Mário Soares – Diário de Notícias, opinião
É certo que este
mês de março vai ser muito difícil para os portugueses, com algumas exceções
conhecidas. Direi mesmo terrível. Aqueles que ainda não emigraram - e os que
não se suicidaram, o que começa a suceder com frequência - estão, na sua
esmagadora maioria, desesperados, contra o atual Governo e proclamam-no todos
os dias, por todo o lado e de todas as formas. A razão é simples: resulta do
empobrecimento geral, do aumento do flagelo do desemprego e do desespero que
cresce e começa a ser perigoso. Com o desemprego, o roubo das pensões, que
inesperada e ilegalmente lhes destruíram a esperança no presente e no futuro
próximo.
A verdade é que o
Governo nunca lhes explicou nada e nunca se interessou pelos portugueses, mesmo
aqueles que lhes deram o voto, seguramente por engano. É a consciência que têm
hoje os cidadãos deste país - e por isso gritam todos os dias - vaiando os
ministros que aparecem na rua, raramente, diga-se, mesmo com os capangas que os
protegem e empurram e batem nos portugueses, com crescente força.
Aos olhos de todos,
o Governo só tem cometido erros sobre erros, desde que está no poder, sem
explicar a ninguém a sua versão ou visão do que faz e para que o faz, criando
uma situação cada vez mais trágica.
Para o Governo -
repito -, o povo não existe nem lhe interessa. Nunca, como se diz em linguagem
popular, passou cartão ao povo. E, ao mesmo tempo, está a destruir a classe
média e a desagradar, cada vez mais, aos abastados que, embora indiretamente,
também sentem que Portugal está sem rei nem roque, e mesmo as grandes empresas
também sofrem, como é evidente. E não é pouco.
Tudo resulta da
maldita austeridade que está a destruir, por toda a parte, os países que a
sofrem. Portugal está a ser liquidado, como se sabe, o Governo não é patriota,
e só obedece e paga à troika e aos mercados usurários que a comandam. A Europa,
de resto, pela força das coisas, começa a mudar lentamente de política. É
inevitável.
Vítor Gaspar, na
passada sexta-feira, reconheceu, na Assembleia da República, que se enganou em
todas as previsões que fez, e não foram poucas. Sempre o disse, mas é bom que o
ministro o tenha reconhecido agora. Contudo, insistiu que no mês em curso vai
prosseguir - com cada vez maiores dificuldades para os portugueses - com a
austeridade, que nos arrasou e está a destruir Portugal. Depois admira-se que
os portugueses, em grande maioria, gritem que o Governo acabou e deve
demitir-se quanto antes, a bem ou a mal. São os portugueses e Portugal que
estão em jogo, com a exceção daqueles que só pensam em servir a troika e os
mercados usurários, e ganhar algum pelo meio...
Não são apenas as
finanças e a economia que estão em péssimas condições, mas também a política, a
ética e o Estado social, sem esquecer o ambiente, de que já ninguém fala. Para
quê?
Este Governo, que
não tem vergonha - senão já tinha percebido que devia ir-se embora -, além de
estar a alimentar a troika e a destruir a economia e as finanças, está também a
pôr, conscientemente, em causa a nossa jovem democracia e a moral dos
portugueses, herdadas do 25 de Abril. Porque quando o povo não conta nem tem
voz, a democracia entra, obviamente, em colapso. A começar pelos partidos
políticos e pelo Estado social, que tanto trabalho nos custou a criar, pelos
sindicatos e o ambiente, não esquecendo o nosso mar, de que tanto se fala, mas
nada de concreto se faz. E o tempo urge. Muitos estrangeiros olham para nossa
situação com cobiça.
Sem partidos não há
democracia. É verdade. Ora os partidos da oposição não são ouvidos e o que é
mais grave, o próprio CDS-PP está, como não podia deixar de ser, em quebra,
segundo a última sondagem da Universidade Católica.
O Partido Comunista
vai apresentar na Assembleia da República um pedido de demissão do Governo. É
oportuno. Eu, socialista, se fosse deputado, não hesitaria em votar a favor.
Porque, como é da regra, na política partidária, ou se está de um lado ou do
outro. Estar a meio caminho, só serve para os partidos se enfraquecerem.
De resto, não é por
acaso que os partidos estão em quebra. Todos. Grande parte da opinião pública
faz críticas aos partidos, sem exceção. É, no plano democrático, grave. Uma
grande parte do PSD (talvez a maioria) está contra o Governo. O CDS procura
estar e não estar, o que é uma posição que não augura nada de bom. O PS está
agora claramente contra o Governo, mas não pediu ainda a sua demissão, o que
torna, a meu ver, o vasto eleitorado do PS desconfiado. O PCP e o Bloco de
Esquerda têm proclamado a demissão do Governo, o que agrada sobremaneira aos
portugueses desesperados, sejam ou não ideologicamente de direita ou de
esquerda, apesar de os portugueses em geral não gostarem dos partidos radicais.
Mas ainda gostam menos do Governo, como é óbvio, e querem que ele saia
urgentemente do poder.
Aliás, os partidos
políticos têm que se reformular e atualizar, porque o mundo está a mudar, e de
que maneira. Radicalmente. É uma situação que obriga todos os partidos, de
direita ou de esquerda, a reformularem-se, porque as sociedades estão a mudar e
os partidos - todos - têm de compreender que o mundo não aguenta o capitalismo
selvagem e a globalização sem ética. Os partidos têm que se adaptar ao novo
mundo que está a chegar e à própria Europa, nova, que vem aí, necessariamente.
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