso, além de se voltarem  à propaganda e à instrução.  Os almanaques conhecidos na China, no Egito e na Índia se espalharam pela Europa, principalmente, depois da propagação do Cristianismo pelo fato de difundir as datas sagradas e os santos.

 O primeiro Almanaque publicado no Brasil

Os almanaques chegam ao Brasil por meio de importações contrabandeadas da Europa, devido à Coroa Portuguesa proibir a circulação de periódicos na Colônia. Com a chegada da Família Real e a instalação da Imprensa Régia, em 1808, começa a surgir uma imprensa de caráter nacional com o lançamento dos primeiros periódicos e a instalação de tipografias particulares.

O Almanach para a cidade da Bahia, lançado, em 1812, na Tipografia de Manoel Antonio da Silva Serva (1761- 1819), foi o pioneiro no Brasil. Este primeiro exemplar do gênero seguiu o modelo europeu, tendo a função de calendário, informando os feriados e dias comemorativos. Em 1816, foi publicado o Almanach do Rio de Janeiro , sendo a segunda publicação nesse gênero.

De acordo com José Marques de Melo (1973), as altas taxas de analfabetismo no Brasil, por muitas décadas, se constituíram num entrave para o desenvolvimento da imprensa nacional. Durante o período Imperial, a taxa de alfabetização nacional era de 3%.  Enquanto os jornais circulavam com a predominância de textos, os almanaques eram repletos de imagens que representavam os pequenos textos publicados.  É possível que este dado tenha contribuído para o sucesso editorial dos almanaques, nos quais as ilustrações tinham um caráter bastante atrativo, indo a encontro do grande número de analfabetos à época.

O êxito de público, em relação aos almanaques, pode ser atribuído também ao fator econômico, pois “eram utilizados papeis de baixa qualidade assim como um grande numero de anúncios que custeavam parte significativa dos custos com a produção” (FERREIRA, 2011, p. 13). Isso tornava possível que as edições fossem distribuídas de forma gratuita, a exemplo dos Almanaques de Farmácia, ou vendidos com valores acessíveis às camadas populares.

Os almanaques representam uma iniciativa, visando a ampliar a cultura impressa tão insipiente e dependente das precárias técnicas de impressão, além da resistência que havia na Colônia quanto à circulação de impressos. Os almanaques no Brasil se constituíram em livros de uso e consulta de maneira genérica. Na Corte e nas províncias, foram aos poucos surgindo almanaques, que se tornavam atraentes e alvo de interesse, entre outros fatores, pela publicidade presente em suas páginas.  Neste breve artigo, minha proposta é retratar a presença e a importância de alguns almanaques que foram impressos no Rio Grande do Sul.

Entre os periódicos publicados, no final do século XIX e inicio do século XX, o almanaque assume uma função de destaque tornando-se o responsável na difusão de informações básicas, já que o jornal, naquele momento, estava voltado às questões políticas e econômicas e os livros eram caros, raros e de difícil acesso. Diante do  desenvolvimento da imprensa local, os almanaques começam a publicar outras temáticas, como trabalho, saúde, ciência, cultura, comércio e astrologia. De acordo com o historiador francês Jacques Le Goff (1924-2014):

“A literatura popular de divulgação acolhe e difunde os almanaques. Ilustrado com signos, figuras, imagens, o almanaque dirige-se aos analfabetos e a quem pouco lê. Reúne e oferece um saber para todos: astronômicos, como os eclipses e as fases da lua; religioso e social, com as festas e especialmente as festas dos santos, que dão lugar aos aniversários no seio das famílias; científico e técnico, com conselhos sobre os trabalhos agrícolas, a medicina, a higiene; histórico, com as cronologias, os grandes personagens, os acontecimentos históricos ou anedóticos; utilitário, com a indicação das feiras, das chegadas e partidas dos correios; literário, com anedotas, fábulas, contos; e, finalmente, astrológicos” (LE GOFF, 2003, p. 518)

Surge o Almanaque no Rio Grande do Sul

Em 1808, no Rio Grande do Sul, surgiu o “Almanaque da Vila de Porto Alegre” sob a responsabilidade de Manoel Antônio de Magalhães. Na realidade, esta publicação manuscrita se tratava mais de um relatório do que um periódico informativo, ou seja, ainda era um prenúncio do gênero.

O autor do manuscrito se tornou famoso, na sua época, por dois motivos: por ter sido o autor do Almanaque da Vila de Porto Alegre e pelo fato de ser o primeiro cidadão, em Porto Alegre, a ter janelas de vidro na fachada da sua residência.

Sua residência se localizava, na Rua Riachuelo, quase defronte ao famoso Beco do Fanha. O local passou a ser visitado pela população, inclusive, por estudantes curiosos, desde a colocação de vidros, nas esquadrias das suas sete janelas da casa, pelo francês Felix Gafury.

 O almanaque não causou tanta surpresa na cidade quando apareceu, em 20 de julho de 1808.  Embora manuscrito e magro, ele tratava de Porto Alegre e trazia ponderações sobre o estado da Capitania do Rio Grande do Sul, tendo sido oferecido a dom Fernando José de Portugal.

Escondido nas compactas estantes do Arquivo Público Nacional, em 1867, foi trazido a público, por meio da publicação de um artigo na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, sob a autoridade intelectual do Visconde de Taunay.  o Almanaque da Vila de Porto Alegre (1808)  foi o "pai dos almanaques do Rio Grande do Sul".

 O autor recomenda a sua Alteza Real, numa das primeiras páginas do almanaque, para que se evite a aquisição do charque do Montevidéu, protegendo, desta forma, o produto rio-grandense. Realmente, Manoel Antonio de Guimarães estava coerente em seu alerta, pois a concorrência com o produto platino, vendido mais barato, fez com que o nosso charque acabasse preterido, durante as negociações, pelo Império. Prejudicada economicamente a nossa elite estancieira, esta questão se tornou uma das causas importantes da Revolução Farroupilha (1835-1845), que eclodiu na província gaúcha 27 anos mais tarde.

Seu Centenário

No ano de 1908, ao completar seu centenário, o Almanaque da Vila de Porto Alegre mereceu edição própria, em forma de livro, devido à iniciativa de Augusto Porto Alegre, à chancela da Livraria do Globo e dos editores Barcellos & Cia. Nesta edição comemorativa é que se corrobora a opinião de Simões Lopes Neto (1865-1916), amparada em Domingos José de Almeida (1797- 1871): José Pinto Martins foi o proprietário da primeira charqueada que se estabeleceu em Pelotas. A afirmativa não é do criador do almanaque, Manoel Antonio de Magalhães; é de Augusto Porto Alegre.

A produção de almanaques na Província Gaúcha

O primeiro impresso, com características de almanaque, foi o “Folhinha do Ano Bissexto”, publicado, em 1840, de acordo Nelson Werneck Sodré em seu livro  História da Imprensa no Brasil, 4ª edição, p. 242.

Com o decorrer do tempo, surgiram almanaques que se destacaram no universo de impressos, que circulavam no Rio Grande do Sul, conquistando um fidedigno público leitor. Entre outros títulos, registro: o Anuário da Província do Rio Grande do Sul (1885-1914), Almanaque Literário e Estatístico do Rio Grande do Sul (1889-1917), Almanaque Enciclopédico Sul-Riograndense (1897-1906) e o Almanach Popular Brazileiro (1894-1908). Este último editado por Echenique & Irmão, em Pelotas, no Rio Grande do Sul, pela Livraria Universal, durante o período de 1894 a 1908. Alberto Ferreira Rodrigues, irmão de Alfredo Ferreira Rodrigues, era o editor Totalizando 15 volumes, circulou de 1894 até 1908 em Pelotas, Porto Alegre e Rio Grande. Os assuntos eram variados e teve a colaboração de importantes autores nacionais e estrangeiros.

Criado em 1885, o Anuário da Província do Rio Grande do Sul se transformou num grande sucesso editorial. Este almanaque teve, por muitos anos, sob a responsabilidade do educador, escritor e jornalista Graciano Alves de Azambuja (1847- 1911). Adepto da filosofia positivista, ele exerceu o cargo de Diretor Geral da Instrução Pública do Rio Grande do Sul, dirigiu a Escola Normal de Porto Alegre e a Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul.

Publicado em Porto Alegre por Gundlach & Cia, na Rua dos Andradas, o Anuário da Província do Rio Grande do Sul contou com a participação de diversos autores gaúchos, a exemplo de João Simões Lopes Neto (1865-1916), cujas poesias populares ali impressas formaram a principal fonte do famoso Cancioneiro Guasca (1910). Nosso primeiro cronista Antônio Álvares Pereira Coruja (1806 -1889), a partir de 1886, também colaborou, nesta publicação,  com os artigos Senadores e Deputados da Província, As Ruas de Porto Alegre, Alcunhas de Porto Alegre, entre outros títulos. A partir de 1892, ele foi rebatizado com o título “Almanaque do Estado”. Este anuário foi publicado até 1914.

Outro destaque, neste gênero, foi o Almanaque Literário e Estatístico do Rio Grande do Sul.  Circulou no período de 1889 a 1917, totalizando 29 edições. Este almanaque era finalizado na Tipografia da Livraria Americana, em Rio Grande, por Carlos Pinto & Cia Sucessores. Organizado por Alfredo Ferreira Rodrigues (1865-1942), membro fundador da Academia Rio-Grandense de Letras e sócio do Centro Rio-Grandense de Estudos Históricos e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, o Almanaque tinha como finalidade à divulgação cultural, literária e entretenimento do público leitor, contribuindo, desta forma, à difusão da leitura junto à população. Nele, o leitor podia encontrar, entre outros assuntos de interesse, calendários, biografias estatísticas, poesias, ensaios históricos e charadas.

Outra importante publicação foi o Almanaque do Globo. Este foi editado, em Porto Alegre, na famosa Livraria do Globo, por Mansueto Bernardi, João Pinto da Silva e Octávio L. Tavares a partir de 1917 até 1932.  No ano seguinte, sob nova direção, passou a denominar-se Almanaque da Revista do Globo.

No interior do Estado, surgiu o Almanak Recreativo Sul Rio-Grandense. Organizado por Júlio César e Vírgílio Goulat, o almanaque foi  publicado, em Bagé, no ano de 1900, na Typographia d’A Popular dos Irmãos Cirone, tendo circulado uma única edição.
      
O Correio do Povo e seu famoso Almanaque

Uma das mais tradicionais publicações gaúchas, o Almanaque do Correio do Povo, foi lançada no Natal de 1915, quando a empresa jornalística Caldas Júnior completava 20 anos de existência. Fundado pelo sergipano Francisco Antônio Vieira Caldas Júnior (1868- 1913), em 1º de outubro de 1895, o Correio do Povo é o mais antigo periódico ainda em circulação na capital. Com uma proposta de informar, com imparcialidade, o jornal se diferenciava de outros periódicos locais com características opinativas e vínculos de caráter político, conforme o padrão da nossa imprensa da época. Ao ser fuzilado o seu pai, maragato convicto e opositor ao centralismo político de Júlio Prates de Castilhos (1860-1903), durante a Revolução Federalista (1893-1895), Caldas Júnior se aborreceu com a política partidária e revanchista e decidiu então criar um jornal de caráter empresarial e informativo, inaugurando uma nova fase na imprensa gaúcha.

O Correio do Povo, em um determinado período, era chamado o “róseo” devido à cor de suas páginas.  Na realidade, havia uma crise econômica que atingiu o papel, sendo utilizado, então, um de menor qualidade e de baixo custo que tinha esta tonalidade. A oralidade e o imaginário da época propagaram que o jornal, por ser apartidário, havia optado pela cor rosa, pois esta representava a mistura do lenço branco (pica-pau) - Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) – com o lenço vermelho (maragato) do Partido Federalista (PF), resultando na cor rosa. A rivalidade e a oposição ideológica existente, entre as duas facções, resultou num confronto armado: a Revolução Federalista (1893-1895) que totalizou 10.000 mortes.  Este episódio foi o mais sangrento no Rio Grande do Sul, conhecido também como “A Revolução da Degola”.

Seu destacado papel cultural

Perfazendo 66 edições, o Almanaque do Correio do Povo trouxe ao leitor os melhores artigos e reportagens, além de excelentes anúncios publicitários, tornando a sua leitura prazerosa, variada e rica em conteúdo. Nomes importantes das letras e da nossa historiografia colaboraram para o seu engrandecimento e êxito: Erico Veríssimo (1905-1975), Dante de Laytano (1908-2000), Arthur Ferreira Filho (1899 – 1996), Walter Spalding (1901-1976), Archimedes Fortini (1887-1973) Lothar Hessel (1915-2007),  Nilo Ruschel (1911 – 1975),  Mário Quintana (1906-1994), Paulo Xavier (1917-2007), Paixão Cortes, Sérgio da Costa Franco entre  outras figuras importantes no âmbito cultural.  A última publicação do Almanaque do Correio do Povo ocorreu no ano de 1982, encerrando assim uma trajetória de excelente contribuição no cenário cultural do Rio Grande do Sul.

 Os imigrantes e seus Almanaques

Os almanaques alemães se destacavam pela variedade de temas e curiosidades, contemplando uma significativa parte da população teuta no Rio Grande do Sul, como o Koseritz Deutsche Volkskalender (1873-1891). sob a responsabilidade do notável jornalista Karl Von Koseritz (1830-1890), Musterreiter’s Neuer Historischer Kalender de 1885 e o Kalender für Deutschein Brasilien (1881-1939).
    
Karl Von Koseritz, (1830-1890), entre outros nomes, representa um ícone da imprensa alemã, em nosso Estado, pois escreveu e dirigiu importantes periódicos no Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre, atuou no jornal liberal “A Reforma” (1869-1912) e, no interior da província gaúcha, no jornal “Brado do Sul” (1858-1865), primeiro periódico diário da cidade de Pelotas. Entre outros jornais importantes, ele dirigiu a Acácia (1876) - órgão maçônico e anticlerical - e o tradicional Koseritz Deutche Zeitung (1881-1905). Na imprensa gaúcha, sua presença ficou conhecida como a “Era Koseritz”. Contratada por dom Pedro II, ele integrou a Legião Alemã – os Brummer - para lutar contra o ditador Rosas da Província de Buenos Aires. Koseritz não se adaptou ao contexto da guerra e desertou, encontrando no Magistério e no Jornalismo um terreno fértil para atuar.

O Almanaque Musterreiter’s Neuer Historischer Kalender foi publicado, em Porto Alegre, a partir de 1885, sob a responsabilidade de Druck und Verlag von Cäsar Reinhardt. Com intensa propaganda de empresas alemãs do comércio e indústria de Porto Alegre, a publicação trazia, em suas páginas, textos literários, poesias, contos, trechos de romances de escritores alemães, ilustrações, caricaturas e fotografias.

O Kalender für die Deutschein in Brasilien (1881-1939) - Almanaque para os Alemães no Brasil -, foi uma importante publicação de orientação evangélica, criado, em São Leopoldo, pelo Dr. Wilhelm Rotermund, pastor, teólogo e livreiro, que circulou no período de 1881 a 1918 e de 1920 a 1941, atravessando gerações.

Publicado na cidade de Ijuí, no Rio Grande do Sul, pela Casa Editora Ulrich Löw, o Almanaque Serra Post Kalender Brasilianisches Jharbuch foi lançado, em 1922, pelo Correio Serrano (Die Serra-Post), que foi fundado em 12.5.1911. Dirigido por Robert Löw, o almanaque divulgava artigos sobre a imigração alemã, circulando no sul do Brasil e no exterior. O almanaque foi publicado até 1978.

A população italiana, presente no Rio Grande do Sul, por meio do Almacco Italiano Illustrado del Giornale La Patria (1921), publicado, na capital gaúcha, em 1921, sentiu-se representada na imprensa da época. O almanaque era dirigido por Caetano Blancato, trazendo um conteúdo bastante rico em informações e variedades acerca dos italianos aqui radicados e dos que viviam na Itália.

No ano de 1898, começou a circular o primeiro número do Calendário Polonês, editado por Feliks Bernard Zdanowski (1859-1931), ativista social, intelectual, e cronista.  È atribuído a ele a fundação da imprensa polonesa na cidade e a maioria dos registros da época. O Calendário Polonês de 1898 registra que a colônia polonesa de Porto Alegre era formada por cerca de 400 famílias, residindo a maioria no bairro 4º Distrito. Esta publicação registra, entre outras informações, os interesses da comunidade, uma lista de nomes de trabalhadores poloneses, suas respectivas profissões e onde a exerciam. A maioria das famílias polonesas, em Porto Alegre, ao término do século XIX e início do século XX, como as demais espalhadas pelo Rio Grande do Sul, tinha um modo de vida simples, austero, pautado por rígidos princípios de conduta moral, dedicando-se ao trabalho e alicerçados pela fé, sendo a grande maioria de orientação católica.

Linara Bessega Segalin, em seu artigo, “Conhecimento de almanaque: Usos e abusos da memória e do esquecimento”, registrou, na p. 16, ao analisar, principalmente, o Almanaque Popular Brasileiro editado, em Pelotas, no Rio Grande do Sul:

(...) “Através desse artigo pudemos elaborar melhor algumas questões relacionadas ao funcionamento estratégico dos Almanaques, em especial do Almanach Popular Brasileiro, e verificar de que forma as utilizações e manipulações da memória e do esquecimento se fazem sentir nas páginas do almanaque.
   
Segue a autora:

“Como vimos, existe, por parte dos almanaques, uma grande preocupação em enfatizar dados da memória nacional, dos grandes fatos e homens e um esquecimento de questões importantes como a escravidão negra e indígena, por que prejudicariam a construção de uma identidade nacional voltada para o progresso. Mostrar a escravidão evidenciaria o atraso de tal sociedade, bem como a barbárie, itens tão desprezados num cenário que enfatizava a racionalidade, o desenvolvimento e progresso. Notamos também que a difusão de memórias pessoais, em relação ao comportamento de homens e mulheres, funde-se na elaboração de uma memória coletiva sobre o que se esperava dos gêneros”.

Fontes de pesquisa

Os almanaques se constituíram num marco importante da história das publicações gaúchas pela diversidade do conteúdo marcado por registros e dados curiosos presentes em suas páginas, que fazem parte da memória coletiva. O Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, localizado, na capital gaúcha, guarda e preserva alguns títulos importantes, que são fontes raras para estudantes, professores e pesquisadores. A citação de Almanaques está presente na bibliografia de muitos trabalhos acadêmicos na forma de monografias, dissertações e teses. Outro local, onde o pesquisador poderá ter acesso também a almanaques que circularam em nosso estado, é na Seção de Obras Raras da Biblioteca Central da Universidade de Caxias do Sul.

Ao encerrar esta breve exposição, sobre os Almanaques, especialmente, no Rio Grande do Sul, segue outra transcrição de um trecho de “Como se inventaram os Almanaques” do escritor Machado de Assis (1839-1908):

“O almanaque trazia a língua das cidades e dos campos em que caía. Assim toda terra possuiu no mesmo instante, os primeiros almanaques [...] Todos tinham almanaques. Nem só elas, mais também as matronas e os velhos e os rapazes, juízes, sacerdotes, comerciantes, governadores, fâmulos, era moda trazer o almanaque na algibeira” (ASSIS, 2001, p. 26-27)
                                                         
Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite é pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Musecom

Bibliografia
ASSIS, Machado de. Como se Inventaram os Almanaques. In: MEYRER, Marlyse (Org.). Do Almanak aos Almanaques. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
CASANOVA, Vera de Carvalho. Lições de almanaque: um estudo semiótico. Belo Horizonte: UFMG, 1996.
CORRÊIA J. D. P.; GUERREIRO, M. V. Almanaque ou a sabedoria e as tarefas do tempo. In: Revista ICALP, vol. 6. p. 43-52, ago. /dez. Instituto Camões. Lisboa: 1986.
FERREIRA, Jerusa Pires. Almanaque. In: MEYRER, Marlyse (Org.). Do Almanak aos Almanaques. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
LE GOFF, Jacques. História e Memória.  Tradução Bernardo Leitão... [Et .al]. –5ª Ed. – Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003.
LE GOFF, J. História e Memória. Trad. Bernardo Leitão. Campinas: Editora da Unicamp, 1996.
MARQUES DE MELO, José. Sociologia da imprensa brasileira. Petrópolis, Vozes. 1973.
MIRANDA, Marcia Eckert; LEITE, Carlos Roberto Saraiva da Costa. Jornais raros do Musecom: 1808-1924. Porto Alegre: Comunicação Impressa, 2008.
MONTEIRO, Charles. Porto Alegre e suas escritas : histórias e memórias da cidade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006.
PARK, Margareth Brandini. Histórias e leituras de almanaque no Brasil. Campinas, SP: Mercado das Letras; São Paulo: Fapesp, 1999.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: MAUAD Editora LTDA, 1998

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1 comentário:

Carlos Roberto da Costa Leite disse...

No início do texto, a forma correta é " desde o século XIX ...".

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