Jorge Bateira –
Jornal i, opinião
Vivemos uma época
em que os partidos se revelam incapazes de apresentar uma proposta que rompa
com “a situação” geradora do desemprego de massa
O filósofo holandês
Rob Riemen, recordando Albert Camus e Thomas Mann, escreveu recentemente: “O
bacilo fascista estará sempre presente no corpo da democracia de massas. Negar
este facto ou dar outro nome ao bacilo não nos tornará resistentes a ele. Pelo contrário.
Se queremos combatê-lo eficazmente, teremos de começar por admitir que está
novamente prestes a contaminar a nossa sociedade, teremos de o chamar pelo seu
nome: ‘fascismo’” (“O Eterno Retorno do Fascismo”, Bizâncio).
A crise que estamos
a viver tem muito em comum com a crise de entre as duas grandes guerras do
século xx, com destaque para o quadro institucional e ideológico da
política económica. A maioria dos economistas acreditava (era mesmo uma
crença!) que um orçamento equilibrado dava confiança aos agentes económicos e
que medidas de austeridade eram indispensáveis à recuperação da economia. Por
outro lado, as taxas de câmbio estavam fixadas pela institucionalização do
padrão-ouro. Por isso, com livre circulação de capitais e câmbios fixos, a
política monetária não estava disponível. A política económica reduzia-se à
engenharia do empobrecimento através do desemprego para reduzir os custos de
produção. Esse tempo regressou. Sob a tutela do ordoliberalismo germânico, uma
variante da “economia da idade das trevas” na expressão de Paul Krugman, as
elites políticas e financeiras da UE enterraram boa parte da sua periferia numa
nova grande depressão e induziram uma nova recessão continental. Hoje, milhões
de pessoas estão desesperadas e não vêm qualquer luz ao fundo do túnel. Por
isso, em alguns países europeus já eclodiu, enquanto noutros está em gestação,
o “tempo fascista” que Karl Polanyi tão bem descreveu na “Grande Transformação”
(1944, cap. 20).
Dizia Polanyi:
“Imaginar que foi a força do movimento [fascista] que criou situações desta
natureza e não ver que, neste caso, foi a situação que deu origem ao movimento,
significa não aprender a marcante lição das últimas décadas.” Esta passagem
devia ser meditada por todos aqueles que se opõem à presente política de
neoliberalismo selvagem. É que o “tempo fascista” é um tempo de impasse
político, um tempo em que os partidos se revelam incapazes de apresentar uma
proposta que rompa com “a situação” geradora do desemprego de massa, lançando
assim os cidadãos desesperados para os braços de um demagogo carismático.
Para romper com
este impasse, a oposição precisa de mobilizar os cidadãos para acções de
protesto pacífico numa escala e numa duração inéditas face às quais, à semelhança
do que aconteceu na Islândia e na Bulgária, a queda do governo se tornaria
inevitável. Para que tal pudesse acontecer, tendo em conta o descrédito em que
caíram, os partidos da oposição teriam de a) participar numa frente política
abrangente, liderada por um colectivo de cidadãos sem vínculo partidário e b)
assumir que o desenvolvimento do país, baseado numa política económica visando
o pleno emprego, não é possível sem que o país recupere a soberania monetária.
Só com uma mudança radical no seu posicionamento estratégico, ilustrado por
estas duas condições, seria porventura ainda possível encontrar, antes das
legislativas de 2015, uma resposta política progressista para o “tempo
fascista” que vivemos.
O sofrimento que
atravessa a sociedade portuguesa, o visível desnorte do governo num beco sem
saída, a que se junta a irrevogável preocupação com o destino das poupanças
suscitada pelo resgate dos bancos de Chipre, tudo junto parece ter criado
receptividade a uma proposta política credível que responda de forma
construtiva a este “tempo fascista”. A capacidade de regeneração da democracia
portuguesa está hoje posta à prova.
*Economista,
co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas - Escreve
quinzenalmente à quinta-feira
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