Henrique Monteiro –
Expresso, opinião
A primeira
declaração é que conheço e sou amigo de Miguel Sousa Tavares, desde que ambos
éramos jovens jornalistas. O facto de ele ter reconhecido que se excedeu
ao chamar "palhaço" a Cavaco por se tratar do Chefe do Estado só lhe
fica bem. Como sei que diz a verdade, porque ele é assim, quando afirma que foi
atrás da pergunta.
Mas o que me
importa aqui não é tanto o facto. Não me parece ser passível de punição o
facto de alguém chamar palhaço a outrem, mesmo que outrem seja Presidente. A
sociedade portuguesa tem de saber distinguir entre o não se deve fazer com medo
de represálias e o que não se deve fazer por imperativo ético. E eu penso que
chamar "palhaço" ao Chefe do Estado deve repousar neste segundo
imperativo. Sobretudo para pessoas que têm bastante audiência no espaço
público.
"Palhaço",
chamado em sentido depreciativo, significa, segundo o dicionário, alguém que
não é levado a sério, bobo, pessoa que não merece consideração, pessoa que muda
constantemente de opinião. É por isso que chamar palhaço não é o mesmo que
chamar funâmbulo ou animador de pista ou outra qualquer profissão própria de um
circo. Embora o uso repetido de qualquer outra destas profissões, com um
sentido metafórico, ou seja diferente da literalidade, possa vir a resultar num
insulto. Imagine-se que se chamava sistematicamente ao político A
"equilibrista". Em breve a palavra teria o significado de um insulto.
Também não valem
argumentos, como já vi, segundo os quais cada um é livre de pensar o que quiser
do Chefe do Estado. A proteção do nome e da honra não visa permitir que
cada um diga o que pensa, mas justamente limitar a utilização de palavras e de conceitos
até ao admissível, de modo a não colocar em causa o outro, ou o que o outro
simboliza. A ideia não pode ser "eu acho que fulano é isto ou
aquilo", mas sim até onde é admissível que o outro admita (aqui não entro
em linha com acusações que se podem provar factualmente, claro).
Ontem mesmo,
Alfredo Barroso criticava Sousa Tavares por ele ter afirmado que embora não
tenha consideração política por Cavaco Silva tem respeito pelo Chefe do Estado.
E interrogava se essa admiração em abstrato abrangia Américo Thomaz, o último
Presidente antes do 25 de Abril. É lamentável que um fundador do PS e
ex-chefe da Casa Civil de um PR confunda presidentes legitimamente eleitos em
regimes democráticos com pessoas não eleitas de regimes ilegítimos. É este tipo
de raciocínio em que os símbolos e os deveres dos cidadãos são malbaratados por
pessoas que se julgam donos do regime, ou morgados da pátria, que vai
destruindo o que resta da credibilidade do regime.
A somar a isto há a
radicalização que resulta da despersonalização das relações. Já chegava parte
da esquerda tornar monstruosos os seus adversários (a direita faz o mesmo, mas
em muito menor escala). Ou seja, os adversários nunca são pessoas de bem,
que têm uma ideia diferente, mas sempre seres estranhos que pretendem espalhar
o mal, como nas bandas desenhadas infantis. É pena que o debate, muitas vezes,
não passe deste nível. Mas a somar a esta espécie de desumanização do
adversário, a Internet veio possibilitar que, por detrás do anonimato, se torne
cada vez mais comum insultar a eito.
O resultado desta
forma de estar só pode ser mau. Acho que ninguém de bom senso tem dúvidas.
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