terça-feira, 18 de junho de 2024

Portugal | Emergências

O problema da escassez de professores atingiu uma espécie de ponto de não retorno, por se ter prolongado sem qualquer tipo de justificação racional uma situação que aliou ao natural envelhecimento, o esgotamento dos que estão em exercício e uma política profundamente distorcida de preparação e recrutamento de novos docentes.

Paulo Guinote* | Diário de Notícias | opinião

Nada começou no ano lectivo que vai terminando, nem sequer durante a pandemia, porque essa até ajudou a camuflar algumas carências, ao possibilitar que voltassem a leccionar à distância, muitos docentes com uma situação de saúde que não lhes permitia a deslocação física à escola.

Sei que se recomenda que não se comecem a apontar responsabilidades pelo que temos (são variadas e prolongam-se por duas décadas), mas sim que se busquem soluções. Foi o que tentou o actual Ministro da Educação com o seu Plano +Aulas+Sucesso que, para além de ter uma missão impossível, apresenta um título mistificador, pois o sucesso não se garante apenas com mais aulas, mas sim com melhores aulas em melhores condições.

Começo pelos pontos positivos, para que não se diga que apenas vejo as partes más: para já, parece não ter havido cedência à pressão para aumentar o número de alunos por turma ou para reduzir o número de aulas dos alunos, através de truques curriculares. Aliás, começar um plano por “+Aulas” e depois reduzi-las seria demasiado paradoxal. Até porque essa “solução” levaria a um desgaste mais acelerado dos docentes que se querem reter. Em seguida, acho interessante, embora irrealista, que se tenha optado por tentar atrair bolseiros, investigadores e mesmo ex-docentes do Ensino Superior, em vez da solução de baixar os critérios de admissão na docência.

Dito isto, há que apontar as insuficiências de um plano muito poupadinho (pouco mais de 22 milhões de euros), no qual 6 das 15 medidas são apresentadas com impacto orçamental “neutro” (talvez a sua maior valia na perspectiva do Governo) e a mais onerosa (o suplemento remuneratório para quem atingir a idade de reforma e queira continuar a dar aulas), com um valor projectado de 9 milhões de euros é uma das que tem menos possibilidades de ter qualquer sucesso. Não é com mais 750 euros brutos (400 líquidos, para arredondarmos valores) que quem está a contar os dias para abandonar a profissão, num misto de desilusão e esgotamento, mudará de estado de espírito. Muito menos nas zonas onde existe maior carência de docentes, como a Grande Lisboa.

Do mesmo modo, não adianta acenar com mais horas extraordinárias, pagas em acumulação com o salário para efeitos de IRS, a quem já tem dificuldade em assegurar o horário “normal”. Para isso, seria necessário reformar de modo profundo a burocracia escolar, assim como uma série de funções administrativas que o pessoal docente assegura e antes não eram da sua responsabilidade, em especial antes da criação de mega-agrupamentos com serviços de administração escolar cada vez mais minguados.

Do domínio do pensamento mágico – como fazer regressar docentes aposentados em troca de uma remuneração ao nível do início de carreira – é a esperança que bolseiros de investigação científica, investigadores e doutorados sintam vontade de ir leccionar para o Ensino Básico e Secundário, quando essa foi das opções que menos os atraíram desde os bancos da Faculdade, para não dizer que mais os horrorizou.

Por fim, há aquelas medidas que já existem e que apenas se pretende “agilizar” ou “flexibilizar”: completar horários em diferentes escolas já é possível. O que seria interessante era atribuir ajudas de custo para as deslocações desses docentes. Mais adequada é a decisão de permitir a contratação anual de docentes para substituir quem está com baixa médica por doença prolongada.

Em resumo: o plano tem algumas ideias interessantes, embora boa parte padeça de um optimismo irrealista e outras sejam pouco ambiciosas (acredito que por questões orçamentais), o que levará à sua ineficácia. Sobram algumas que, na melhor das hipóteses, servirão de escasso remendo para tamanho buraco.

* Professor do Ensino Básico

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