Eugénio Costa
Almeida* - Novo Jornal - publicado em Pululu
O senhor presidente
da República, José Eduardo dos Santos, em discurso pelo Estado da Nação, no
início da 3ª sessão legislativa da 2ª legislatura, abordou várias matérias
sendo que um provocou um quase caos institucional nas relações luso-angolanas
quando afirmou que nas actuais relações entre os dois Estados o ambiente ”não
aconselha à construção da parceria estratégica antes anunciada”.
Recorde-se que esta
parceria surgiu após uma cimeira entre os dois presidente das repúblicas
angolana (Eduardo dos Santos) e portuguesa (Cavaco e Silva) e teve como base a
simpatia e respeito mútuos que os dois estadistas mantêm entre si. Uma parceria
que foi abordada e assinada pelos dois citados estadistas mas que nunca – não
vejo em espaço algum da memória cibernética acerca deste dado –, nunca, dizia,
tenha sido ratificada pelos dois parlamentos nacionais.
Ora, como pode o
senhor presidente falar num processo institucional que nunca passou de boas
intenções e de um papel subscrito sobre o respeito mútuo presidencial? Na
realidade, o presidente Eduardo dos Santos só esclareceu a comunidade interna e
lusófona que estava a mandar às urtigas uma proposta que nunca teve o condão de
ver publicada em jornais oficiais e ratificadas pelos dois presidentes como
mandam as respectivas constituições.
Por isso quando a
polémica, surgiu com particular destaque em Portugal, quando fui contactado por
diferentes órgãos comunicacionais portugueses, enquanto Investigador, e só
neste cargo, afirmei sem qualquer dúvida que esta afirmação de Eduardo dos
Santos foi mais para consumo interno que, propriamente, para o espeço lusófono.
E por falar em
espaço lusófono, que não será o mesmo que lusofonia, não esquecer o editorial
do Jornal de Angola, do início desta semana, onde colocava, claramente, a
questão de momento, ou a ancestral questão que perpassa pelos angolanos; o que
é a Lusofonia e a quem lhe interessa? Recordemos como a expressão nos soa a
neocolonialismo em parte, devido às políticas de Champs-Élysées e de Quai d’
Orsay quer nas suas antigas colónias, quer junto dos Estados que aderiram à
francofonia. Daí que os angolanos tenham alguma certa urticária sempre e quando
se fala não em países lusófonos mas só em lusofonia.
E voltando à
referida polémica, porquê consumo interno? Recordemos que tudo teve início na
polémica entrevista – só o foi para a comunicação social lusa – de Rui Machete,
Ministro dos Estrangeiros português à RNA quando referiu – violando quer
segredo de justiça, quer conhecimentos obtidos na sua função profissional – que
os processos que incidem sobre personalidades angolanas estariam arquivados. E
isto sem se dar ao trabalho de perguntar à PGR.
Ora é aqui que as
makas começam. Em Portugal, como em todos os países claramente democráticos, há
uma total separação de poderes entre o Judicial e o Governativo. Não quer dizer
que estes não tentem, por vezes e não poucas vezes, imiscuir-se nos assuntos
internos um do outro. E é esta separação clara que não temos no nosso
ordenamento.
E isto é o que
parece não entender alguns dos nossos dirigentes políticos e alguns dos nossos
comunicadores.
Também se esquecem
que há normas comunitárias que determinam que certas transferências bancárias,
a partir de um certo montante, sejam efectuadas por quem quer que sejam, têm
sempre de ser investigadas. E Portugal, face ao seu nº 3 do artigo 8º da sua
Constituição, subsume automaticamente todas as directivas comunitárias como é o
caso de investigação de transferências bancárias.
É certo que os tais
processos andam há demasiado tempo a passinho de caracol nas gavetas da justiça
portuguesa. Talvez que esta pedrada no charco faça as coisas moverem-se com
mais celeridade e prontidão.
É que a actual
situação ou falta de uma efectiva parceria entre os dois Estados não interessa
a ninguém. Nem aos governantes portugueses que continuam a precisar de Angola
como suporte financeiro e económico para melhorar as suas contas públicas
(somos o 4º parceiro comercial e o primeiro fora da União Europeia) como Angola
não pode ver os seus investimentos serem postos em causa (há cerca de 3000
milhões de euros – varia conforme a flutuação bolsista – colocados em empresas
portuguesas por parte de investidores angolanos).
É altura dos dois
presidentes voltarem a se juntar e conversarem sem sentirem os ventos que
abundam pelos lados da Rua Ginga ou de certos senhores que só falam alto quando
o presidente fala. E nem deverão esperar pela cimeira de Fevereiro que, como já
foi dito – apesar daqueles senhores dizerem o contrário –, até pela diplomacia
nacional, mantém-se agendada.
A Angola também
convém manter parcerias com todos os Estados e não com centrar só em dois ou
três. Não podemos esquecer que queremos ser uma potência regional credível e
directora.
©Artigo de Opinião
publicado no semanário angolano Novo Jornal,
secção “1º Caderno” ed. 301 de 25-Outubro-2013, pág. 21)
*Angolano, Africano
e Investigador do CEA/ISCTE-IUL
Eugénio Costa
Almeida* – Pululu - Página de um
lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e
Doutorado em Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais -; nele poderão
aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a actividade
académica, social e associativa.
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