Rui Peralta, Luanda
I - Nicolas Maduro
Moros é o novo presidente da Venezuela, depois de vencer as eleições, no
passado dia 14 de Abril, por uma margem mínima de 234.935 votos, o que deixa o
país dividido ao meio. Para o governo bolivariano este resultado representa um
aviso sério e não deve ser interpretado de forma demagógica e linear. Foi uma
vitória, sem qualquer dúvida, legítima, mas demonstrativa daquilo que a liderança
bolivariana deve corrigir nas suas políticas.
Nas penúltimas
eleições, Hugo Chávez venceu por uma margem de cerca de 12% (8.191.132 votos
para Chávez e 6.591.304 para Capriles, com uma participação de cerca de 81%).
Em seis meses esta diferença foi substancialmente reduzida, ficando Maduro com 7.505.338
votos, frente a 7.270.403 votos, em Capriles Radonsky, com uma participação de
78%. A direita conquistou em 6 meses cerca de 680 mil votos. Saber o porquê é
fundamental para a continuidade do processo bolivariano de transformação,
No discurso de
vitória, mal foram confirmados os resultados, Maduro apontou dois dos problemas
que contribuíram para esta súbita ascensão da direita venezuelana: a corrupção
e a ineficiência (mas qual ineficiência? A da pesada máquina burocrática do
Estado venezuelano ou a do aparelho produtivo? Das organizações populares ou do
projeto bolivariano?).
II - Para a direita
venezuelana estes resultados são um incentivo para aumentar a sua tradicional
arrogância. A direita iniciou uma estratégia que produziu resultados. Capriles
prometeu, caso vencesse as eleições manter algumas das conquistas alcançadas
pelo povo venezuelano, principalmente os programas sociais e reivindicou Lula e
o Brasil como modelo a seguir.
A oposição
venezuelana de direita é constituída por partidos políticos que se coligaram
apenas por um motivo: Acabar com o processo bolivariano em curso. Não existe
qualquer projeto e muito menos uma clara identificação ideológica e
programática. Apenas o de terminar com o fantasma do chavismo, como os
direitistas denominam o projeto bolivariano de transformação.
Centrando o seu
discurso nos problemas sociais, a direita venezuelana, tentou captar a base
eleitoral bolivariana e conseguiu-o em parte. Claro que para a burguesia
venezuelana (e para os USA) o que está em causa é o recurso da imensa reserva
petrolífera do país, que se escapa da sua mão por 300 mil votos. Mas ganhou um
espaço importante, impondo a divisão do país, que obrigará o governo
bolivariano e as organizações populares a definirem com mais precisão os
resultados e os impactos dos seus projetos.
III - Alegam, os
direitistas, que ouve fraude no processo eleitoral. Mas a fiabilidade,
transparência e confiança do sistema eleitoral venezuelano é reconhecido por
todos os especialistas que o analisaram e o auditaram, inclusive pelo Centro
Carter (do ex-presidente norte americano Jimmy Carter).
A Venezuela possui
um sistema de votação totalmente automatizado, desde 2004. Utiliza um sistema
de 16 auditorias, em todas as fases do processo eleitoral, acordados e
aprovadas por todas as forças politicas participantes.
O acto eleitoral
processa-se em 5 etapas. A primeira é a identificação. Nesta etapa a cédula de
identificação é apresentada ao presidente da mesa eleitoral onde é registada no
Sistema de Autentificação Integral. A segunda etapa consiste no voto, propriamente
dito, onde o eleitor efectiva a sua escolha no ecrã da máquina de voto. A
terceira etapa consiste no depósito do voto na urna, ou seja o depósito do
comprovativo que é impresso no acto da escolha e que é depositado. A quarta
etapa consiste na assinatura do livro de registo e a última etapa é a
impregnação do dedo com tinta. Previamente ao acto são auditados o hardware, o
software, os sistemas de transmissão e os procedimentos.
Os votos ficam
armazenados, aleatoriamente, na memória da máquina de voto que não transmite os
dados armazenados até ao final do processo eleitoral. Os membros de cada mesa,
com os delegados dos partidos, elegem 54% das urnas para cruzar os votos
depositados com os armazenados na máquina. Em termos estatísticos bastariam 5%
das urnas para detectar irregularidades (nestas últimas eleições, Maduro
aceitou a reclamação da oposição para auditar a totalidade das mesas).
Uma vez finalizado
o processo de votação em cada centro eleitoral, os votos são transmitidos (de
forma cifrada) através de uma rede segura da empresa pública de
telecomunicações (CANTV) e são recebidos pelo sistema de totalização, que
comprova a autenticidade dos envios. Todo o sistema de transmissão utiliza
assinatura eletrónica, com chaves cedidas pela Comissão Nacional Eleitoral: as
organizações dos partidos participantes e o provedor tecnológico, sendo os
acessos comprovados pelas três partes.
Os 16 processos de
auditoria são: 1) a auditoria ao Registo Eleitoral; 2) a auditoria á produção
dos Cadernos de Votação; 3) auditoria á tinta; 4) às bases de dados; 5) ao
software de secção dos membros dos Organismos Eleitorais Subalternos; 6) ao
software da máquina de voto; 7) auditoria á produção das Maquinas de Voto; 8) a
toda a infraestrutura eleitoral; 9) ao Sistema de Totalização; 10) aos dados e
código-fonte do Sistema de Autentificação do Votante; 11) auditoria de produção
ao Sistema de Verificação de Votantes; 12) auditoria de pré-despacho do Sistema
de Autentificação de Votantes; 13) da Rede de Transmissão de Resultados
Eleitorais; 14) auditoria de pré-despacho de Máquinas de Votação; 15) auditoria
de encerramento; 16) auditoria posterior.
Estas auditorias são
acordadas, aprovadas e assinadas por todos os partidos políticos participantes
no processo eleitoral. Apesar disso, a direita venezuelana mantém as acusações
de fraude sem provas e por cima dos procedimentos e documentação comprovativa
dos resultados que os seus delegados assinaram. Obriga, ainda, a que o governo
admita a auditoria da totalidade das mesas eleitorais e a recontagem da
totalidade dos votos.
IV - O presidente
Maduro acusou os USA e a direita venezuelana de planearem um golpe, depois de 7
apoiantes do governo serem mortos e mais de 60 apoiantes feridos em confrontos
pós-eleitorais. Por sua vez os USA não reconhecem o novo governo, apoiando a
decisão da direita sobre a recontagem da totalidade dos votos. Enquanto isso a
direita apela á realização de um cazerolaço, criando um ambiente de tensão
muito similar ao que antecedeu a tentativa de golpe em 2002.
Grande parte dos
meios de comunicação social (estações de rádio, jornais e revistas) continuam
controlados pela direita e isso é uma das armas fortes dos inimigos do processo
bolivariano de transformação. Torna-se fácil espalhar a confusão e criar instabilidade
quando se conta com o apoio de muitos sectores da indústria mediática.
Os acontecimentos
registados em Caracas, no dia 15 de Abril, foram de uma extrema violência.
Clinicas e lojas foram assaltadas, sedes do Partido Socialista Unificado da
Venezuela (PSUV) foram incendiadas e vandalizadas) casas de governante e de
dirigentes do PSUV foram, também assaltadas e vandalizadas. Foram acções cirúrgicas,
com o objectivo de gerar uma grande vaga de instabilidade. Essa vai continuar a
ser a estratégia da direita venezuelana e dos USA: a desestabilização e a
guerra de nervos.
V - Inicia-se, desta forma, uma nova etapa no
processo de transformação em curso na Venezuela. A revolução bolivariana tem de
responder á responsabilidade da sua continuidade. Questões como a corrupção, a
ineficiência criada pela burocracia (a principal inimiga dos processos
revolucionários), ineficiências no aparelho produtivo, violência de diversa
ordem (domestica e familiar, do género, no sistema prisional, etc.), são
factores acumulativos na sociedade venezuelana,
Torna-se necessário
que a aplicação do Programa da Pátria 2013-2019, documento estratégico de
desenvolvimento, apresentado pelo Comandante Hugo Chávez nas penúltimas
eleições seja um documento de referência. O novo governo bolivariano e Maduro
não podem esquecer-se que Constituição Bolivariana contempla o mecanismo do
referendo de revogação e o seu mandato poderá ser interrompido, em caso de má
gestão dos assuntos do Estado e má governação.
A batalha contra os
interesses oligárquicos continuará e com certeza que entrará numa nova fase,
possivelmente de maior agressividade e conflitualidade. Nesta actual etapa o
grande risco é a negociação. Alguns sectores bolivarianos serão tentados a
realizar cedências, perante a divisão do país, a força da direita, o aumento da
instabilidade e a agressividade do imperialismo.
Outra batalha
importante prende-se com o controlo dos meios de comunicação e a optimização da
eficácia dos meios de comunicação públicos (sejam do Estado ou das organizações
populares, ou de sectores alternativos). Para além disso a continuidade das
politicas sociais, o fortalecimento do sistema público de educação e do Sistema
Publico nacional de Saúde, a integração dos factores urbanísticos nos
objectivos imediatos do processo revolucionário (são factores directamente
relacionados com a melhoria das condições de vida), a habitação, um melhor e
mais eficaz sistema de Justiça, o melhoramento e dignificação do sistema penal,
a emancipação da mulher, as politicas para a infância, a questão indígenas, a
reforma agrária, o desenvolvimento rural, são tudo questões inseridas no
Programa da Pátria e que devem ser integralmente cumpridas e nunca objecto de
negociação ou de cedências.
Urge ampliar as
grandes infraestruturas do país, continuar com a rede ferroviária e rodoviária,
Na ciência e tecnologia deverão ser aprofundados os mecanismos de soberania
tecnológica e continuar com a implantação do Software Livre na administração
pública e procurar alternativos constantes, ligadas ao desenvolvimento
produtivo e social
VI - O combate á
ineficiência no aparelho produtivo passa pela resolução dos modelos. Cogestão
ou autogestão? Qual o enquadramento das empresas comunais? Qual o papel do
cooperativismo? E das empresas mistas? E como controlar as empresas públicas
transnacionais, de forma a evitar bolsas de burocratização e de corrupção no
seio dessas grandes empresas?
E o poder popular? Como
fica a organização social e política? E como poderão as organizações populares
fomentar a criação de novas lideranças e de factores de optimização das
autonomias face ao Estado (diminuindo assim o peso da burocracia Estatal)? E o
sindicalismo? As comunas e os conselhos comunais? E o desenvolvimento do
movimento operário, face aos novos paradigmas do desenvolvimento e dos
camponeses face ao desenvolvimento rural? E que Estado? Um leviatãnico
Hiper-Estado, ou um modular Estado essencial, que caminhe paulatinamente para a
sua extinção?
No fundo duas
opções: Uma nova Cultura Politica, ou apenas uma confusa manta de retalhos, que
desembocará, inevitavelmente num pântano rodeado de gases letais.
A Venezuela de
Chávez resolveu as questões básicas e abriu portas para novos horizontes. A
pobreza foi reduzida, as condições de vida melhorou, a educação gratuita e
universal, assim como a saúde para todos, foram importantes conquistas sociais.
A manutenção, ampliação e sustentabilidade destas medidas são factores
essenciais para a continuidade do processo.
VII - No plano
internacional deverá continuar a integração regional: ALBA, UNASUR, CELAC,
MERCOSUR para além de aprofundar as relações Sul-Sul, com o continente
africano. O aprofundamento das relações com a China, são também importantes e
curiosamente foram referidas por Maduro, horas depois da morte de Hugo Chávez,
que considerou o capitalismo BRICS chinês como “nuestra amada China”.
O relacionamento
com a China é fundamental. A China é o maior credor da Venezuela até 2020. Entre
2008 e 2012 a
China investiu cerca de 36 mil milhões de USD, sendo o petróleo a
contrapartida. Estamos pois perante uma aliança estratégica, de mútua
conveniência, lubrificada pelo petróleo, que permite uma importante via de diversificação
de mercado consumidor para a Venezuela (aliviando a pressão norte-americana) e
de mercado fornecedor para a China.
Também com o Brasil
existe uma forte relação estratégica, fundamental para a integração regional.
Desde 2005 que Brasil e Venezuela consolidam uma aliança estratégica, com
acordos de integração entre o norte da Venezuela e o sul do Brasil, através da
ampliação e optimização das vias de comunicação, terrestre, fluvial e aérea, da
integração energética e do estabelecimento de cadeias produtivas
complementares. Se em 2003 o intercâmbio era de 800 milhões de USD, em 2011 representava
5 mil milhões de USD.
Entre 2007 e 2010,
foram efectuados encontros trimestrais entre os presidentes de ambos os países,
para aprofundar acordos e desenhar estratégias de integração e desenvolvimento
conjunto. No mesmo período instalou-se, em Caracas, o Instituto de Investigações
Económicas Aplicadas, para a formulação de projectos de integração e formação
de quadros em planificação. Foram criadas a Empresa Brasileira de Investigação
Agropecuária (EMBRAPA) e a Caixa Económica Federal.
Uma das decisões
mais importantes foi a substituição do Eixo Escudo-Guaianás pelo Eixo
Amazónia-Orinoco, onde foram implementados projectos de desenvolvimento
integral binacionais. Durante o funeral de Chávez, a presidente brasileira
adiantou que o Brasil estaria disposto a apoiar a Venezuela em três aspectos:
as importações alimentares, a corrupção policial e as distorções provocadas
pelas exportações petrolíferas. Inclusive, na administração norte-americana o
papel do Brasil na transição política venezuelana é considerado essencial e um
interlocutor privilegiado, para além de ser uma eventual porta para a “estabilização
democrática na Venezuela”, segundo alguns meios próximos a Obama.
Existe no entanto
um dado de extrema importância: a necessidade de ambos os países de fortalecer
o controlo da região sul da Venezuela e norte do Brasil, onde se encontram
enormes jazigos minerais de importância estratégica. No estado brasileiro de
Roraima, estado fronteiriço com a Venezuela estão as maiores reservas de ouro e
estanho do mundo, para além de importantes jazigos de uranio, compartidos pelo
Brasil Venezuela e Guiana (ex-Guiana britânica), sendo esta zona disputada
entre a Venezuela e a Guiana, desde 1966.
Mas as bases da
integração são as linhas definidas por Chávez nestas palavras: “Yo seré un
pregonero y un acelerador, hasta donde pueda, de los procesos de integración. Es
momento de retomar el sueño de unión entre nosotros. De plantearnos una moneda
para la América Latina y el Caribe para la próxima década; busquemos y luchemos
por ella. De plantearnos una Confederación de naciones de esta parte del Mundo.
De plantearnos una unidad que vaya mucho más allá del intercambio comercial. La
unidad va mucho más allá, es mucho más completa, mucho más profunda, es la
unidad de lo que estuvo unida una vez (…) La unidad entre nuestros pueblos,
entre nuestros Estados, nuestras Repúblicas, nuestros gobiernos es el único
camino. La unidad entre nuestros pueblos, entre nuestros Estados, nuestras
Repúblicas, nuestros gobiernos es el único camino. Aceptando y respetando
nuestras diferencias. Sin permitir que la cizañe venenosa vaya a impedir, una
vez más, el esfuerzo unitario. La unidad hay que construirla, pero es necesario
batallar todos los días contra mil dificultades... Porque ese es el camino que
Bolívar nos señaló cuando dijo: ‘Sólo la Unión nos falta para completar la obra
de nuestra regeneración. El día que logremos esa unidad, entonces construiremos
en este Nuevo Mundo, la madre de las Repúblicas y la reina de las Naciones”.
Este é um desígnio
que o governo bolivariano tem de cumprir.
VIII - É uma
evidente nova etapa para a Venezuela bolivariana. Maduro, como presidente, tem
responsabilidades acrescidas. No âmbito interno, é a consolidação,
aprofundamento e ampliação das conquistas já alcançadas e sua sustentabilidade.
É também a conquista de novos espaços sociais, a ampliação dos direitos, a
consciencialização dos deveres, a resolução sobre os assuntos adiados e a
continuidade na inovação.
No âmbito externo o
estabelecimento das relações estratégicas (principalmente com os BRICS, Africa
e a integração regional) e do seu aprofundar, em solidariedades estratégicas,
para além do reforço das solidariedades efectivas (relacionamento com a Bolívia,
Equador e Cuba).
Se Maduro está efectivamente
maduro para assumir estas responsabilidades, isso é outro assunto. Pode não
estar, mas vai ficar, de certeza. Pelo menos todos confiamos na clarividência
do comandante Hugo Chávez e na sua capacidade como condutor de Homens. Seja
como for, os processos revolucionários, os projectos transformadores, não
dependem apenas de um Homem, dependem do Homem, integral, assumido como um
todo, expressando a vontade soberana de um povo, de uma classe, ou de uma
nação. É o Homem o factor primordial e é em nome do Homem que a transformação
do mundo é efectuada.
E os pobres da Venezuela
já por mais de uma vez na História, souberam falar com a sua voz, agindo pelos
seus meios…
Fontes
Ríos, Rafael Rico Victoria
mínima del Chavismo http://www.rebelion.org
O Estado de São
Paulo, Março, 17, 2013.
1 comentário:
Hoje, na maior parte do comércio venezuelano, não havia papel higiênico para vender. Também não havia farinha de trigo e frango, a não ser em poucos mercados. Havia filas enormes para comprar víveres. Nicolás Maduro fez um giro no Brasil, Uruguai e Argentina, com um único e desesperado pedido: mandem comida! É o sonho de Chávez realizado. Venezuela virou Cuba. Nem papel higiênico existe para comprar.
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