Deutsche Welle
"Os diamantes
angolanos estão a beneficiar diretamente a família presidencial e não os cofres
do Estado," denuncia o ativista angolano Rafael Marques. Falou à DW África
sobre a sua luta conta a corrupção em Angola.
Num texto escrito
na juventude, o jornalista criticou o Presidente da República. Chamou-o de
ditador e promotor da corrupção em Angola. No ano de 1999, em represália, foi
preso e passou 42 dias na cadeia. Tempo suficiente para se indignar com as
graves violações dos direitos humanos que presencia e perante as quais não se
pode calar. Passa a ser ativista dos direitos humanos e torna-se um dos mais
importantes jornalistas do país e um ativista muito respeitado no mundo.
Na sexta-feira
(08.11.), Rafael Marques de Morais recebeu em Berlim o Prémio Integridade,
oferecido pela Transparência Internacional, organização não-governamental de
combate à corrupção. A Transparência Internacional reconheceu deste modo à sua
luta contra a corrupção em Angola. Rafael Marques dedicou a homenagem ao jovem
angolano Nito Alves, que se encontrava preso, por supostamente ter chamado o
mesmo Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, de ditador. Falou à DW
África sobre a atualidade angolana e sobre sua trajetória pessoal.
DW África: Rafael
Marques, o que viu na cadeia de Viana, quando esteve preso, em 1999?
Rafael Marques: Denunciei
uma situação na CNN [uma emissora de TV dos EUA], na altura, que levou ao
encerramento temporário da cadeia de Viana. Era a chamada Cela dos Judeus.
Nesta cela, morriam diariamente entre um e dois presos. Estavam todos em estado
esquelético. Os detidos que não tinham familiares para alimentá-los acabavam
praticamente por morrer à fome e com outras doenças.
DW África:Depois
passou a denunciar as violações dos direitos humanos. Que outros casos eram
constantes na cadeia?
RM:Um indivíduo,
que tinha sido procurador-geral adjunto numa província mandou prender um
capitão das Forças Armadas que matou um colega. Mas o colega era proveniente da
UNITA [o maior partido da oposição, em Angola]. O exército e as autoridades
locais de segurança acharam que o procurador tinha cometido um ato de traição.
Ele se encontrava ali na cadeia há nove meses e foi porque ele me contou a sua
história e fiz sair a informação que ele, passado algum tempo, foi libertado.
DW África:Foi nesta
época que passou a ser chamado de ativista dos direitos humanos em Angola,
Rafael Marques?
RM:Essas situações
que fui vivendo na cadeia – o estado miserável, desumano praticamente, que
persiste até hoje nas cadeias angolanas – que me levaram a orientar a minha
ação também para a defesa daqueles que de fato estavam completamente ignorados
e a morrer por total negligência e abuso por parte das autoridades.
DW África:Em Berlim, você
recebeu o Prémio Integridade, que dedicou ao jovem angolano Nito Alves, preso,
por supostamente ter chamado o mesmo Presidente angolano, José Eduardo dos
Santos, de ditador. Como você avalia o que se passou com Nito Alves?
RM:Esta juventude
não quer dividir os recursos. Tem uma outra visão. O Nito Alves é o símbolo.
Este nome se tornou um pesadelo para o regime que sempre conseguiu por de lado
a situação do Maio [os massacres do ano de 1977], porque nunca esclareceu essas
mortes de milhares de pessoas. Soube que estavam a fazer investigações para ver
como ele adquiriu este nome e se eventualmente até podiam retirar-lhe o nome ou
ser preso e condenado pelo nome. É insano!
DW África:Teve
conhecimento dos bastidores da prisão do jovem?
RM:As condições, as
ameaças de morte que ele recebia constantemente dos guardas prisionais e de
outros indivíduos que o iam visitar por parte da segurança. E também recebi
outras mensagens posteriores sobre como ele também estava a ser coagido a pedir
desculpas ao Presidente publicamente, o que ele já disse que não fará. Mas o
fundamental é o seu espírito de resistência.
DW África: Vamos
agora falar um pouco sobre as pepitas angolanas. Continuam as investigações do
caso Diamantes de Sangue em Angola?
RM:Estou a
investigar um esquema de desvio dos diamantes de Angola pela família presidencial.
No ano passado, um consórcio entre a empresa estatal de comercialização de
diamantes, SODIAM [Sociedade de Comercialização de Diamantes de Angola], e o
genro do Presidente da República, Sindika Dokolo, compraram 72% das ações da
joalheria da empresa "De Grisogono", que faz as jóias para as
celebridades de Hollywood. Este negócio não envolveu um centavo da família
presidencial, é em troca de diamantes angolanos.
DW África:E o que
você pretende provar?
RM:Temos aqui um
processo em que os diamantes angolanos estão a beneficiar diretamente a família
presidencial e não os cofres do Estado. Tenho acesso aos documentos que provam
de fato mais um ato ilícito por parte do Presidente da República.
DW África:Como
pretende trazer essa denúncia à tona, concretamente?
RM:Vou escrever um
texto e apresentar ao Ministério Público (MP), com as provas existentes para
ver o que o MP pode decidir. Em princípio, o MP também já decidiu nas queixas
anteriores que os governantes podem saquear o país como bem entendem desde que
não apareçam diretamente a gerir o saque.
DW África: E mesmo
sem essa perspectiva de mudanças diante das denúncias, Rafael Marques continua
empenhado?
RM:O que é
fundamental nisso não é mudar o comportamento da ditadura e dos corruptos, é
mudar a consciência da sociedade. Porque quando a sociedade perceber o nível de
criminalidade dos seus governantes, estes não terão outra hipótese senão fugir
do país ou serem presos. Transformaram a corrupção numa instituição. Ninguém
pode aspirar a uma vida melhor em Angola sem ser corrupto e é essa mentalidade
que é preciso mudar. É um Governo praticamente tomado e gerido por ladrões.
DW África:Sobre os
11 processos que atualmente pairam contra você, como isso lhe afeta moralmente
e psicologicamente?
RM: Não, não me
afeta. Antes pelo contrário, encoraja-me.
DW África:Você não
tem medo, Rafael Marques, de um dia ficar esquecido numa cadeia, mesmo sem ter
praticado um crime?
RM:Já estive preso,
já fui emboscado, já fui raptado. Já passei por muitas peripécias com as
autoridades e cabe a cada um de nós, como cidadãos, lutar por um país melhor. E
para mudar isso é preciso ter, não diria coragem, mas é preciso convicção do
que estamos a fazer e um certo elemento de entrega.
DW África:Está
preparado para a maratona judicial que tem pela frente?
RM: Estou de
consciência tranquila. Investiguei com rigor. Tenho as provas documentais de
tudo aquilo que denunciei. Tenho as testemunhas. Tenho declarantes, alguns dos
quais a Procuradoria-Geral da República recusou-se a ouvir. Estou preparado
para ir a tribunal. Já fui a tribunal num caso em que o Presidente da República
intentou contra mim e não me permitiu apresentar provas em tribunal. Logo,
estou de consciência tranquila.
DW África: Houve
denúncias recentes, vindas do Brasil, contra o general angolano Bento dos
Santos Kangamba, sobrinho do Presidente José Eduardo dos Santos. Kangamba é
acusado pelas autoridades brasileiras de ser o chefe da quadrilha que traficava
mulheres do Brasil para prostituição em Angola, África do Sul, Portugal e
Áustria. A denúncia surpreende?
RM:Todos aqueles
que conhecem o general Bento Kangamba sabem que é um indivíduo da pior espécie.
É um indivíduo sinistro e tem todo o tipo de negócios obscuros, porque não se
lhe conhece uma empresa legítima que dê rendimentos para ele sustentar um bar.
Então, como aparece com milhões de dólares? De onde sai o dinheiro? Então, não
foi uma surpresa. Tardou, essa denúncia.
DW África:Acredita
que será possível levar o general Bento dos Santos Kangamba a responder à
acusação perante um tribunal e assim esclarecer o caso e se fazer justiça?
RM:A justiça maior
que foi feita, é a justiça pública, que os cidadãos angolanos estão conscientes
de que este indivíduo, que faz parte da família presidencial, é um gangster, é
um criminoso. E ele tem sido, durante alguns anos, o chefe da milícia que tem
estado a aterrorizar os jovens manifestantes.
DW África:E como
acha que tem sido ou que será o reflexo dessas acusações dentro do próprio
exército angolano?
RM:Tem havido muito
descontentamento ao nível do exército porque o exército hoje se tornou num
caldeirão de corrupção, onde grande parte dos recursos do Estado é depositada
para ser logo desviada. Este ano, Angola tem um orçamento de mais de 13 mil
milhões de dólares americanos para o exército. E para a segurança e os soldados
não têm botas! É época das chuvas. E os soldados não têm capas de chuva!
DW África: Falando
agora sobre as relações com Portugal. Como avalia a deterioração das relações
entre Angola e Portugal?
RM:Na verdade, não
há deterioração nas relações entre Angola e Portugal. Continuam na mesma. Houve
um discurso musculado do Presidente da República para consumo interno e como
processo de chantagem para que Portugal arquive os processos contra os
dirigentes angolanos.
DW África:Mas esses
dois países necessitam-se mutuamente?
RM:Todos os
gestores das fortunas da família presidencial, dos generais angolanos são
portugueses. Os bancos com quem fazem transações, que utilizam para a lavagem
de dinheiro, são portugueses. A elite angolana, para saquear o país à vontade,
precisa do apoio de Portugal. Mas Portugal tolera isso, porque é a forma que
encontrou de ser chamado para participar do saque de Angola. E é o que está
errado.
DW África: Para
encerrar, gostaria de abordar a forma como os acontecimentos em Angola são
vistos fora do país. Como avalia o tratamento dado pela comunidade
internacional a Angola. Age-se de acordo com aquilo que se prega?
RM:O
primeiro-ministro britânico [David Cameron] endereçou um convite ao Presidente
da República de Angola [José Eduardo dos Santos] para visitar a Grã-Bretanha e
também recentemente o presidente francês, François Hollande, enviou um convite
ao Presidente para visitar a França. E eu apelaria às instituições francesas e
britânicas, às ONG britânicas, a fazerem campanha para que este indivíduo, se
visitar esses países, então ouça as vozes desses cidadãos porque é um ditador e
deve ser tratado como tal.
Autoria: Cristiane
Vieira Teixeira (Berlim) – Edição: Johannes Beck – Publicado em 16.11.2013 por
DW
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