Les
Echos, Paris – Presseurop – imagem Kazanevsky
O apelo à
experiência do Fundo Monetário Internacional permitiu salvar o euro no auge da
crise, mas o empenhamento, na primeira pessoa, do BCE e, depois, a criação de
instrumentos financeiros específicos tornam agora inútil o recurso à
instituição de Washington, defende um economista
A decisão do Brasil
e de alguns outros países de deixarem de apoiar o programa do FMI na Grécia
veio, oportunamente, levantar uma vez mais a questão do apoio do FMI aos
Estados membros da zona euro.
Lembremo-nos, antes
de mais, que a intervenção do FMI na zona euro não é óbvia. De facto, o FMI vai
normalmente em socorro de um país que tem grandes desequilíbrios na sua balança
de pagamentos, o que se traduz, frequentemente, numa fuga de capitais
estrangeiros, numa quebra nas reservas do banco central e numa depreciação da
moeda nacional.
Ao emprestar
novamente reservas, através de um programa de apoio que tem como condição a
realização de reformas, o FMI tranquiliza os investidores e inverte os fluxos
para o país em crise. Ora, a balança de pagamentos da zona euro está
equilibrada e o euro é uma moeda forte, não justificando, por isso, em nada uma
intervenção do FMI. Além do mais, foi o que levou Jean-Claude Trichet, na
altura o governador do BCE, no início da crise, em 2010, a dizer que o recurso
ao FMI seria um fracasso para a zona euro.
Mecanismos próprios
O FMI interveio,
finalmente, na zona euro (Grécia, Irlanda, Portugal e Chipre) por três razões
principais. Uma, porque simplesmente nada tinha sido previsto para fazer face à
uma situação de falência orçamental de um Estado da zona euro. O FMI era o
único instrumento financeiro disponível para ir em socorro dos Estados que
enfrentavam necessidades de financiamento a muito curto prazo.
Outro, era
político: o FMI tinha de desempenhar o seu papel de bode expiatório, de
instituição que exige condições impopulares de recuperação, coisa que os
Estados da zona euro não estavam preparados para fazerem sozinhos. Por fim,
acrescente-se que a capacidade do FMI para arquitetar programas económicos em
poucas semanas é incontestável e justificava, igualmente, um tal apoio numa
situação caótica.
Ao longo dos
últimos três anos, no entanto, a zona euro começou a mexer-se. Por um lado, pôs
em funcionamento os instrumentos financeiros de solidariedade necessários. O
BCE dotou-se de OMT(“outright
monetary transactions”), o que permite financiar um Estado a muito curto prazo,
justificando assim a afirmação do atual governador, Mario Draghi, segundo a
qual o
BCE está empenhado a fazer “tudo o que for necessário” para preservar o
euro.
As instituições da
zona euro criaram, igualmente, o Mecanismo
Europeu de Solidariedade (MES) que, de facto, desempenha o papel de um
fundo monetário europeu, um instrumento financeiro de empréstimos aos Estados
mais frágeis. Por fim, politicamente, os Estados mais sólidos, a começar pela
Alemanha, assumem cada vez mais a sua posição, exigindo as medidas de
recuperação ao mesmo tempo que se mostram solidários (através, por exemplo, dos
fundos de ajuda aos jovens e às PME).
Uma opção a
meio-termo existe
Neste contexto, não
é já tempo de a zona euro dizer que pode viver sem o FMI? A segunda moeda de
reserva do mundo não pode recuperar a sua soberania total e mostrar que é capaz
de ser plenamente solidária e protetora para com os seus? Não recorrer ao FMI
terá uma dupla consequência.
Primeiro,
financeiramente. Terá de fazer os empréstimos, neste momento, no entanto, já
marginais, do FMI à Grécia, Portugal e Chipre. Ora, esses fundos estão agora
disponíveis através do MES. Depois, politicamente, a zona euro ficará entregue
a si própria e às suas fraquezas, especialmente a fraca convergência das
economias do Sul e do Norte.
Mas os governos,
nestes últimos anos, quiseram mostrar que esta zona não é apenas uma união
monetária, mas também um ato político. E o gesto será importante: depois de uma
fase difícil, a zona euro estará a afirmar que está pronta a enfrentar os seus
desafios por si própria (como, por exemplo, a anulação ou não de uma parte da
dívida soberana da Grécia, que foi objeto de divergências entre o FMI e a zona
euro).
Antes de deixar de
recorrer ao FMI, uma opção poderá recorrer-se a uma solução de meio-termo. Como
já fez em alguns países, o FMI poderá assinar com os países da zona euro sob
resgate um acordo dito de precaução, isto, bem entendido, em concertação com as
instâncias da zona euro. Trata-se de acordos sem ajuda financeira, mas sob a
forma de cheque em branco sobre a condução da política económica. Assim, a zona
euro preservará a sua autonomia financeira, aproveitando, ao mesmo tempo, a
experiência do FMI. Será uma primeira etapa. Porque a zona euro deverá, no fim,
afirmar-se politicamente.
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